O balanço brasileiro do banco Barclays e Galícia vai chegar mais limpo ao fim do ano. A pilha de créditos de má qualidade que habitava suas prateleiras, responsável por prejuízos seguidos nos balancetes deste ano, começou a ser espanada para fora de seus demonstrativos já nos resultados de setembro. O banco abriu uma empresa nova no Brasil, a London Asset Securitizadora de Créditos Financeiros, somente para absorver os papagaios pendurados em sua carteira de crédito. A abertura da empresa foi publicada com discrição no Diário Oficial de São Paulo em 4 de agosto. No primeiro mês após a publicação, o balancete do banco controlado pelos ingleses do tradicionalíssimo Barclays apareceu mais leve. Sumiram de uma vez R$ 123 milhões da carteira de crédito do banco, sendo que R$ 95 milhões saíram diretamente do famigerado nível H ? o dos créditos vencidos e com pagamento atrasado em pelo menos 180 dias.

A retirada dos créditos ruins da carteira diminui de imediato as provisões exigidas pelo Banco Central para cobrir o risco de inadimplência no crédito. Se em junho o Barclays e Galícia tinha R$ 268 milhões separados em seu balanço semestral para cobrir calotes, em setembro, graças à limpeza, o balancete apontava apenas R$ 114 milhões em provisões. O dinheiro liberado das provisões fica disponível para ser aplicado no mercado e voltar a dar resultado para o banco. Há ainda a vantagem fiscal: a Receita Federal não permite que os créditos podres sejam baixados como prejuízos antes que completem dois anos de vencimento. Até lá, o banco fica obrigado a pagar impostos sobre todas as operações em sua carteira, inclusive as atrasadas, como se ainda desse lucro. Vendidos os créditos para a securitizadora, a sangria fiscal é estancada.

 

O Barclays está às voltas com uma reestruturação para se livrar dos problemas em sua carteira de empréstimos desde o fim do ano passado. A desvalorização cambial de janeiro de 1999 deu um aperto nos devedores e obrigou o banco a praticamente dobrar as provisões para perdas, passando de R$ 289 milhões, em dezembro do ano anterior, para R$ 538 milhões doze meses mais tarde. O tombo foi resultado de uma estratégia desastrada que já fez muitas vítimas célebres no mercado financeiro nacional: a de emprestar dinheiro no chamado middle market, o de operações com pequenas e médias empresas.

O grupo inglês, que controla 50% do capital, não gostou do solavanco e fez uma faxina geral no comando da operação brasileira. O presidente Ademar Lins de Albuquerque foi sacado em junho e substituído pelo brasileiríssimo Peter Anderson, ex-Credibanco e Citibank. Anderson trouxe junto com ele dois outros diretores. Sintomaticamente, um deles, John Peter Harper, assumiu justamente a responsabilidade pelas carteiras de crédito. O outro, Paulo Vaz, ficou com a área de gerenciamento de risco.

A criação da empresa securitizadora foi o último passo para a retirada total dos rastros da gestão anterior do balanço do banco. A London Asset tem sede no mesmo prédio, na Avenida Paulista, e tem como diretor Peter Anderson, nomeado por ele próprio. A transferência de créditos classificados como H para a empresa foi o movimento que teve mais impacto para o banco, porque o BC exige que os bancos mantenham em provisão uma quantia exatamente igual ao valor total desses empréstimos. Se saíram do balancete R$ 94 milhões que estavam nessa faixa, saem também R$ 94 milhões das provisões.

 

A intervenção dos ingleses no Barclays e Galícia demonstra a impaciência do grupo, um dos mais tradicionais bancos do mundo, diante dos rumos frouxos dos negócios no Brasil. Dono de três séculos de história e presente em mais de 60 países, o Barclays optou por desembarcar de mansinho, sempre em sociedade. O primeiro acordo foi com o BCN, ainda na época em que este pertencia a Pedro Conde. Quando o banqueiro decidiu se retirar do mercado, uma parte de sua fatia foi passada para o argentino Galícia y Buenos Aires. O grupo portenho ficou com 30%, mas, ocupado com a concorrência estrangeira em seu mercado doméstico, pouco interfere no banco brasileiro. Outros 10% foram para a Nemofeffer, holding da família que controla o grupo Suzano, e o restante para o Esteve Irmãos. Os sócios brasileiros, porém, tratam a participação no banco apenas como um investimento financeiro, e não como um negócio chave para seus grupos. Por esse motivo, não participam da gestão no Barclays e Galícia. Rumores de mercado somam todos esses fatos e dão como quase certo que os ingleses, controladores de fato do banco, comprarão a parte de seus sócios e passarão a ser os únicos donos também de direito. A limpeza radical na carteira de ativos da institui- ção, usual em bancos às vésperas de serem vendidos, pode ser mais um sinal.