Para encarar um mercado praticamente todo dominado por potências como Apple e Google é preciso ter uma visão bem apurada sobre as brechas a serem exploradas. Também é fundamental ter coragem, pois não é bom sinal ninguém ter encarado essas lacunas. Com foco panorâmico e boa dose de audácia, a brasileira Bemobi entrou no mercado de distribuição de apps, games e serviços digitais para o mercado de nações emergentes e tem conseguido sucesso. Hoje considerada a ‘Netflix dos aplicativos e jogos mobile’, com mais de 60 milhões de clientes ao redor do mundo, entra em um novo ciclo após 11 anos de sua criação. Fez seu IPO no início de 2021. E que IPO: angariou R$ 1,09 bilhão.

Com o dinheiro, realizou duas aquisições em agosto e mudou a principal linha de negócio, agora mais focada em microfinanças, como recargas, adiantamentos e pagamentos digitais. Essa parte da empresa representava 15% da receita e agora é a principal fonte, com 45%. Ultrapassou as assinaturas de apps e games, que antes era responsável por 70% das vendas (segundo trimestre deste ano) e agora está na casa dos 40%. A outra linha de negócio é a Plataforma de Serviços (PaaS). “Os desafios mudam, nunca ficam mais fáceis. Estamos na nossa fase 2.0”, disse Pedro Ripper, CEO da Bemobi, que atua em 41 países e tem parceria com 76 operadoras de telefonia.

Para falar do início da Bemobi, é preciso voltar a 2001. Naquele ano foi criada a M4U – guarde bem esse nome – que atuava em duas frentes: meios de pagamentos digital e outros serviços não relacionados a voz, como oferta de ringtones via SMS. Em 2009, a parte da empresa de transações financeiras foi comprada pela Cielo. O ‘patinho feio’ permaneceu e deu origem à Bemobi. Mas foi necessário reformular o modelo. Com o crescimento das redes 3G e a entrada dos smartphones no Brasil, aqueles serviços digitais viraram aplicativos e foram parar nas grandes app stores. Os celulares estavam sendo espalhados pelo mundo, porém a monetização de apps e games estava restrita a países desenvolvidos. “Criou-se o mito de que pessoas de baixa renda não pagavam por serviços adicionais”, afirmou Ripper.

FAMA Bimobi ficou conhecida como a Netflix dos games ao empacotar vários apps e vender assinauturas. (Crédito:Divulgação)

Na realidade, isso ocorria principalmente por dois motivos: os meios de pagamento, pois as app stores só aceitavam cartão de crédito em sua maioria internacional; e o preço, definido de forma global, inacessível para a grande massa das classes C e D de países em desenvolvimento. Diante disso, foi desenhado o modelo de negócio da Bemobi 1.0. A empresa pegou os melhores apps e jogos comercializados no Google Play e na Apple Store, empacotou centenas deles para uso ilimitado, colocou preço adequado e disponibilizou pagamento por meio de crédito dos telefones pré-pagos das operadoras. Gol. Para ganhar escala, internacionalizou-se. Golaço.

NOVA FASE A partir de 2017, a companhia observou uma nova oportunidade. Os milhões de clientes pré-pagos das operadoras de telefonia haviam cortado abruptamente sua internet e suas ligações telefônicas quando o saldo esgotava. A Bemobi, então, propôs às empresas de telecomunicações monitorar o consumo dos clientes em tempo real. Quando estava perto de acabar, enviava mensagem avisando e, como incremento, dizia que poderia continuar a usar os serviços, que seriam cobrados em uma próxima recarga. “Antecipamos a recarga e subvertemos o modelo”, afirmou Pedro Ripper. A plataforma da Bemobi tornou-se muito sofisticada para apenas vender assinaturas de apps e games. E passou a intermediar outras transações, em sistema B2B2C.

Com a evolução do negócio, foi preciso dar mais um passo importante. Abriu capital na bolsa no início de 2021 e, agora capitalizada, foi às compras. Adquiriu duas empresas no mês passado. Uma delas é a chilena Tiaxa. A outra foi a M4U. Lembra dela? Foi readquirida junto à Cielo. Ambas especializadas em pagamentos digitais. Com isso, a Bemobi vira a chavinha para sua versão 2.0 e acelera na linha de negócio de microfinanças, para incrementar o faturamento, que foi de R$ 62 milhões no segundo trimestre, com R$ 18 milhões de lucro líquido.