O maior delírio tributário foi pensado e até anunciado na segunda-feira 29 justamente pela autoridade da área, o secretário da Receita Marcos Cintra. Ainda bem que ele foi desautorizado logo de cara pelo presidente Bolsonaro. Na prática, Cintra sonha em resgatar a famigerada CPMF, um tributo que desde a origem tinha tudo de errado, a começar pela inconstitucionalidade. Configurava uma tributação em cascata. Atingia indiscriminadamente pobres e riscos com a mesma força. Era para ser temporário e foi se arrastando até que o Congresso deu um basta no equívoco. Governos têm esse hábito com impostos. De tanto usar vicia, não consegue viver sem ele e deseja sempre mais.

Cintra errou no conceito e na forma. Quase botou a perder a desejada reforma tributária. A ideia de um imposto que substitua os demais não pode vir na base de taxação sobre todas as operações de pagamento. Configura decerto bitributação. E, na prática, não leva em consideração as varias nuances da sociedade. Cintra almejava uma alíquota em torno de 0,9%, mais de três vezes o 0,25% exercidos lá atrás com a CPMF. Um desatino. Como ficaria, por exemplo, quem é desempregado? E aqueles que não têm direito a Previdência? A pergunta procede porque o formato do estudo em andamento tinha como justificativa diminuir o peso das contribuições de empresas e trabalhadores para bancar o sistema de aposentadorias.

A “CP”, ou Contribuição Previdenciária, como ele classificou, substituiria o que hoje é recolhido pelas empresas para o INSS. Na teoria, nada, nem a economia informal, nem o escambo, muito menos as igrejas, escapariam do novo encargo. Não haveria nem necessidade de fiscalização. Mexeu com dinheiro, participou de alguma maneira da atividade econômica, fez alguma transação, seria pego pela CP. Um piro completo, aberração tributária na veia, que logo, logo, se mostraria como aumento da carga. Uma proposta nesse formato não passará jamais no Congresso. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já alertou que não deixará em hipótese alguma votar algo com essa natureza. Chance zero. Assim, restou a situação constrangedora de desmoralização do xerife.

Cintra, pela enésima vez, foi criticado publicamente. Vem colecionando escorregões. Começou o Governo afrontando e mesmo desrespeitando Bolsonaro (embora no caso se justificasse) ao desmentir a alegação dele de que iria diminuir o Imposto de Renda. Sua situação piorou quando a Receita deixou vazar dados da declaração do ministro do Supremo, Gilmar Mendes. Agora, ele se sai com essa. Vai queimando capital político rapidamente e diversos observadores da cena já apontam sua retirada do posto como iminente. O objetivo de unificação de um balaio de impostos federais é até louvável.

Não há quem não concorde com melhorias do sistema, substituição de tributos caducos ou mesmo diminuição da carga incidente. Mas Cintra está indo bem além disso com o obstinado projeto de taxação. Tem se mostrado um equívoco como elaborador de propostas e controlador da casa do Leão. Teimoso em especial na ideia, já rechaçada inúmeras vezes, de um imposto sobre transações, parece não querer largar o osso. Como explicar que qualquer débito ou crédito vai ter pagamento e que um saque em determinado banco seguido de depósito em outro, do mesmo valor, será tributado em dobro? Impossível aceitar. Cintra é o único a não perceber.

(Nota publicada na Edição 1119 da Revista Dinheiro)