O aquecimento global e a poluição provocada pelas atividades humanas estão destruindo os oceanos e as áreas congeladas do planeta de uma forma que podem produzir miséria em escala global, alerta um relatório da ONU que será publicado na próxima semana.

Diplomatas e cientistas de 195 países se reúnem em Mônaco a partir desta sexta-feira para validar um sumário executivo de impactos observados e projetados, que vão do desaparecimento das geleiras e ondas de calor marinhas à elevação dos mares e migração forçada em uma escala nunca vista, segundo um esboço do documento, ao qual a AFP teve acesso.

O relatório científico do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) tem 900 páginas e é o quarto volume da ONU em menos de um ano. Outros se concentraram no limite do aquecimento global a 1,5 grau Celsius, na redução da biodiversidade em como gerenciar florestas e o sistema alimentício global.

Todos os quatro concluíram que a humanidade precisa rever a forma como produz, distribui e consome quase tudo para evitar os piores efeitos do aquecimento global e a degradação ambiental.

A enxurrada de más notícias da ciência e um público recém conscientizado exigindo ações decisivas no combate às mudanças climáticas são o pano de fundo para uma cúpula-chave da ONU sobre o clima na segunda-feira para pressionar os países a adotarem metas de redução de carbono mais ambiciosas.

Os compromissos atuais, se forem honrados, verão um aumento na temperatura terrestre de 2ºC com relação aos níveis pré-industriais. Em 2015, o Acordo de Paris sobre o clima pediu uma contenção do aquecimento global “bem abaixo” dos 2ºC, considerando possível limitá-lo a 1,5ºC.

Um único grau a mais na temperatura do planeta já produz uma série de eventos climáticos extremos, como ondas de calor e supertempestades, intensificadas pelo aumento no nível do mar.

Embora os oceanos e as zonas congeladas que constituem a criosfera cubram mais de 80% da superfície do planeta, gasta-se mais dinheiro na exploração da Lua.

O novo relatório do IPCC é, de longe, o panorama mais abrangente feito até agora, e reúne milhares de estudos revistos por pares que detalham não apenas como nós degradamos os mares e as áreas congeladas da Terra, mas contragolpes que a humanidade sofrerá se este declínio não for revertido.

Os oceanos tornam a vida possível e desde meados do século XIX, absorveram mais de 90% do excesso de calor gerado por todos os gases de efeito estufa que a humanidade liberou na atmosfera.

Sem eles, as emissões humanas provavelmente teriam aquecido a superfície do planeta em ao menos 10ºC a mais do que a temperatura atual, segundo um cálculo genérico feito por Katharine Hayhoe, cientista atmosférica e diretora do Centro de Ciência Climática da Texas Tech University.

As geleiras de altitude da Ásia e da América do Sul fornecem água potável e a utilizada na agricultura por cerca de dois bilhões de pessoas, e padrões climáticos estáveis aos quais as populações do hemisfério norte se adaptaram dependem do gelo marinho e de correntes oceânicas profundamente afetados pelas mudanças climáticas.

Neste limiar do século XXI, o degelo das geleiras vão primeiro resultar em abundância, depois em escassez de um recurso caro a bilhões de pessoas que dependem delas para obter água fresca, segundo o rascunho do informe.

Sem reduções profundas nas emissões humanas, de 30% a 99% da superfície do permafrost no hemisfério norte poderia derreter até o final do século, liberando bilhões de toneladas de carbono, acelerando ainda mais o aquecimento global.

Até 2050, muitas das megacidades situadas em terras baixas e países insulares vão experimentar “eventos extremos de elevação dos mares” anualmente, mesmo com os cenários mais otimistas de redução de emissões.

Até 2100, “os danos anuais provocados pelas cheias devem aumentar em duas ou três ordens de grandeza” ou 100 a 1.000 vezes.

Mesmo que o mundo consiga conter o aquecimento global a 2ºC – uma possibilidade remota – as áreas costeiras do mundo sofrerão com uma elevação do nível do mar suficiente para deslocar 250 mil pessoas, adverte o documento.

“As crises migratórias que estamos testemunhando no norte da África e na América Central não serão nada em comparação com as repercussões de uma elevação do nível do mar de 1,2 metro”, declarou à AFP Carlos Fuller, natural de Belize, negociador-chefe da Associação de Pequenos Estados Insulares (AOSIS).

O aumento do nível do mar vai se intensificar rapidamente com a aproximação do século XII, e poderá exceder as taxas de vários centímetros por ano – cem vezes mais do que hoje.

“Se nós aquecermos o planeta em 2ºC, em 2100 estaremos apenas no início de uma viagem em um trem descontrolado de aumento do nível do mar”, complementou Ben Strauss, diretor e cientista-chefe da Climate Central, cuja pesquisa sustenta as conclusões do relatório.

A acidificação perturba a cadeia alimentar básica do oceano, e as ondas de calor marinhas – que se tornaram duas vezes mais frequentes desde os anos 1980 – estão produzindo vastas áreas mortas sem oxigênio.

O alerta final para tomadores de decisão será publicado em 25 de setembro.

Embora a ciência não possa ser modificada, diplomatas e cientistas vão discutir de que forma apresentar as descobertas e o que será deixado de fora.