“Não houve conscientização. Pelo contrário”, afirma a pesquisadora Meredith Clark sobre os protestos contra o racismo, tanto nas ruas dos Estados Unidos quanto nas redes sociais, após a morte de George Floyd, asfixiado por um policial.

Graças às plataformas, “as pessoas se sentem incomodadas. Veem o racismo em suas caras, reconhecem-se e reconhecem as vítimas. São afetadas. Mas a sua compreensão continua sendo superficial”, diz Meredith, especialistas em mídias da Universidade da Virgínia.

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Apesar das ações do movimento “Black Lives Matter”, os intelectuais negros americanos apontam os limites das redes sociais. Eles duvidam, por exemplo, que a divulgação de vídeos que mostram a violência policial faça a opinião pública evoluir além de gerar reações viscerais. “É bom que possamos presenciar e acumular provas, mas se você está apenas no choque do momento, não tem tempo de refletir sobre os padrões”, observa a professora da Universidade de Albany Kyra Gaunt.

A história de cidadãos negros mortos em contexto policial se repete. E a raiva gera distúrbios. “Queremos compartilhar vídeos repetidas vezes, porque é tão brutal, mas, ao mesmo tempo, não queremos, porque é traumatizante, e aí isto se torna normal”, reflete a professora.

– ‘Black Twitter’ –

Kyra, uma etnomusicóloga, lembra que, antes, as redes sociais inspiravam um sentimento de liberdade. “Era uma forma de aqueles de nós que nunca haviam tido uma audiência, que se importavam com o que estávamos falando, muitos de nós acadêmicos negros e estudantes negros e ativistas sociais que encontraram seu caminho no Twitter, de termos uma voz pública. É uma forma de liberdade onde eu posso falar o que penso como uma pessoa de ascendência africana e não sentir que tenho que me censurar como quando estou cara a cara e sou a única pessoa negra na sala”, comenta.

Kyra integra o chamado “Black Twitter”, uma comunidade informal nascida no fim da década de 2000. “Eu reconhecia ali a minha humanidade. Reconhecia a experiência marginalizada transmitida pelo nosso tuíte”, lembra.

Dez anos depois, ela deplora a desinformação que “engole a verdade”. Outros não se conformam com as plataformas por que elas não eliminam as barreiras raciais e sociais, e sim as reproduzem.

“O principal problema de plataformas como o Facebook é que ficamos dentro de nossa caixa de ressonância”, alerta a jornalista e escritora Joshunda Sanders. “Se na vida real você não socializa com negros, ou até socializa, mas é improvável que os mesmos te contem suas experiências racistas ou as pequenas agressões que costumam sofrer, então você não sabe a que eles estão expostos”, afirma.

– Negro, militante –

Mas não há alternativa e a militância nas redes sociais tende a se impor de fato. “Estamos em uma posição de constante luta e conflito para sermos vistos como seres humanos, para sermos compreendidos como qualquer um, mas, ao mesmo tempo, temos que continuar com nossas vidas”, assinala Meredith Clark, citando a “dupla consciência” da qual falava o sociólogo americano e ativista dos direitos civis William Edward Burghardt Du Bois.

Segundo Burghardt (1868-1963), os negros vivem com a percepção que os “não-negros” têm deles, além de sua própria percepção de si próprios.

“Viver e ser quem sou e neste corpo é uma forma de ativismo”, reflete Redbone, artista do gênero burlesco. Instalada em San Francisco, mas originária de Minneapolis, ela vacilou antes das manifestações pela morte de George Floyd.

“Eu me questionava sobre o que fazer”, diz, assinalando que, através das redes sociais, uma amiga a encorajou a reagir. Ela lembra que estava concentrada em sua rotina “e não prestava atenção no que havia diante dos meus olhos”.

Como muitos artistas negros, Redbone busca arrecadar dinheiro através do Instagram e mobilizar sua comunidade a empreender ações como enviar cartas a autoridades, lançar petições ou divulgar conteúdos educativos. “Já sou ativista, ao mesmo tempo que produtora, negra e gay, fazendo o que amo. Mas isso não é suficiente.”