Mineiramente, Rafael Menin, um dos co-presidentes da MRV, trabalhou em silêncio durante uma das piores crises da construção civil. Entre 2015 e 2016, enquanto suas concorrentes tentavam, freneticamente, desovar a miríade de apartamentos novos encalhados, a MRV desacelerou. Menin aprimorou a gestão e se dedicou, pessoalmente, a comprar terrenos. Os lotes estavam baratos devido à demanda arrefecida, e Menin fechou bons negócios. “Só agora começamos a lançar os empreendimentos construídos nesses terrenos”, diz. “Nossa meta é elevar as vendas para 50 mil unidades por ano.” Neste ano, ele espera vender 35 mil unidades.

Essa estratégia permitiu à MRV lucrar R$ 202 milhões no terceiro trimestre, avanço de 43% ante o período anterior. Até a terça-feira 14, suas ações haviam subido 21,9%, acima dos 17,6% do Índice Bovespa. Seu valor de mercado atingiu R$ 5,7 bilhões, o mais alto do setor. Há uma boa razão para isso. A MRV constrói apartamentos para clientes de baixa renda. Eles têm crédito da Caixa Econômica Federal, o que reduz a inadimplência. Por isso, as ações da construtora estão entre as preferidas dos analistas.

Rafael Menin, co-presidente da MRV: “Nossa meta é elevar as vendas para 50 mil unidades por ano” (Crédito:Divulgação)

O otimismo do mercado não se limita à empresa mineira. Passada a tempestade, as companhias voltadas para os segmentos residenciais de média e alta renda também retomam gradativamente o fôlego. Um dos principais problemas enfrentados durante a crise foi a contração do crédito por parte dos bancos. Como consequência, o percentual de distratos, a desistência da compra no momento da entrega das chaves, disparou. “Em 2015 e 2016, o distrato chegou a cancelar 50% das entregas do setor”, diz Bruno Mendonça, analista do Santander. Isso abalou os alicerces financeiros dessas companhias. “Em 2017, com um cenário macroeconômico mais favorável, de queda dos juros e retomada do crédito, o setor inicia um novo ciclo”, diz Mario Mariante, analista da Planner Corretora.

O indicador usado pelos analistas para justificar essa afirmação é a comparação entre a dívida e o patrimônio das empresas. Quanto menor esse percentual, menos arriscada é a ação. As sugestões incluem três empresas, além da MRV. A ação considerada mais segura é da EZTec. Ela desfruta de uma situação rara: seu caixa supera sua dívida líquida. No terceiro trimestre, a companhia multiplicou o lucro líquido por seis na comparação anual, para R$ 280,3 milhões. A cifra foi impulsionada pela venda da Torre B do EZ Towers para a Brookfield, por R$ 650 milhões. “Foi a empresa que errou menos na quantidade de lançamentos em 2011, e por isso hoje opera com um baixo nível de estoque. Apesar disso, a ação está valorizada para a entrada neste momento”, diz Mendonça. O papel acumula alta de 45% no ano, negociado a R$ 21,57.

No meio do caminho está a Cyrela. Afetada por uma queda na receita, ela teve um prejuízo de R$ 6,8 milhões no terceiro trimestre. No entanto, a relação entre dívida e patrimônio é considerada baixa: a dívida representa 22,8% do patrimônio. Felipe Martins Silveira, analista da Coinvalores, recomenda o papel. Com alta de 20% no ano, e a R$ 12,30, a cotação está atrativa, diz. O mercado deve ficar atento ao estoque de apartamentos prontos da construtora. Esses imóveis parados têm custo. A construtora tem de pagar IPTU e taxas de condomínio, como qualquer proprietário, o que pode pressionar o resultado da empresa. A Cyrela vale hoje R$ 4,6 bilhões no mercado.

Das três ações recomendadas pelos analistas, a Even é considerada a mais arriscada, algo compensado por seu potencial maior de valorização. A dívida representa 56,7% do patrimônio. “Essa alavancagem maior não chega a ser um problema, pois a empresa tem pagamentos a receber para fazer jus às dívidas”, diz Silveira. No terceiro trimestre, a companhia apresentou prejuízo líquido de R$ 25,6 milhões na comparação anual. O resultado ainda foi afetado pela pelos distratos, que somaram R$ 118 milhões. Entretanto, a receita cresceu 35%, para R$ 488,2 milhões. “A empresa tem um projeto relevante de construir um hotel na Vila Nova Conceição. Acreditamos que esse empreendimento possa reduzir a alavancagem no médio prazo”, diz Silveira. As ações da Even sobem 35% no ano.

Flavio Amaury, presidente do Secovi-SP: sustentabilidade do movimento dependerá da queda dos juros e do desemprego (Crédito:Divulgação)

Na ponta negativa, analistas apontam PDG e Rossi como os piores casos. A PDG chegou a ser a empresa mais valiosa do setor no fim de 2010, quando valia R$ 11 bilhões. Hoje, vale R$ 115 milhões, queda de 98,9%, apesar da alta de 87,4% nas ações desde janeiro (veja gráfico). No ano passado, a Rossi chegou a valer magros R$ 45 milhões. Embora mostre uma recuperação tímida neste ano, analistas olham com desconfiança a alta de 128% das cotações no ano. “As empresas superestimaram a demanda e lançaram muitos imóveis entre 2011 e 2013”, diz Mendonça. “Com a crise, esses lançamentos ficaram encalhados e as companhias passaram a adotar a política de dar descontos para comercializá-los.” Além dos abatimentos, a geração de caixa também foi afetada pela queda dos preços dos imóveis. Descontada a inflação, o preço do metro quadrado caiu de 25% a 30% nos últimos três anos.

Na avaliação de Flavio Amaury, presidente do Secovi-SP, o mercado começa a mostrar uma recuperação neste ano. Porém, se o movimento será sustentável vai depender da continuidade da queda dos juros e de uma redução mais sustentada no desemprego, hoje em 12,6%. “A aprovação da reforma da Previdência é essencial para a estabilidade da economia”, diz.