No momento em que o mundo questiona a capacidade do governo brasileiro de honrar a dívida pública de R$ 640 bilhões, o economista Eduardo Guardia está sentado na cadeira do dragão. Secretário do Tesouro Nacional, esse paulistano de 36 anos é o encarregado de dissipar as dúvidas do mercado. ?A dívida é administrável?, diz. ?Quem diz o contrário age de má-fé?.
Em meio ao furacão, Guardia recebeu DINHEIRO na quarta-feira 19, para a seguinte entrevista:

Um superávit primário equivalente a 3,75% do PIB é suficiente para garantir o pagamento da dívida pública?
Sim. A dívida é plenamente administrável. Mesmo considerando hipótese de juros reais na casa de dois dígitos, taxas de câmbio como as observadas nessas últimas semanas e uma projeção de crescimento do PIB perto de 3,5% no longo prazo.

Qual é a premissa básica para fechar a conta?
O País terá de conviver com superávits primários da magnitude atual por um bom tempo. Não será possível diminuir a margem no ano que vem, no próximo ou no outro. Os países que resolveram seus problemas de endividamento mantiveram superávits primários elevados por longos períodos.

As políticas sociais serão sacrificadas para que o governo pague os juros da dívida?
O governo conseguiu uma política de disciplina fiscal ao mesmo tempo em que ampliou gastos na área social. Nós não estamos fazendo política econômica para atender interesse de investidores
ou banqueiros. A estabilidade beneficia especialmente a população de baixa renda. Mas o próprio candidato do governo reconhece que o governo Fernando Henrique deixou a desejar na área social…
O Brasil é um país com enormes carências. As demandas sociais existem e há muito o que fazer. Mas é ilusório dizer que os problemas podem ser resolvidos abandonando a disciplina fiscal. Isso significa recriar distúrbios sociais muito mais sérios.

O governo trabalha com a hipótese de conseguir superávits acima de 3,75%?
Os 3,75% do PIB são um compromisso amparado em projeções para as contas do governos central e regionais. Dependendo do resultado dos governos regionais, o número pode até ser superado. Mas não estamos pensando nisso.

O crescimento da dívida púbica é justificado pelo reconhecimento de dívidas antigas, os ?esqueletos?.
Quanto isso representa do total?
Os chamados passivos contingentes reconhecidos somaram cercam de 10% do PIB. O pagamento dessa dívida está sendo feito por meio de emissão coordenada de títulos. Quem deve tem de honrar as obrigações, não pode fugir disso.

De tempos em tempos, o Tesouro anuncia capitalização de estatais de grande porte, como ocorreu no ano passado com a Caixa Econômica Federal. Até quando a sociedade vai ter de arcar com esses prejuízos?
O saneamento dos bancos públicos federais foi um caso específico. O governo tinha tomado medidas importantes para melhorar a estrutura do sistema financeiro, faltava completar esse trabalho com o programa feito em 2001. Claro que houve um custo para a dívida líquida, da ordem de 1% do PIB. Mas o que importa é que os bancos agora vivem uma situação extremamente sólida.

É terrorismo o que a equipe econômica vem fazendo, ao reafirmar de forma tão insistente a necessidade de comprometimento total do próximo presidente com o modus operandi do atual governo?
Não. É consistência macroeconômica.

O presidente Fernando Henrique está deixando o Brasil de joelhos para seu sucessor, no que diz respeito ao aspecto fiscal?
Discordo em absoluto. A situação das contas primárias é extremamente positiva. O que há é um encurtamento de vencimentos da dívida pública em função de incertezas em relação ao futuro. A dívida é administrável. O próximo presidente não receberá o governo em uma situação de difícil gestão.

Há um esforço deliberado da equipe econômica para deixar o sucessor de FHC com as mãos amarradas?
Não existem amarras para o próximo governo. O que cobramos agora é a apresentação de qual será a política econômica de quem pretende ganhar a eleição.

O mercado não se acalmou com o pacote anunciado há duas semanas. O que deu errado?
As medidas foram entendidas como tomadas na direção e dosagem corretas. Ainda vivemos turbulências, é natural. Os mercados estão em um período de acomodação. Ao longo das próximas semanas é possível que o comportamento continue instável, mas há a percepção de que estamos na direção certa.

O governo está promovendo leilões de títulos e recompra de papéis da dívida externa para favorecer alguns bancos?
Isso é absurdo. As medidas tinham como objetivo reduzir a volatilidade, em especial no mercado de LFTs. Basta olhar os números: os spreads foram reduzidos e estabilizados. Todos os leilões de troca foram feitos de maneira competitiva e as compras, transparentes.

Qual o impacto real dos juros altos e das oscilações do câmbio no crescimento da dívida?
Não é possível mensurar de forma simplista, mas é certo que houve reflexo, uma vez que cerca de 25% da dívida é atrelada ao câmbio.