A passagem da faixa presidencial para Jair Bolsonaro (PSL) cumpriu a formalidade do rito e abriu os caminhos para que, finalmente, o presidente possa mudar “tudo o que está aí”, como cansou de repetir ao longo de sua campanha. O “casamento” firmado com senadores e deputados, como brincou logo após ser empossado como o 38º presidente da República, na terça-feira 1, veio seguido de um pedido de ajuda ao Congresso para que ele possa combater a corrupção, o crime e a irresponsabilidade econômica. Em seu discurso, Bolsonaro reafirmou ainda que sua política econômica será baseada na livre iniciativa, no respeito pelos contratos e na criação de iniciativas voltadas a garantir que as contas públicas sejam sustentáveis.

A corrida para anunciar as medidas que possam justificar os 58 milhões de votos recebidos começou no primeiro dia útil do ano. Após assumir o cargo de ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni garantiu que todos os novos ministros elaboraram propostas para serem apresentadas ao presidente na quinta-feira 3, num pacote inicial de 50 medidas. No mesmo dia, ao ser empossado como ministro da Economia, Paulo Guedes reafirmou que há no País uma “aliança de conservadores nos princípios e costumes com liberais na economia” e ressaltou que a Previdência é o primeiro e maior desafio a ser enfrentado. “Se bem sucedido, daqui a dois ou três meses, teremos dez anos de crescimento sustentado pela frente”, afirmou. Guedes tem, inclusive, um Plano B. Caso a reforma da Previdência não seja aprovada, promete encaminhar ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição desvinculando as receitas da União.

DESPESAS O choque econômico vem sendo desenhado por Guedes e assessores desde a campanha eleitoral. Na posse, o Ministro da Economia reafirmou a necessidade de o Estado conter despesas. “Não precisa cortar dramaticamente. É não deixar crescer no ritmo que cresciam”, afirmou. O discurso reforçou a visão do novo titular de que a economia de mercados é “a maior engrenagem” para a inclusão social e repetiu a intenção do governo de vender ativos públicos e usar os recursos para abater a dívida pública. Ao todo, são 138 empresas públicas federais a serem analisadas. Apesar de Guedes já ter declarado ser favorável à privatização de todas elas, é dado como certo que a caminhada será mais lenta. O mais rápido movimento neste sentido é o pacote de concessões deixado por Michel Temer. São 12 aeroportos, quatro terminais portuários e um trecho da Ferrovia Norte-Sul, número ainda tímido para as propostas ousadas de Guedes. Ainda assim, se leiloados no primeiro trimestre, poderão injetar R$ 6,4 bilhões na economia do País.

Time reunido: novos ministros têm a missão de entregar ao presidente eleito medidas que dinamizem suas pastas e otimizem os gastos públicos. Expectativa de Bolsonaro é anunciar ao longo de janeiro as principais soluções para os maiores gargalos do País e deixar registrada sua marca de eficiência

Cada integrante da equipe econômica terá uma meta específica. O novo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, deverá reforçar o microcrédito. O secretário de Desestatização e Desmobilização, Salim Mattar, deve “fechar o trem-bala e vender algumas empresas”. Tudo para que, em quatro anos, o País esteja “em uma direção interessante”. A ideia do novo governo é editar, em janeiro, medidas infraconstitucionais (que não exigem mudança na Constituição). Na área de Previdência, haverá uma iniciativa contra fraudes e privilégios que pode resultar numa economia de R$ 17 bilhões a R$ 30 bilhões por ano. “Sem a reforma da Previdência sabemos que nós não sustentaremos o teto de gastos e teremos muita dificuldade de continuar persistindo na estratégia de ajuste gradual”, afirmou Guedes.

Até aqui, as primeiras declarações do novo ministro da Economia estão em linha com o que pensa boa parte do mercado. Os índices financeiros revelaram otimismo com os discursos iniciais. No primeiro pregão do ano, o Ibovespa subiu 3,56%, alcançando o maior patamar da história: 91.012 pontos. O dólar fechou em queda de 1,7%, a R$ 3,80. Para Sergio Goldenstein, sócio e gestor da Mauá Capital, há um consenso de que a reforma da Previdência permitirá a trajetória sustentável do País. “Vai gerar uma dose de otimismo fundamental para a geração de empregos, além de uma série de efeitos secundários positivos para o crescimento”. Os gastos com a Previdência são a maior despesa da União, chegando a R$ 750 bilhões.

Não é pouco. O Brasil fechará 2018 com o quinto ano de déficit. A dívida bruta vem crescendo desde 2014 e deve encerrar 2019 perto de 78% do PIB. A previsão é que a dívida siga em alta até 2023, se aproximando de 80% do PIB. Para estabilizá-la, será preciso uma economia de cerca de R$ 270 bilhões. Cautelosamente otimista, como faz questão de frisar, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, acredita que o País tem as condições favoráveis à retomada e que, pelos sinais emitidos pelo novo governo, serão realizadas as reformas econômicas necessárias. A cautela, segundo ele, vem da volatidade externa e dos resultados da pauta legislativa. “A materialização dos cenários mais otimistas depende da aprovação das reformas, que requerem um tempo de observação para vermos sua tramitação”.Barbosa acredita, no entanto, que é possível ver a dívida pública se estabilizando e iniciando uma trajetória de queda dentro do mandato de Bolsonaro, caso a agenda econômica avance.

O déficit primário estimado para para 2019 é de R$ 94 bilhões, mas pode ficar próximo de zero dependendo do volume de recursos da cessão onerosa (área do pré-sal na Bacia de Santos cedida pelo Governo à Petrobras em troca indireta de ações da estatal), transação que pode gerar até R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Para estimular a economia, a melhor receita é a redução das incertezas macroeconômicas. “Com reformas na agenda da inserção comercial, simplificação tributária e no ambiente de negócios, o País pode voltar a crescer baseado no aumento da produtividade, que é o melhor estímulo que existe”, diz Barbosa.

Agora é com ele: discurso de Guedes reafirma seu posicionamento liberal e agrada mercado em dia de recorde na Bolsa e baixa do dólar

A opinião é compartilhada pelo economista José Roberto Júnior Grilli , CEO do Juncoz Group. Tendo como maior desafio o desequilíbrio das contas públicas, ele acredita ser preciso atacar onde realmente podemos ter resultados para a República. Além da reforma da Previdência, é preciso rever os contratos da União com empresas terceirizadas. “O gasto federal no setor é de cerca de R$ 25 bilhões por ano e o pagamento dos profissionais contratados consome cerca de 20% desse valor”, explica Grilli. Outras frentes de atuação do governo devem ser a abertura comercial e um estímulo à ampliação do investimento. A taxa brasileira está hoje em cerca de 16% do PIB, nível inferior ao de países emergentes da América Latina. “A tendência global é de que, para uma nação conseguir crescer em ritmo acima de 5% ao ano, a taxa de investimento precisa ficar acima de 25% do PIB”, pontua.

INFRAESTRUTURA Os investimentos em infraestrutura são considerados essenciais para tirar o País da estagnação econômica. Segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o Brasil vem investindo muito abaixo do mínimo necessário na reposição do estoque de estradas e pontes: 1,7% do PIB, em 2017, contra uma necessidade de 4,3% do PIB. Para reverter este processo é preciso acelerar as ações que possam atrair recursos privados e recuperar a capacidade de investimento do poder público. Segundo Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib, a realização das reformas tributária e previdenciária abrirão espaço para que o gasto público possa ser direcionado para investimentos, em vez de custeio. “Não há como ser possível fazer o controle dos gastos públicos simplesmente cortando investimentos, estamos comprometendo o desenvolvimento futuro”.

Os maiores gargalos, segundo a associação, estão nas áreas de transporte e logística e saneamento. Para crescer de modo sustentável, um estudo da Abdib revela serem necessários investimentos anuais da ordem de R$ 284,4 bilhões repartidos do seguinte modo: R$ 149 bilhões em transporte e logística; R$ 55,4 bilhões em energia elétrica; R$ 50 bilhões em telecomunicações; e R$ 30 bilhões em saneamento básico. “Este é o volume mínimo necessário por ano, ao longo de dez anos seguidos. Se fosse para adequar a infraestrutura brasileira ao que existe de mais avançado, o montante seria maior do que isso.”

Para Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp, o programa ultraliberal de Guedes pode enfrentar problemas no futuro. “É a fadinha da confiança que pode gerar um ciclo de gastos e consumo em cima do efeito riqueza”, afirma. “Pode acontecer uma bolha de crescimento no primeiro ano, mas, a médio prazo, não vai gerar expansão.” O economista aponta para o risco de o Brasil ser prejudicado pela piora da economia global. “Há uma sinalização de uma deterioração muito significativa já em 2019. Estamos dependendo da situação internacional”. No entanto, se tudo correr bem dentro de casa, o País poderá atenuar os impactos que vêm de fora. Um caminho que Guedes e sua equipe começam a percorrer.