Aos 80 anos de idade o banqueiro Aloysio de Andrade Faria exibe um vigor e uma lucidez invejáveis. Como um rapaz de vinte anos, ele dá expediente em horário integral, de segunda a sexta-feira, na sede do banco Alfa, que fundou depois de vender o banco Real aos holandeses do ABN Amro por US$ 3 bilhões ? dos quais US$ 2,1 bilhões pagos à vista. Como acionista majoritário de um grupo que inclui os hotéis e as rádios Transamérica, as lojas de material de construção Conibra e Madeirense e diversas fazendas, ele centraliza todas as decisões, das mais importantes, como a entrada pesada do banco Alfa na área de financeira, até as menores, como a escolha de novos sabores para sua sorveteria, a La Basque ? sorvete é uma de suas paixões.

Com seu estilo mineiro e jeito manso de falar, Aloysio Faria ocupa o posto de segundo homem mais rico do Brasil, segundo a revista Forbes. Sua fortuna chega à casa dos US$ 2,5 bilhões. Mas Faria não deixa transparecer isso em nenhum momento. Cultiva a discrição com fervor e não lembra em nada o estereótipo do banqueiro arrogante e pretensioso. Mais parece um médico de família, imagem não muito distante da realidade. Formado em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-graduado na Northwestern University, de Chicago, ele teve de abandonar a profissão para tocar o banco do pai, Clemente Faria.

Desde que virou banqueiro, comanda um império auxiliado por uma única secretária. Quando não está trabalhando, está na fazenda no interior de São Paulo, onde se dedica a uma de suas grandes paixões, a criação de 150 puros-sangues da raça Árabe ? plantel considerado um dos melhores do País. Sua paixão é tanta que, ocasionalmente, ele abandona a reclusão e vai aos leilões de seus animais. Para não chamar a atenção, porém, mantém-se escondido por trás das cortinas. Avesso a entrevistas, ele diz que não fala com a imprensa porque ninguém está interessado no que ele pensa. ?Já tem gente demais falando sobre economia. Hoje em dia, de economista e louco todo mundo tem um pouco?, diz, bem-humorado. Faria recebeu DINHEIRO na semana passada para uma entrevista exclusiva:

DINHEIRO ? O sr. pensou em se aposentar quando vendeu o banco Real?
FARIA ?
De jeito nenhum. Em nenhum momento cogitei deixar o mercado financeiro. Vendi o braço de varejo, mas mantive o banco de investimentos com o objetivo de continuar na praça.

DINHEIRO ? Mas o sr. tem 80 anos. Muita gente se aposenta com essa idade…
FARIA ?
O banco é um hobby para mim. Estou em uma situação em que faço apenas o que quero fazer. Não preciso trabalhar, mas o trabalho me traz grande prazer. É o desafio que me move.

DINHEIRO ? É pelo desafio que o sr. está ampliando as operações do banco Alfa?
FARIA ?
O Alfa é um banco pequeno, focado. Mas não posso ignorar que precisa crescer para sobreviver. Aliás, não gosto de falar muito nesse assunto. Vamos falar de outra coisa?

DINHEIRO ? O banco Real foi a última grande instituição financeira vendida sem passivos ocultos. Por outro lado, diz-se no mercado que os holandeses pagaram muito caro pelo banco Real (foram US$ 3 bilhões). O que o sr. tem a dizer sobre isso?
FARIA ?
As pessoas acham que os holandeses pagaram caro, é? O banco Real era um banco em pé, sem problemas, todo mundo sabe disso. Gosto muito de ditados e um deles diz que ?o barato sai caro?. Quem pagou barato precisou resolver problemas depois. O pessoal do ABN Amro parece muito satisfeito.

DINHEIRO ? Quais são seus principais interesses hoje em dia?
FARIA ?
Hoje um de meus principais interesses é aprimorar cavalos da raça Pampa. Estou cruzando éguas Pampa com garanhões da raça Árabe e tenho obtido animais mais elegantes, com silhueta mais sinuosa. Divirto-me tentando coisas novas. Todo final de semana vou para a fazenda, converso com o administrador e monto meus cavalos.

DINHEIRO ? O sr. é um dos maiores criadores de gado de leite e cavalos da raça Árabe do País. Atividade rural dá dinheiro?
FARIA ?
Não ganho dinheiro com nenhum desses negócios. Ou ganho muito pouco, não sei. Antigamente, as pessoas conseguiam ficar ricas com atividade rural. Mas hoje é economicamente muito difícil ganhar dinheiro com produtos básicos de qualquer natureza. Mesmo o petróleo, descontada a inflação, vale muito pouco hoje em dia. O futuro está em produtos que agregam valor, que envolvem cérebro, know-how, para que os compradores se disponham a pagar mais.

DINHEIRO ? O grupo Alfa recentemente fez um investimento na Internet. O sr. se interessa por esse segmento?
FARIA ?
Não, quase não uso Internet. Não fico navegando na rede, ela não me desperta nenhum interesse. Gosto mesmo é de ler. É o meu hobby número um. Gosto de biografias, livros de história, romances. Leio vários livros ao mesmo tempo, mas o meu favorito é Grande Sertão, Veredas, uma obra prima. Li e reli várias vezes.

DINHEIRO ? O sr. também gosta de cinema?
FARIA ?
Não vou ao cinema há anos. Só assisto o que passa na televisão, o que não é muito, porque eles ficam reprisando filmes o tempo todo.

DINHEIRO ? Dizem que o sr. criou a La Basque porque gosta muito de sorvetes. É verdade?
FARIA ?
Resolvi criar a La Basque porque não havia bons sorvetes no Brasil, o que eu achava uma lástima. Gosto de sorvete e como regularmente. Investi no negócio e até trouxe um técnico americano que criou nossa fórmula. Nem os Estados Unidos têm um sorvete tão bom como o La Basque. Inspirei-me numa marca americana que não existe mais, chamada Howard Johnson. Eles foram pioneiros em criar 30 sabores de sorvete diferentes. Quando vamos lançar um novo sabor, sempre recebo amostras para experimentar e dou palpites. Mas é claro que a minha opinião não conta. Quem dá a palavra final é o consumidor.

DINHEIRO ? O sr. é médico de formação. Chegou a exercer a profissão?
FARIA ?
Assumi o banco quando meu pai morreu de pneumonia, nos anos 40. Naquela época, já tinha meu próprio consultório e trabalhava como médico há dois anos em Belo Horizonte. Tentei, em vão, trabalhar como médico e banqueiro ao mesmo tempo. Eu era gastroenterologista. Durante seis meses trabalhava em um hospital pela manhã, e à tarde dava expediente no escritório. Mas não deu muito certo. Não pratico mais a medicina. No máximo, dou palpites quando falo com o veterinário do haras.

DINHEIRO ? O sr. se arrepende de ter largado a medicina?
FARIA ?
Acho que, se tivesse trabalhado como médico durante cinco anos, não teria largado a profissão para ser banqueiro. Mas hoje gosto muito do que faço.