Bancos centrais ao redor do mundo possuem a missão de tomar medidas preventivas e até duras (aumento de juros) e se anteciparem aos cenários de bonança e de recessão. Por aqui, não é muito diferente. No último dia 20 de fevereiro, o Banco Central do Brasil (BC) abriu o cofre e liberou R$ 135 bilhões que estavam guardados em depósitos compulsórios (obrigatórios) às instituições financeiras. Em coletiva de imprensa realizada na mesma data em Brasília, Bruno Serra, diretor de política monetária do BC, disse aos jornalistas que “as medidas são técnicas” e consistentes com as regras prudenciais recomendadas internacionalmente e para a manutenção da estabilidade financeira no País, apenas mitigando sobreposições entre os instrumentos. Especialistas consultados pela DINHEIRO avaliam que, mesmo sendo considerada técnica, a decisão do BC veio em boa hora, num momento em que a economia global mostra sinais de desaquecimento por causa da epidemia do coronavírus e a recuperação da atividade no Brasil é muito lenta.

Lá fora, bancos centrais da Europa e do Japão também não querem o dinheiro preso em depósitos e até se utilizam de taxas de juros negativas para tentar estimular a atividade econômica. No Brasil, a nova medida adotada empurra R$ 135 bilhões em recursos que estavam parados no cofre do BC para os bancos concederem em crédito. Se esse volume não ficar empoçado nas instituições financeiras, poderá impulsionar um aumento de financiamentos no setor imobiliário e talvez até juros mais baixos em outros empréstimos com garantias. “Em 2008, na crise financeira global, o BC adotou instrumentos de política prudencial, elevando os compulsórios. Mas desde então, o mercado mudou e desde 2015 (com a crise no Brasil) já não fazia tanto sentido manter essas regras mais duras”, diz Fábio de Almeida Braga, sócio da área de direito bancário e financeiro do escritório Demarest.

Na avaliação dele, a atual gestão do presidente Roberto Campos Neto está seguindo com rigor e mais celeridade o pilar competitividade da Agenda BC#. “Se prevê na agenda, uma redução gradual dos compulsórios. Com essa resolução, a expectativa é de oportunidades para o financiamento imobiliário e uma concorrência maior entre os bancos privados. O BC não quer esse dinheiro empoçado”, afirma Braga.

Em comunicado ao mercado, o BC explicou que reduziu a alíquota do recolhimento compulsório dos depósitos a prazo, de 31% para 25%. Ou seja, a partir de 16 de março, quando estiver em vigor, de cada R$ 100 aplicados em CDBs, por exemplo, R$ 25 ficarão guardados no BC.

DETALHES Ao mesmo tempo, a autoridade aumentou a parcela dos recolhimentos compulsórios considerados no Indicador de Liquidez de Curto Prazo (LCR), o que significa uma redução estimada de R$ 86 bilhões na necessidade dos bancos carregarem ativos líquidos de alta qualidade necessários para o cumprimento do LCR. “Em decorrência das duas medidas, o percentual de cada nova captação de depósito que a instituição financeira deve direcionar para o cumprimento desses requisitos regulatórios deve se reduzir em média em 8,5 pontos percentuais”, diz o BC, em nota. O LCR foi adotado pelo Brasil em outubro de 2015. “O LCR determina que as instituições devem manter uma reserva mínima de ativos líquidos para absorverem choques em cenários de estresse de liquidez. Os recolhimentos compulsórios podem, por sua vez, servir como mecanismo de incentivo à redistribuição de liquidez no sistema e de suporte à estabilidade financeira, como ocorreu ao longo da última década”, afirma o BC, no comunicado.

Braga explicou que a principal mudança nessa questão do LCR está relacionada aos tipos de ativos que a autoridade monetária recolhe do mercado. “O BC vai aceitar outros títulos privados de operações de curto prazo, e não só os de alta qualidade como títulos públicos. Isso pode ajudar num movimento virtuoso do mercado de capitais”, diz o sócio do escritório Demarest.

Para Felipe Sichel, estrategista do banco digital Modalmais, as medidas liberam mais recursos para crédito, mas não são exatamente “impactantes” e não devem ser entendidas como ferramentas de política monetária. “Nos depósitos a prazo, volta ao patamar de 25% (como era antes da crise de 2008). É mais um estímulo para a concessão de crédito nas instituições”, afirma. Em outras palavras, os bancos retomam a opção de utilizar esses recursos para dar empréstimos, ou se não encontrarem tomadores ou considerarem arriscado concederem financiamentos, podem, sem muita alternativa de ganhos, aportar esse dinheiro em operações compromissadas no próprio BC, a uma taxa básica de juros (Selic) em atuais 4,25% ao ano. “De forma geral, os consumidores serão beneficiados com uma oferta maior de crédito”, afirma Sichel.

CONCORRÊNCIA MAIOR Mesmo antes da entrada em vigor das medidas do BC, o mercado financeiro já experimenta uma competição mais acirrada na praça. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, lançou uma linha de financiamento imobiliário com taxa fixa, a partir de 8% ao ano. “É positivo, e alguns outros bancos privados devem acompanhar essa iniciativa. Uma vez que se começa a destravar o crédito, outras instituições passam a seguir por esse caminho”, diz Sichel. Dito de outra forma, em breve, muito provavelmente, bancos como Bradesco, Itaú e Santander também devem oferecer linhas com condições semelhantes ao do banco estatal, que se apresenta líder no financiamento à casa própria.

Linhas com garantia: Na avaliaçâo de Fábio de Almeida Braga, do escritório Demarest, as medidas do BC devem impulsionar linhas de crédito com garantia, como o financiamento imobiliário. (Crédito:Divulgação)

Desde a sexta-feira 21, as novas contratações com taxas fixas estão vigentes na Caixa para imóveis residenciais novos e usados, com quota de financiamento de até 80%. “Não estamos mais limitados somente às linhas de crédito imobiliário atualizadas pela TR”, afirma o presidente da Caixa, Pedro Guimarães. “Em 2019 inovamos com a linha de crédito atualizada pelo IPCA e agora, com o lançamento do crédito com taxa fixa, estamos revolucionando o mercado imobiliário no País. É uma nova alternativa para o cliente que busca financiar seu imóvel sabendo quanto vai pagar da primeira à última prestação”, diz Guimarães, em nota divulgada à imprensa.

Sinal positivo: Para Felipe Sichel, estrategista do banco digital Modalmais, a liberaçâo de depósitos compulsórios deve beneficiar os consumidores com oferta de crédito. (Crédito:Divulgação)

Pela média do BC, as demais instituições estão acompanhando a Caixa na redução dos juros para aquisição da casa própria. No financiamento imobiliário às famílias com taxas de mercado, os juros recuaram da média de 8% ao ano em dezembro de 2019 para 7,9% ao ano em janeiro de 2020. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) sempre respondeu que um dos motivos para os spreads bancários serem mais altos no Brasil era a alta exigência de depósitos compulsórios praticada no País. Talvez, a partir da entrada em vigor da redução desses depósitos obrigatórios, os bancos tenham mais espaço para reduzir os spreads.

SPREADS ALTOS Mas até o momento, mesmo com a redução do custo
de captação de recursos, que acompanha a baixa da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 4,25% ao ano, os juros na ponta continuam elevados. O boletim de crédito do Banco Central relativo a janeiro de 2020 e divulgado na última quinta-feira 27 de fevereiro mostrou que os spreads bancários – a diferença do custo de captação e os juros na ponta – subiram. De acordo com os dados, a taxa média de juros das operações contratadas em janeiro alcançou 23% ao ano, elevação de 0,4 ponto percentual no mês. No crédito de livre utilização, a taxa média de juros das concessões atingiu 33,7% ao ano, subindo 0,3 ponto percentual em janeiro.

Nos empréstimos às famílias com recursos livres, o BC registrou a queda obrigatória dos juros cobrados no cheque especial, cujo tabelamento máximo de 8% ao mês estabelecido pela Resolução n° 4.765 de 27 de novembro de 2019 entrou em vigor em janeiro. Na modalidade, os juros anuais recuaram de 247,6% em dezembro para 165,6% em janeiro. Ao mesmo tempo, as pessoas físicas passaram a pagar juros mais elevados no rotativo do cartão de crédito, que aumentaram 3,8 pontos percentuais, de 286,2% ao ano em dezembro para 290% em janeiro passado. Na aquisição de veículos, onde os bancos têm a segurança da alienação fiduciária, as taxas que estavam em queda ao longo de 2019, subiram 0,5 ponto percentual em apenas um mês, de 19,2% em dezembro para 19,7% em janeiro.

No crédito livre às empresas, a taxa média das concessões alcançou 17,6% ao ano em janeiro, aumento de 1,3 ponto percentual no mês e redução de 2,8% em 12 meses. A elevação mensal ocorreu em diversas modalidades como desconto de duplicatas e recebíveis com alta de 2,4 pontos percentuais e capital de giro com aumento de 1,8 ponto percentual nas taxas. No desconto de duplicatas, a taxa média passou de 14,8% ao ano em dezembro para 17,2% ao ano em janeiro, e no capital de giro, a média nos juros cobrados avançou de 14,2% para 16% ao ano no mesmo período.

“Não estamos mais limitados somente às linhas de crédito imobiliário atualizadas pela TR.Inovamos com a linha IPCA, e agora, com o credito com taxa fixa” Pedro Guimarães, Presidente da caixa econômica. (Crédito:André Coelho)

Na opinião de Braga, do escritório Demarest, a depender do fortalecimento do pilar competitividade da Agenda BC#, a tendência é de redução dos juros. “A partir de meados de março, todos esses recursos do compulsório vão estar na praça”, afirma.

RISCO FISCAL Da parte do governo, ao menos nos números das contas públicas, parece que o risco fiscal de curto prazo não deve interferir nas expectativas que apontam a Selic em patamares baixos até 2022. Conforme adiantado pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o superávit primário registrado em janeiro de 2020 foi “espetacular”, e o maior para o mês em 24 anos, da série histórica.

Segundo o Resultado do Tesouro Nacional divulgado na última quinta-feira 27, o superávit primário foi de R$ 44,1 bilhões em janeiro de 2020, frente a superávit de R$ 30 bilhões em janeiro de 2019 em valores nominais, ou R$ 31,3 bilhões em valores reais, já calculado a variação da inflação no período de 12 meses.

De acordo com a apresentação dos dados pelo Tesouro, o resultado primário do Governo Central acumulado em 12 meses até janeiro de 2020 foi de déficit de R$ 83,7 bilhões, equivalente a 1,11% do PIB. A meta de resultado primário do Governo Central para 2020 é déficit de R$ 124,1 bilhões, equivalente a 1,7% do PIB.

As despesas discricionárias atingiram R$ 132,7 bilhões no período de 12 meses encerrado em dezembro de 2020, o mesmo nível de fevereiro de 2010, em termos reais.