Existem duas certezas no mundo da Fórmula 1, divisão mais importante do automobilismo. A primeira é que a categoria jamais teria a importância atual se não fosse o comando do magnata inglês Bernie Ecclestone, 86 anos, demitido na segunda-feira 23 depois de quarenta anos no poder. Ex-piloto, ex-dono de equipes e com uma fortuna de US$ 3,1 bilhões, ele conduziu a F1 a receitas anuais que ultrapassam US$ 1 bilhão. A outra certeza é que ele jamais conseguiria esses resultados sem seu estilo de gestão mãos de ferro.

Tradicional: a corrida de Mônaco é um dos símbolos históricos da categoria
Tradicional: a corrida de Mônaco é um dos símbolos históricos da categoria (Crédito:Mark Thompson/Getty Images)

O próprio chefão admitia isso. “O problema é que a Fórmula 1 de hoje é como uma democracia e eu sou um pouco contra a democracia”, disse Ecclestone, quando travou uma queda de braço com a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), em 2015, para fazer mudanças no regulamento. Seu reinado, no entanto, foi encerrado. A contragosto, o bilionário britânico foi dispensado pelo dono da marca Fórmula 1, o grupo americano Liberty Media, que, em setembro de 2015, comprou o controle da categoria por US$ 8,5 bilhões do fundo luxemburguês CVC Capital Partners.

Apesar de ter feito barulho no meio esportivo, a saída de Ecclestone não é vista como uma surpresa sob a ótica dos negócios. A Liberty Media investiu bilhões porque enxerga muito potencial na categoria. Afinal, é um campeonato que possui grande aceitação em diversos países, mas ainda engatinha no quesito entretenimento. Mais: apesar de ter obtido sucesso em mercados como os Emirados Árabes, a F1 não avançou nos EUA. Chase Carey, chairman após o negócio, sabia que Ecclestone não iria aceitar as mudanças que precisavam ser feitas.

“Ele foi um ditador por muito tempo e fez da F1 um grande esporte, mas que pode ser melhorado”, disse Casey em entrevista à BBC. “O que trazemos é um novo olhar e outra ambição, que é fazer um esporte fantástico para os fãs.” Os novos donos estão dispostos a investir US$ 4,4 bilhões para rapidamente ganhar espaço em mercados importantes. Eles apostam na criação de verdadeiros espetáculos durante as corridas, inspirados nas ligas americanas, como a de basquete NBA e a de futebol americano NFL. Outra meta é a profissionalização dos negócios para acelerar a expansão.

Novos chefes: Bratches, Casey e Brawn (da esq. para a dir.) serão os responsáveis pelo futuro da competição
Novos chefes: Bratches, Casey e Brawn (da esq. para a dir.) serão os responsáveis pelo futuro da competição (Crédito:Divulgação)

Ecclestone tinha a fama de preferir apertos de mãos aos contratos, o que dificultava negociações e abria espaço para corrupção. Em 2014, depois de cinco anos de investigações, o executivo pagou US$ 100 milhões à Justiça alemã para encerrar um processo que provou a propina paga a um banqueiro local a fim de que a CVC mantivesse o controle das transmissões da F1. Desta forma, Ecclestone continuaria no comando. Em outros casos, corridas tradicionais, como os GPs da Alemanha e da França, foram canceladas por falta de acordos entre os organizadores e o ex-chefão.

Principal alvo, os EUA também devem receber outro evento, além do realizado na cidade de Austin, no Texas. “Há muitas razões para ser otimista com a Liberty”, diz Emanuele Venturoli, analista da consultoria britânica de marketing RTR Sports. “Eles estão colocando nomes conhecidos para posições-chave e mudando a F1 sem alterar a essência do esporte.” A partir de agora, a gestão será descentralizada. Ross Brawn, campeão do mundo da categoria como diretor técnico de equipes como McLaren, Mercedes e Ferrari, assume a parte esportiva.

Moderno: o britânico abriu mercados em regiões como os Emirados Árabes. Na foto, o circuito de Abu Dhabi
Moderno: o britânico abriu mercados em regiões como os Emirados Árabes. Na foto, o circuito de Abu Dhabi (Crédito:AFP)

Sean Bratches, um dos responsáveis por transformar o canal ESPN numa potência, ficará com a parte comercial. O primeiro desafio do trio será digitalizar a Fórmula 1. Uma das críticas à Ecclestone é que ele não explorava as redes sociais para focar apenas nos contratos com emissoras de televisão, que pagavam US$ 50 milhões, cada uma, pelas transmissões. O resultado da estratégia pode ser visto nos números. Enquanto a Fórmula 1 possui cerca de cinco milhões de usuários conectados às suas principais redes, a americana Nascar chega a oito milhões.

“Os fãs querem estar mais próximos dos eventos e as redes sociais permitem isso”, diz Pedro Daniel, responsável pela área de esporte da BDO Brazil. Outra solução a ser buscada é para a falta de competitividade na categoria. Nos últimos anos, foi comum ver uma equipe dominando as corridas por toda a temporada. “A Liberty também terá que desvincular a F1 de Ecclestone”, diz Daniel, da BDO Brazil. “É um desafio similar ao que a Apple teve com a morte de Steve Jobs.”