Quando comecei no mundo de Baco, quase duas décadas atrás, um dos meus sonhos era provar os vinhos na salinha de cima do restaurante A Figueira Rubaiyat. Com acesso por uma escada escondida atrás da adega, ali era o lugar de Belarmino Iglesias, o Belarmino Pai, falecido na madrugada de 30 de maio, em São Paulo, aos 85 anos. Da sala com vista privilegiada para a enorme árvore que dá nome à casa, Belarmino bebia com os amigos grandes rótulos, especialmente espanhóis – ao longo do tempo, ele construiu uma relação próxima com a bodega Vega Sicilia – e bordaleses, principalmente.

Sim, este galego que quando menino pobre cruzou o Atlântico no sonho de uma vida melhor, adquiriu ao longo dos anos também um gosto pelos vinhos (por mais que sua história tenha sido escrita pela qualidade da carne e pelo serviço atencioso em seus restaurantes). Sabia apreciá-lo, a ponto de a família Iglesias ter seu próprio vinhedo na Galícia. Acho que Belarmino estava presente quando provei o meu primeiro Vega Sicília Único – o mítico tinto espanhol. Foi no Rubaiyat, mas na unidade da alameda Santos, no final de uma palestra minha sobre como administrar adegas.

Lembro bem de uma vez em que cheguei à Figueira para um almoço e Belarmino me chamou de lado. Naquele ano, eu tinha sido jurada de restaurantes da Veja São Paulo e não tinha votado na casa dele em uma das categorias. Ele queria conversar sobre a critica de restaurantes. E conversamos bastante, discutimos critérios, trocamos ideias. Lembro que no final, eu lhe disse que além dos argumentos técnicos, o restaurante tem de me emocionar. Ele gostou deste ponto de vista, como me contou anos mais tarde. E passamos a nutrir uma simpatia mútua e, da minha parte, também uma admiração pela sua história empreendedora.

Tanto que dois ou três anos atrás, fui a uma degustação no Figueira, marcada nesta sala. Subi incomodada, como se eu tivesse invadindo um espaço que tem dono, mas que ele não estará lá – desde que sofreu um AVC, em 2012, era dificil encontrar Belarmino nos restaurantes. Mas nas paredes, em quadros, estão algumas das garrafas ali abertas. Os grandes vinhos de Bordeaux são o destaque, de degustações que devem ter sido inesquecíveis para quem as provou.

Atualmente esse espaço, agora chamado de sala vip é usada pelo Figueira em seus eventos – a prova vertical de Anamaria Clementi, o grande franciacorta da Ca’ del Bosco, foi lá, por exemplo, no início de maio. Sinal dos tempos: com a doença do pai, os filhos acabaram vendendo os restaurantes para o grupo espanhol Mercapital, que colocou em prática o plano de expansão – hoje há cinco unidades no Brasil e também restaurantes na Cidade do México, em Madri e em Santiago –, e a sala virou mais um espaço da Figueira.

Bem doente, Belarmino pai soube que seu filho Belarmino havia recomprado o restaurante na virada deste ano. Ficou contente. Só não teve tempo de brindar este feito. Então, brindamos por ele, que agora descansa em paz na pequena Rosende, sua terra natal.