Vestido impecavelmente, como um executivo de empresa francesa, Jorge Mattoso tem um jeito de quem se sentiria em casa numa reunião da Febraban ? a federação dos bancos brasileiros. Seu discurso da semana passada poderia reforçar essa impressão. Presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) há seis meses, Mattoso divulgou os resultados do primeiro semestre com o orgulho típico de um executivo financeiro diante de um pacote de bônus milionários. ?Tivemos lucro recorde de R$ 860 milhões?, gabou-se o presidente da CEF. Mas basta Mattoso falar para notar que se está diante de um banqueiro diferente. ?Nossa função é de acicate (incitamento) do sistema financeiro, uma atividade absolutamente revolucionária?, disse Mattoso.

De revolução, Mattoso entende. Na década de 70, foi militante do Partido Operário Comunista, dissidência do PCB que defendia a luta armada. Foi preso em 1970, dentro do Cebrap, um centro de estudos do então sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Levado para os porões da ditadura militar, foi torturado e ficou um ano e meio atrás das grades. Aos 20 anos, embarcou para o exílio no Chile e, de lá, seguiu para a Europa, onde estudou economia. Voltou para o Brasil aos 29 anos de idade e virou professor da Unicamp especializado em questões de trabalho. Hoje, aos 52 anos, tem uma missão única no sistema financeiro: conciliar seu perfil político com o de presidente do terceiro maior banco do País. ?Sou de esquerda e defendo, de maneira absoluta, a democracia?, disse Mattoso. ?Em outras épocas, era de esquerda e não era democrata.?

À frente da CEF, Mattoso tem planos bem diferentes de seus antecessores. Dirigida nos últimos oito anos por executivos indicados pelo PSDB e pelo PFL, a Caixa recebeu em 2001 um socorro bilionário no governo Fernando Henrique. ?Os resultados melhoraram muito graças, principalmente, à rentabilidade dos títulos públicos que ganhou do governo?, disse Erivelto Martins, da consultoria Austin Asis. Na época, discutiu-se muito a possibilidade de privatização. Mattoso não fala nisso. Quer ver a CEF competindo ?mano a mano? com outros bancos. ?A Caixa parou de abrir agências, perdeu mercado e as filas cresceram?, disse. ?Isso vai acabar.?

Como banqueiro, Mattoso anuncia investimentos de R$ 650 milhões em atualização tecnológica e a abertura de 280 agências por ano. Também renegociou contratos e economizou R$ 103 milhões em seis meses. Quer poupar mais R$ 110 milhões até o fim do ano. ?Seremos fortes competidores em cada área do setor financeiro?, afirmou. ?E tenha certeza: não vamos perder dinheiro.? Como homem de esquerda, sua meta é outra. ?Muitos bancos tinham um comportamento arrogante e prepotente com as pessoas de baixa renda?, inflamou-se o banqueiro da CEF. ?Vamos provar que há espaço para bancos com uma postura diferente.?

A primeira medida de apelo social foi o lançamento da Caixa Aqui, uma conta que não exige comprovação de renda. Em três meses, atraiu 500 mil clientes. Seu próximo passo é liberar R$ 100 milhões em empréstimos com juros de 2% ao mês para a nova freguesia. ?Duas décadas sem crescimento geraram uma massa de excluídos, que caíram nas mãos de agiotas e financeiras que cobram juros de 400% ao ano?, disse o banqueiro de esquerda. A Caixa também quer aumentar as verbas de habitação, saneamento e programas sociais, liberadas pelo governo e repassadas pelo banco. ?Por decisão de governo, havia excessiva valorização da área comercial na Caixa e as áreas de desenvolvimento urbano e concessão de benefícios estavam menosprezadas.?

Quem conhece Mattoso diz que é bom levá-lo a sério. ?Ele é um intelectual engajado?, disse o secretário de Trabalho da Prefeitura de São Paulo, Márcio Pochmann, que trabalhou com ele desde a década de 80. ?Quando coloca uma coisa na cabeça, é destemido, leva às últimas conseqüências.? Militante do PT, Mattoso coordenou a parte econômica das campanhas de Lula em 1989, 1994 e 1998. Como tem trânsito internacional, acompanhou o presidente a várias viagens ao exterior. Segundo DINHEIRO apurou, é tão amigo de Lula que o ajudou a superar a crise familiar provocado pelo escândalo da filha Lurian, na campanha de 1989.

Os companheiros de esquerda o elogiam. ?Com o Carrazai
(ex-presidente da CEF) só éramos recebidos até a catraca. Agora há diálogo?, diz João Vaccari, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que também foi cotado para presidir a CEF. Já colegas da Febraban ? que não querem se identificar ? levantam dúvidas sobre sua experiência como banqueiro. Mattoso dá de ombros e diz que não abre mão dos lucros. Apesar do discurso de esquerda, segue a cartilha ortodoxa do ministro Antônio Pallocci e não baixou os juros da CEF ao chão, como queriam membros do governo. ?Vamos provar que dá para conciliar lucros com o papel social?, pregou Mattoso, em mais um acicate típico do banqueiro de esquerda.