Bernie Sanders conseguiu levar o Partido Democrata para a esquerda, impregnando o debate com ideias progressistas, superando um infarto e se tornando um dos favoritos para obter a indicação da sigla em 2020, quatro anos após ser considerado um idealista utópico.

Segundo as pesquisas, Sanders, de 78 anos, vencerá com folga a primária de New Hampshire, após ter ficado em segundo lugar no caótico “caucus” de Iowa, onde perdeu por uma margem estreita para o jovem ex-prefeito de South Bend Pete Buttigieg.

Ficaram para trás os debates de 2016, quando o senador independente por Vermont – que se define como socialista democrático – era o único candidato a denunciar a “corrupção” do sistema capitalista que favorece os milionários de Wall Street em detrimento dos trabalhadores, em um país com um sistema de saúde que leva milhares de cidadãos à falência.

Hoje, a senadora Elizabeth Warren e quase todos os demais candidatos democratas que querem derrotar Donald Trump em novembro denunciam as desigualdades e defendem uma melhoria da cobertura de saúde.

Já em 2016, o senador veterano, famoso pelo temperado crispado e pelos cabelos despenteados – que contrasta com a estética aprumada de Washington – cativou inesperadamente os jovens com seu discurso em defesa dos trabalhadores.

À época, suas propostas foram taxadas de irrealistas pelos barões do Partido Democrata, e Sander acabou perdendo a indicação para Hillary Clinton.

– Um ‘outsider’ –

Contudo, depois da surpreendente vitória de Trump, os democratas sentiram o golpe da crítica de estar desconectados da classe média e dos trabalhadores.

Neste contexto de forte crítica às elites, Bernie tem a vantagem de ser visto como um “outsider”, alguém “mais autêntico e natural” que outros candidatos, apontou Jim Campbell, cientista político da Universidade de Buffalo.

Apesar de ser o mais velho do pelotão de aspirantes e de ter sofrido um infarto durante a campanha, Sanders conseguiu atrair o apoio de figuras jovens da ala de esquerda dos democratas, como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, e de celebridades, como a rapper Cardi B, o cantor Residente e o cineasta Michael Moore.

Com 121 milhões de dólares arrecadados entre seus apoiadores em cerca de um ano, ele é quem mais recebeu doações – apesar de rejeitar o dinheiro vindo de empresas. De todas as contribuições, 63% foram de menos que 200 dólares.

Após receber alta depois de infartar em outubro, retomou os comícios e as doações bateram novos recordes, retomando o estímulo de um candidato que defende os mesmos valores há 40 anos.

“Tivemos mais sucesso em mudar ideologicamente o partido do que tínhamos sonhado ser possível”, disse Sanders em entrevista à GQ em janeiro de 2019, um mês antes de anunciar sua candidatura.

Bernard Sanders nasceu em 8 de setembro de 1941 no Brooklyn, em Nova York, em uma família de imigrantes judeus vindos da Polônia. Estudou na Brooklyn College e depois na Universidade de Chicago, onde se tornou ativista pelos direitos civis.

Em 1963, participou da enorme marcha de Washington onde Martin Luther King Jr pronunciou o famoso discurso “Eu tenho um sonho” (“I have a dream”).

Após se formar, foi morar em um kibutz em Israel, e depois se estabeleceu em Vermont, onde trabalhou como carpinteiro e como cineasta.

Em 1981, foi eleito prefeito, e em 1990 entrou na Câmara dos Deputados como independente. Manteve o cargo até 2006, quando concorreu e entrou no Senado.

– Comunista? –

Sua amizade de longa data com Warren se abalou nas últimas semanas, após ela contar que ele tinha dito que uma mulher não poderia chegar à Casa Branca.

Sanders nega ter afirmado isso, mas a polêmica gerou uma sombra em sua campanha, e Warren denunciou que parte da base do senador veterano, um grupo conhecido como “Bernie’s Bros”, teria cometido ataques sexistas contra mulheres rivais.

No mês passado, Clinton entrou no debate ao dizer que os supostos comentários de Sanders faziam parte de “um padrão”. Em um documentário que será lançado em março, apontou que “ele não gosta de ninguém, ninguém quer trabalhar com ele”.

Alguns democratas estão preocupados que Trump – que desqualifica Sanders como um “louco” – apresente-o como um “comunista” perigoso, enquanto consideram-no uma figura polarizadora.

Tanto seus simpatizantes, quanto seus opositores no campo republicano apontam que o tom pouco convencional de sua candidatura é justamente o que a torna atraente.