A economia brasileira vai mal. Há 13,1 milhões de brasileiros desempregados, segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD), divulgada na quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados referem-se a julho. O Produto Interno Bruto (PIB) pode registrar a maior queda de sua história neste ano, com estimativas de uma retração de pelo menos 5%. Mesmo assim, o crédito vem apresentando um desempenho mais compatível com o de um período de expansão econômica e emprego farto. Os números não deixam margem a dúvidas. Em agosto, o saldo das operações de crédito do sistema financeiro nacional alcançou R$ 3,7 trilhões. É o maior montante desde que o Banco Central (BC) começou a compilar os dados, em 1968. O total de empréstimos cresceu 1,9% em relação a julho. Em 12 meses, o avanço foi de 12,1%. O crescimento de agosto foi tão forte que fez o BC revisar sua projeção de alta em 2020 para 11,5% ante 2019, acima dos 7,6% anteriores.

Isso é sustentável? Na avaliação dos especialistas, não. O crescimento acelerado dos empréstimos ao longo dos últimos meses deveu-se, em boa parte, ao impacto das medidas governamentais para estimular a economia. Para o economista da Fundação Getulio Vargas Lauro Gonzalez, o saldo dos empréstimos foi turbinado por programas governamentais como o auxílio emergencial concedido durante a pandemia e como o Pronampe, destinado a pequenas e médias empresas. Ele afirmou que, além de suavizar a queda no consumo, esses programas tiveram outro efeito. Eles levaram as instituições financeiras a subestimar o risco de inadimplência, o que as estimulou a emprestar mais. Para se ter idéia, no crédito com recursos livres (em que os juros são pactuados livremente entre a instituição financeira e o mutuário), a carteira de pessoas jurídicas somou R$ 2,18 trilhões em agosto, elevação de 1,9% no mês e de 16,4% na comparação interanual. O saldo de empréstimos com recursos livres para pessoas físicas alcançou R$ 1,04 trilhão, expansão de 2,2% no mês e de 26,9% em 12 meses. “Esse crescimento me parece apenas um suspiro”, disse Gonzalez.

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“Os mercados estão pessimistas com 2021 por causa da discussão fiscal” Rubens Sardenberg, ,da Febraban.

SOLIDEZ FISCAL Para os especialistas, o que torna insustentável o crescimento do crédito é a incerteza com relação ao crescimento da economia no longo prazo, especialmente devido à insegurança na área fiscal. A Febraban, que representa os bancos, avalia que essa pujança tem hora para acabar. “No curto prazo falamos em retomada, mas os mercados estão pessimistas com 2021 por causa da discussão fiscal”, disse o diretor de Economia, Regulação Prudencial e Riscos da entidade, Rubens Sardenberg. Ele e outros especialistas avaliam que o crédito só vai funcionar e crescer de forma sustentável quando houver mudanças no sistema. Por exemplo, a introdução do Open Banking, que promete aumentar a concorrência entre quem concede crédito e reduzir a diferença entre os juros cobrados pelos bancos aos tomadores e pagos por eles aos investidores, o spread bancário. No entanto, isso só será efetivo com mudanças estruturais, como as reformas tributária e administrativa, e a manutenção de uma política fiscal consistente. Sem isso, os especialistas avaliam que são grandes as probabilidades de a retomada dos financiamentos virar uma bolha.

Michael Burt, analista da LCA Consultores, é um pouco mais otimista. Para ele, o avanço nos empréstimos ocorreria em 2020 mesmo que não houvesse pandemia e medidas governamentais para combater seus efeitos. E traça um cenário positivo para 2021 com crescimento do crédito livre para empresas em torno de 13,5%, enquanto o crédito direcionado (quer traz taxa subsidiada) aumentaria 1%. Mas compartilha das preocupações sobre a necessidade de uma retomada econômica para evitar a inadimplência. “Se isso não ocorrer, as pessoas vão consumir menos. O que deve afetar o crédito livre das famílias e das empresas se o ambiente ficar mais recessivo.”