Filas de BMWs e Volvos pretos e blindados estacionam em frente
ao Copacabana Palace, o mais charmoso hotel do Rio de Janeiro. Senhores de aspecto circunspecto, aparelhados com os inefáveis
óculos escuros e fones de ouvido, plantam-se em frente à portaria e espalham-se pelo lobby. Na cozinha, a agitação febril toma conta de chefs e cozinheiros na montagem
de pratos requintados, preparados de acordo com os preceitos religiosos muçulmanos. A pompa e
o requinte atendem à maior seleção de empresários e executivos árabes que já colocou os pés em território brasileiro em toda a história. Está entre eles, por exemplo, o príncipe Faissal Al-Saud, descendente direto do rei da Arábia Saudita. Sem a mesma
nobreza, mas com estatura semelhante, também desembarca
em solo brasileiro Abdallah S. Jum?ah, presidente da Saudi Aramco,
a maior petroleira do mundo, dona de uma produção de seis milhões de barris por ano.

O motivo para a visita já é suficientemente importante para jogar holofotes sobre a delegação árabe: a participação no 17º Congresso Mundial de Petróleo, que abre as cortinas no domingo 1 e se estende até quinta-feira 5 no Rio de Janeiro. Mas uma série de outros fatores torna o desembarque dessa turma um acontecimento particularmente espetacular neste momento. A qualquer hora, uma guerra de proporções desconhecidas pode estourar no Oriente Médio, com o ataque já anunciado dos Estados Unidos contra o Iraque. Nesse caso, projeções catastrofistas já falam em barril de petróleo sendo vendido a US$ 60, o dobro do valor atual, já considerado um desastre para a economia mundial. Dias atrás, investidores árabes anunciaram que iriam retirar seus investimentos dos Estados Unidos. São nada menos do que US$ 200 bilhões que agora estão à procura de um novo porto para atracar. Some-se a isso a recém-abertura do mercado brasileiro de petróleo, o produto que é a marca registrada do mundo árabe, e se chegará à inevitável conclusão: o Brasil é um candidato seriíssimo a receber uma bolada dessa dinheirama. ?Os olhos árabes estão voltados para a América Latina e o Brasil é um parceiro preferencial?, diz Paulo Atallah, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. ?O que falta é mais aproximação.?

 

O abismo entre o Brasil e o bloco árabe recebe boa contribuição das diferenças de hábitos e comportamentos. Cada vez que uma delegação árabe desembarca no Brasil deixa atrás de si um rastro de histórias folclóricas, formado sobretudo por gastos milionários. Calcula-se que, nos cinco dias do evento, os petrodólares vão irrigar a economia carioca em R$ 30 milhões. O príncipe Faissal, por exemplo, reservou os apartamentos Penthouse, os mais luxuosos do Copacabana Palace. O monarca desembolsará US$ 800 diariamente por apartamento para ter à disposição um ambiente decorado com madeiras nobres, como pau marfim e mogno, e piso de mármore coberto por tapetes orientais, com destaque para o Karachi White Talim do Paquistão. Da banheira, sua excelência terá uma vista única do Oceano Atlântico e de toda a extensão das praias cariocas, enquanto mergulha seu corpo real nas águas perfumadas por sais minerais importados da França para a ocasião.

O príncipe Faissal será minimamente incomodado em sua estadia carioca. Dois seguranças estarão permanentemente postados junto às portas do elevador do sexto andar, onde ficam as suítes. Outra dupla de ?armários? humanos estará de prontidão à porta da suíte. Sua majestade estará acompanhado de um séquito de seguranças. No total são 60 brutamontes de óculos escuros, fora os membros da Polícia Federal disfarçados, escalados para acompanhar a comitiva real. Dias atrás, os organizadores da visita solicitaram (e conseguiram) uma lista restrita de camareiras e garçons que teriam permissão para entrar na área reservada. Um nome foi vetado previamente ? mas ninguém sabe o porquê. Os árabes também demonstraram preferência por funcionárias mulheres ? talvez por serem mais cuidadosas.

Nos passeios pela cidade, o
príncipe terá à disposição três carrões blindados. Mas poderá requisitar qualquer um dos automóveis alugados por sua comitiva. Tudo para despistar possíveis agressores. Até mesmo suítes presidenciais de outros hotéis, além do Copacabana Palace, foram reservadas. A decisão final sobre a hospedagem seria tomada em cima da hora, logo na chegada do príncipe ao aeroporto a bordo de seu jato particular, utilizado para deslocamentos dos súditos reais. ?Não posso nem garantir que o príncipe venha?, despista Fahad Alessa, da Embaixada da Arábia Saudita e responsável pela organização da visita.

Jóias. As sorridentes mocinhas das lojas do Copacabana Palace sequer pensam na possibilidade. A H. Stern, dona de um ponto no hotel, reforçou seu estoque de jóias em 30%. As vitrines foram redesenhadas para abrigar peças mais caras (algo em torno de
R$ 500 mil a R$ 600 mil). Um lugar de destaque foi reservado para esmeraldas e águas marinhas, cujo brilho só se compara com o dos olhos dos árabes quando as vêem. ?Não temos certeza de que as venderemos, mas vai que um príncipe desses se deslumbra…?, torce Cid Rocha, assessor da H. Stern.

O príncipe estará ocupado com as compras e o bem-estar no hotel. Os demais delegados árabes, porém, dedicarão pelo menos parte do tempo aos negócios, e encontrarão um ambiente favorável para isso no País. Os sinais vêm de vários lados. Observe alguns:

? Pela primeira vez, o Brasil registrará superávit no comércio com os países árabes. Estimativas do governo e da Câmara de Comércio apontam para um saldo da ordem de US$ 500 milhões. Em 2000, o déficit foi de US$ 1,4 bilhão

? Já há investimentos vultosos de árabes no Brasil, como é o caso da nova refinaria e complexo petroquímico que será construído no Ceará, negócio concebido pelo megainvestidor Naji Nahas (leia reportagem à pág. 60)

? Em setembro de 2001, o príncipe Abdullah esteve no Brasil e
visitou o presidente Fernando Henrique Cardoso. ?Brasil e Arábia
são países complementares?, disse o príncipe. Com um mapa na
mão, ele sinalizou a rota do desenvolvimento no futuro: começa no Brasil, passa pela África do Sul, sobe para o Golfo e segue em direção à Índia e a China.

? Outra do príncipe: diante de 30 empresários brasileiros, levados ao palácio real de Riad pelo Itamaraty, em janeiro último, ele afirmou que o mundo árabe quer estreitar os laços com o Brasil. Há uma grande movimentação para a formação de joint ventures entre empresas árabes e estrangeiras. Curiosamente, o Brasil conta com um poderoso aliado na empreitada, o milionário saudita Kalil Bin Laden, irmão de Osama, amigo do príncipe Abdullah e cônsul honorário do Brasil em Jedah. Duas construtoras brasileiras já negociam associações no Kuwait: Odebrecht e Andrade Gutierrez.

? O setor de petróleo é uma mina de ouro no campo comercial. A Petrobras busca parceiros no Oriente Médio. O Brasil produz 80% dos equipamentos que a Petrobras utiliza na extração e refino de óleo e pode vendê-los também para as grandes petrolíferas locais

? Durante a visita do secretário-geral do Itamaraty, Osmar Chofi, aos Emirados Árabes, em janeiro deste ano, foi oferecida ao Brasil uma área industrial para a instalação de empresas. ?Queremos que companhias brasileiras se instalem em nosso país, de onde exportarão com até zero de impostos para países como Irã, Índia, Paquistão, e toda a África?, diz o embaixador dos Emirados Árabes no Brasil, Saeed Hamad Aljunaibi. ?Converso com qualquer empresário brasileiro que necessite detalhes. Não tenho problemas em me deslocar de Brasília para tratar de negócios?.

As oportunidades, enfim, existem. ?Os mercados árabes são um dos mais abertos e menos explorados pelo Brasil?, diz Mário Vilalva, diretor-geral do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty e principal organizador das missões de negócios ao exterior. ?Há 22 países árabes ávidos por comprar de nós, mas eles ainda não sabem o que podemos oferecer. Continuam nos encarando como nação alegre, que joga futebol e que trata muito bem os imigrantes árabes, mas não sabem que produzimos de alimentos a aviões.?

Da parte dos árabes, as queixas são semelhantes. ?O exportador brasileiro olha apenas para o mercado regional?, diz o embaixador do Kuwait no Brasil, Nasser Al-Sabech. ?Meu trabalho é convencê-lo de que vale a pena vender para o meu país. Pagamos adiantado, mas sei de casos que, com países de outras regiões, exportadores brasileiros levam até seis meses para receber. Não queremos nada em troca, apenas expor produtos brasileiros em nosso mercado.? Há fatos que demonstram a distância abissal entre o Brasil e o bloco árabe. Em oito anos de mandato, o presidente Fernando Henrique viajou o mundo inteiro, mas não pisou em território da região do Golfo. Nem mesmo uma missão ministerial foi organizada. ?Os árabes prezam a relação direta e estratégica?, diz Michel Alaby, diretor da Câmara Árabe. O empresário também aponta medidas que podem ser tomadas pelos empresários. Na zona franca de Jebel Ali, nos Emirados Árabes Unidos, há 2 mil empresas que pagam zero de imposto ? e nenhuma delas é brasileira. Há um enorme espaço a ser ocupado. É questão de conversar.

Com reportagem de Leonardo Attuch e Marco Damiani