No processo de se reinventar para sobreviver em tempos de pandemia do coronavírus, bares e restaurantes se apegaram aos serviços de entrega em casa (delivery), mas muitos foram além e criaram ações e produtos para se diferenciarem enquanto estão de portas fechadas à espera de uma retomada.

Garrafas especiais para drinks, “rodízio” de pizzas para delivery, comidas de chefs famosos em marmitas, drive thru na fábrica para venda de bebidas estão entre as novidades introduzidas no setor que, desde o início da quarentena, em meados de março, perdeu cerca de 200 mil estabelecimentos em todo o País, segundo cálculos da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

Com 30 anos de atuação na capital paulista, a Pizzaria Villa Roma não tinha ainda operado com delivery. Na unidade do bairro Jardins atendia entre 150 e 180 clientes aos finais de semana, número que chegava a 200 pessoas às quartas-feiras, dia de rodízio. Na filial do Tatuapé os finais de semana eram ainda mais movimentados, chegando a 260 pessoas, informa o sócio Gabriel Pinheiro.

Sem alternativas, ele teve de recorrer às entregas em casa mas, e diante da concorrência que já havia no segmento pensou em formas de se diferenciar.

Primeiro, encomendou embalagens que permitem que o vapor saia mais rapidamente da caixa, mantendo a pizza crocante mesmo que tenha de ser reaquecida, e passou a enviar sachês com álcool gel aos clientes.

O delivery passou a representar 20% do faturamento que tinha antes do surto da covid-19. Após ouvir de vários fregueses que sentiam saudades do rodízio porque podiam provar vários sabores, ele criou, no mês passado, a “pizza rodízio”, com quatro recheios diferentes. A opção passou a ser o carro-chefe da Villa Roma.

Dos 32 funcionários, 22 estão com contratos suspensos, conforme prevê a MP 936. “A suspensão vence no meio do mês e espero que a medida seja prorrogada”, afirma Pinheiro, que tentou obter crédito em várias instituições financeiras mas não conseguiu. A abertura de uma terceira pizzaria, em Fortaleza (CE), que seria administrada pelo sogro foi congelada.

Drinque engarrafado. Apesar de servir petiscos e “comida de bistrô”, o forte do Drosophyla Bar são os coquetéis originais. Criado há 34 anos por Lilian Varella, o bar ocupa há cinco anos um imóvel dos anos 20 tombado pelo patrimônio histórico no centro de São Paulo. Com a pandemia, Lilian precisou aderir ao “universo do delivery para tentar sobreviver”, mas encontrou dificuldades em entregar drinques sem perda de qualidade.

Com ajuda de um grupo de amigos da plataforma Sip Lovers, que criou garrafinhas de 100 mililitros com tampas que mantêm características e sabores das bebidas, Lilian tem conseguido entregar quatro dos seus drinques preparados pela bartender Hannah Jacomme.

As garrafas têm selos com a frase “Fique em casa” e o nome da bebida e do bar. Entregas em até 2 km de distância são feitos em bicicletas pela equipe do Drosophyla. Os mais distantes são por meio de aplicativos.

Dos 16 funcionários, metade está com os contratos suspensos. “Se o governo não mantiver a medida (MP 936) não sei quanto tempo vou conseguir segurar, até porque tentei um empréstimo, mas está difícil conseguir”, afirma Lilian.

A Cervejaria Madalena iniciou a venda por sistema drive thru em sua fábrica de cervejas artesanais em Santo André, no ABC paulista, onde mantinha uma loja própria. Também lançou garrafas plásticas de um e cinco litros, especiais para o transporte de cervejas na venda por delivery.

Sem crédito. Segundo a Abrasel, 15% dos cerca de 6 milhões de trabalhadores do setor em todo o País foram demitidos a partir de março. “Dos empresários do setor, 80% buscaram crédito nos bancos e, destes, 81% tiveram os empréstimos negados”, diz Percival Maricato, presidente da entidade em São Paulo.

Sua preocupação se ampliou após o governo de São Paulo ter colocado bares e restaurantes da capital e de outras grandes cidades na lista de retomada de atividades previstas só para julho. “Estávamos preparados para receber o público, ainda que limitado e precisávamos abrir as portas”, afirma Maricato.

Ele informa que, só no Estado de São Paulo, 20% do setor quebrou. “São cerca de 50 mil estabelecimentos, 100 mil pequenos empreendedores e mais de 300 mil funcionários que perderam seu ganha pão”.

Se o ritmo atual for mantido, ele calcula que, neste mês, fecharão em média 1.650 estabelecimentos por dia e 9,9 mil trabalhadores perderão seus empregos. O delivery ameniza os custos para alguns restaurantes, mas 50% não adotaram o sistema, assim como 80% dos bares.

Pontos tradicionais fecham as portas

Criatividade e delivery não foram suficientes para garantir a sobrevivência até o fim da pandemia e vários estabelecimentos icônicos já fecharam as portas, entre os quais o Itamarati, em funcionamento desde os anos 40 no centro de São Paulo, o Piantella, há 45 anos em Brasília, e o Fellini, criado em 1993 no Rio de Janeiro.

A lista inclui, em São Paulo, casas tradicionais como Pasv, que atendia desde 1970, La Frontera e Cateto. “O crédito não chega, o governo não suspende a cobrança de impostos e a Enel emite contas com base nos três últimos meses de consumo, mas se estamos fechados não estamos consumindo nada”, diz Carlos Augusto Pinto Dias, do Sindicato de Bares, Restaurantes e Similares de São Paulo.

Ícones da gastronomia ‘viajam bem’ de moto em suas marmitas

A irrupção do novo coronavírus não deixou alternativa nem mesmo para ícones da gastronomia no Brasil, que tiveram de adaptar seus pratos exclusivos à marmitas e caixas de papelão.

No Brasil desde 1902, quando Vittorio Fasano chegou da Itália e abriu a Brasserie Paulista, no centro de São Paulo, o grupo que se tornou um dos mais respeitados na culinária de luxo do País estreou no fim de março a entrega de refeições na casa dos clientes.

São oferecidos “pratos clássicos dos restaurantes que viajam bem”, conforme define Mayra Chinellato, diretora de Alimentos e Bebidas do Fasano. O sistema de delivery já era adotado desde o ano passado, mas só na unidade Gero Panini, dedicada a paninis e piadinas, inaugurada no ano passado no bairro do Itaim Bibi.

O grupo, no entanto, mantém o “glamour” em suas embalagens diferenciadas e, apesar de utilizar serviços como iFood e Rappi para pedidos, as entregas são feitas por profissionais próprios que utilizam motos personalizadas. “Temos também o serviço de Take Away (retirada no local) com encomenda de menus especiais em datas comemorativas como o Dia dos Namorados”, diz Mayra.

Segundo ela, os pedidos no Gero Panini aumentaram mais de 50% na pandemia. “No caso do delivery dos restaurantes Gero, em São Paulo e no Rio, como não tínhamos este histórico ficamos surpresos com a boa aceitação dos clientes. Superou nossas expectativas.”

Marmitas. Também estreando no delivery, o Carlota, tradicional restaurante do bairro Higienópolis – onde está desde sua inauguração, há 25 anos -, utiliza embalagens de entrega ao estilo bentô, as marmitas japonesas com várias divisórias.

A chef Carla Pernambuco, dona do bistrô, adaptou o cardápio para o delivery, “pois alguns pratos não viajam bem e assim ajustamos constantemente as receitas, os preparos e técnicas utilizadas”. Ela não usa serviços de aplicativos por considerar as taxas inviáveis.

“Optei por trabalhar com uma equipe própria de entregadores, assim reduzimos riscos e temos mais segurança, pois fornecemos EPIS para todos”. As entregas representam 30% do faturamento do restaurante quando estava aberto ao público. O delivery mudou tudo na rotina de Carla. “É um negócio totalmente diferente do restaurante, é como recomeçar, exige a atenção do início de uma operação.”

Já o chef Marcelo Petrarca, de Brasília, preferiu lançar sete de suas receitas em embalagens para congelados, que são oferecidas por delivery ou para retirada em um dos seus três restaurantes na capital brasileira./ C.S. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.