Após o primeiro turno das eleições presidenciais no Chile, os especialistas cravavam que a população buscava a renovação na política. A coalizão de esquerda Frente Ampla, formada por grupos que promoveram a revolução estudantil de 2011, ficou perto do segundo turno com Beatriz Sánchez, que recebeu 20,3% dos votos. A tendência era que seus votos, somados ao desejo de mudança, fossem suficientes para o candidato de centro-esquerda, o jornalista Alejandro Guillier, que obteve 22,7% no primeiro turno, derrotasse o ex-presidente Sebástian Piñera, da coalizão de centro-direita Chile Vamos. Mas o bilionário Piñera, que liderou o país de 2010 a 2014, venceu o pleito com 54,6% dos votos, com uma agenda liberal e pró-mercado.

“Recebo essa vitória com humildade e esperança”, disse ele, que também reforçou seu compromisso com o diálogo e os acordos. O resultado agradou os investidores e o índice IPSA, o principal da bolsa de valores de Santiago, alcançou a maior pontuação dos últimos nove anos na segunda-feira 18 de dezembro, dia seguinte às eleições. “O voto em Piñera foi um voto pelo crescimento e pelo desenvolvimento do país”, diz Sebastian Novoa, diretor-executivo da Ecom Energia Chile, braço internacional da empresa brasileira de comercialização de energia elétrica. “Há um desejo meio inconsciente na população de querer que o Chile seja o primeiro país desenvolvido da América Latina.”

SAÍDA À ESQUERDA:
Bachelet deixa o governo com popularidade de 32% ante 80% no primeiro mandato (Crédito:Claudio Reyes)

Durante o primeiro governo Piñera, o Chile chegou a alcançar em um ano crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5%. Nos últimos anos quatro anos, sob o comando de Michelle Bachelet, o PIB não chegou a ultrapassar os 2%. A presidente de centro-esquerda sofreu com a queda do preço do cobre no mercado internacional e as reformas progressistas propostas por ela, que derrubaram a confiança dos consumidores e das empresas durante o seu governo. “Em termos econômicos, o Chile sempre está melhor que seus vizinhos latino-americanos”, diz Lia Valls, economista da Fundação Getúlio Vargas. “Não me preocupa a economia, mas as reformas sociais que não devem mais avançar.”

Embora Piñera tenha se comprometido a resolver as pendências sociais deixadas pelo governo de Bachelet, ele pretende diminuir os impostos das empresas de 27% para até 24% (veja arte). A socialista Bachelet teve de aumentar os tributos para arcar com a proposta de gratuidade no ensino superior. Piñera era contra a reforma no ensino superior, mas mudou o seu discurso no final das eleições. Atualmente, cerca de 300 mil estudantes são beneficiados. A proposta de reforma do ensino, que se encontra no Congresso, é que 70% dos estudantes sejam beneficiados com a gratuidade já em 2018, participação que aumentaria para 100%, em 2020. Mas, para que 1,5 milhão de pessoas, de uma população de 17,8 milhões, não paguem nada para estudar, o país gastará US$ 3,5 bilhões, cerca de 1,5% do PIB. Segundo economistas, levando em conta a expansão da economia, isso só seria viável em 30 anos.

SAUDADE DE QUÊ? Na comemoração pela vitória do candidato de centro-direita no Chile, população ergue o busto do ditador Augusto Pinochet (Crédito:Pablo Vera Lisperguer)

Para conseguir dobrar o crescimento do PIB, o novo presidente terá de resolver um entrave: diversificar uma economia extremamente dependente do cobre e de alimentos, como o salmão. A expectativa é que Piñera promova no Chile os mesmos avanços que Mauricio Macri tem conseguido implementar na Argentina, sobretudo uma maior abertura no mercado internacional. A exportação de minérios, que corresponde a 54% das saídas do país, aumentou 20% de janeiro a novembro deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado em razão do crescimento da demanda global e interna da indústria automobilística – o cobre e o lítio são os principais insumos para as baterias de carros elétricos. “O Chile é o país mais rico nesses dois recursos”, diz Novoa.

Mas o primeiro desafio de Piñera é conseguir aprovar uma reforma da previdência, um problema comum dos países latino americanos. O Brasil adiou a votação no Congresso para fevereiro de 2018, enquanto a Argentina conseguiu aprovar as novas regras (leia à pág. 30). No Chile, o modelo de previdência privada, implementado em 1980 pelo ditador Augusto Pinochet, era considerado o ideal, mas hoje mostra suas falhas. Os chilenos aposentados recebem, em média, R$ 700, valor abaixo do salário mínimo do país, de R$ 1,2 mil. A proposta de Piñera é cobrar uma contribuição de 4% dos empregadores sobre o salário do trabalhador. Os empregados continuariam contribuindo com 10%. “Mas esse percentual ainda é insuficiente para aumentar a renda”, diz Patricia Krause, economista da seguradora de crédito Coface, “Essa é uma questão urgente para o Chile e para outros países da América Latina.”

Com a volta de Piñera à Presidência, o Chile completará 16 anos de alternância entre ele e Bachelet no poder, em 27 anos de eleições diretas. Para um país que buscava a renovação, a resposta está dada: ela pode estar no passado.