Tudo bem que a série de eventos foi inédita em um século. Uma pandemia global junto de uma guerra na Europa. E a resposta dos governos pelo mundo acabou seguindo o mesmo repertório: expansão monetária inédita seguida de rompimento na cadeia de suprimentos num mundo até aqui globalizado. Dinheiro demais, oferta de menos é igual a inflação crescente. Também foi igual a resposta dos bancos centrais: aumentar os juros. Hoje, o cenário é mais de estagflação. E a pergunta que tem sido feita nos fóruns dos principais economistas é igualmente a mesma. Os BCs falharam? Seja no tamanho na dose ou no tempo de resposta? Para muitos e dos mais renomados especialistas a resposta é cada vez mais sim. Vale para Jerome Powell (Fed), vale para Christine Lagarde (BCE), vale para Roberto Campos Neto.

No caso brasileiro, um combo extra colocou maior complexidade às decisões do BC: um país de inflação e desemprego na casa dos dois dígitos, um crescimento que patina abaixo de 1% e o descontrole fiscal. DINHEIRO ouviu Alessandra Ribeiro, sócia-diretora da Tendências Consultoria, João Luiz Mascolo, dono da Macro Consultoria e professor no Insper, e VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios e cofundador da plataforma EducPay. A eles foram feitas as três perguntas a seguir.

1. O BC brasileiro erra na dose dos juros?
Alessandra Ribeiro – A política monetária estava muito expansionista e o BC começou a reduzir estímulos e meses depois se tornar mais contracionista, em setembro, outubro, de 2021. Por nossos modelos, o efeito vem em seis a nove meses. Então, eles devem começar a partir de agora. O BC errou? É preciso colocar isso num contexto. Porque todos os BCs erraram muito no diagnóstico em relação à inflação.

João Mascolo – A inflação tem perante a sociedade um só responsável, que é o BC. Mas tem várias causas, além da política monetária. Política fiscal também é. E num ano de eleição, como agora, quando a política fiscal é anda mais frouxa, você está colocando todo o esforço de conter a demanda em cima do setor privado. E há um segundo ponto. Quando a política fiscal está muito fora de controle, o risco país fica maior e há fuga de capital, levando à desvalorização da moeda, e a mais inflação. Ainda há o cenário externo jogando contra. Já que o BC sabe disso tudo, exigiria que ele fosse muito mais firme na política de juro. O que percebo é que o BC tem uma ansiedade para encerrar logo o ciclo de alta. É preciso um soco na mesa por parte do BC.

VanDyck Silveira – O mercado já assimilou os reajustes graduais de juros do BC e o efeito deles se dissipa. Ao contrário do que aconteceria com uma tacada violenta. Com isso, os agentes de mercado já se antecipam a esses aumentos de 0,5, de 0,75, de 1,0 e não temos um elemento de surpresa que faça com que essas expectativas futuras de inflação mudem. Elas apenas atenuam um pouco a inflação. O gradualismo exige doses pequenas e por muito mais tempo e impacto no crescimento do país e demora mais para um efeito mais agressivo na inflação, um efeito à moda Paul Volcker [ex-presidente do Fed], que em 1981 jogou o juro americano para casa de 20% controlar a inflação.

2. Chegaremos ao centro da meta em 2023?
Alessandra Ribeiro – Os últimos dados de inflação vieram, sim, mais fortes do que o mercado estava imaginando. Vem a surpresa e você incorpora a surpresa e joga a projeção [de inflação] para cima. Também vejo uma reavaliação do cenário por causa do petróleo. Para chegar no centro da meta parece muito difícil em 2023. Vamos partir de um nível em 2022 muito mais alto do que se imaginava meses atrás.

João Mascolo – Vou responder a partir da Ata [divulgada dia 21] da última reunião do Copom [14 e 15 de junho]. Eles usam uma linguagem muito sutil e soltam a previsão para 2024, o que não tinham feito até então. E colocaram lá 2,70% para 2024, sendo que a meta é 3%. Está em cima. Mas para 2023, colocaram na Ata 4% como previsão. Se você falar com as casas mais importantes do mercado, todas dizem entre 4,5% e 5%. E se olhar para a inflação implícita, da Anbima, embutida nos títulos, e eu prefiro olhar para ela, temos acima de 6%. Então se você lembrar que o ponto médio para a meta em 2023 é de 3,25%, temos um problema, porque eles estão dizendo assim: ‘A inflação será 4%, que é ao redor da meta de 3,25%, e estará ao redor da meta’. Esta expressão ‘ao redor da meta’ para mim é novidade. Ao redor é largo, né? Quanto você dá de tolerância para dizer que está ao redor?

VanDyck Silveira – Se dermos uma pancada muito forte na taxa de juros o crescimento num primeiro momento ficará baixo. Mas já estamos em números baixos há 40 anos. A taxa de crescimento anualizada em quatro décadas é inferior a 1,5%. Entre deixar de crescer e domar a inflação, que é o maior inimigo da população, minha escolha como economista é domar a inflação a qualquer custo. Mesmo que provocasse recessão. Seria uma recessão leve e não longa. Porque a inflação empurra as pessoas de menor poder aquisitivo para a pobreza. Com uma paulada na taxa de juros a gente poderia chegar à meta, mesmo que não chegasse ao centro da meta.

3. Parece assimilado que 2023 será um ano difícil. E como se projeta o médio prazo?
Alessandra Ribeiro – Não é só política monetária, e entregar uma inflação mais baixa. Tem todo esse lado fiscal que atua contra o BC. Tem o BC tentando esfriar a economia e controlar a inflação e do outro lado tem a junção Executivo-Legislativo fazendo várias coisas que sustentam a demanda. E há uma panela de pressão prestes a explodir que vai ser decisiva nesta resposta: o reajuste do funcionalismo público. Se não estourar agora, estoura em 2023. E dependendo da forma como for feito vai comprometer de vez ou não o cenário [2024-2026]. Vai ser feito dentro de um arcabouço fiscal, de forma responsável, ou não? O nosso cenário básico prevê que haverá uma mudança na regra do teto. Não sabemos qual será ela, mas significará incremento dos gastos federais.

João Mascolo – Vejo um problema ainda maior em relação a não ter a inflação sob controle. Houve uma longa luta pela independência do BC [lei aprovada em fevereiro de 2021 e validadada em agosto pelo STF]. Tenho medo de que apareça alguém levantando essa bandeira, dizendo algo como ‘vem cá, vocês brigaram tanto pela independência e não conseguiram chegar na meta em 2021, 2022 e 2023…’ E, se bobear, também em 2024 talvez não consiga. Aí vão querer rediscutir a independência do BC.

VanDyck Silveira – Esse é um ponto que venho tocando há muito tempo. A partir do momento em que os bancos centrais mais importantes do mundo (americano, europeu, inglês, suíço e japonês) aumentassem os juros ou deixassem neutro a gente teria um descalabro da nossa ‘nave Brasil’ e viria um problema muito sério. Haverá fuga de capitais o que vai esvaziar a Bolsa e também levar a uma nova desvalorização do real para mais próximo de R$ 5,60. Como vejo o mundo mantendo essas taxas por um tempo maior, isso impactará aqui. Teremos por aqui taxas elevadas pelos próximos quatro anos. E inflação acima do que gostaríamos de ter.