Chegar aos 92 anos em pleno vigor e acalentando grandes planos para o futuro não é algo trivial entre as companhias brasileiras. Ainda mais para quem depende de fatores incontroláveis, caso da produção de uvas e vinhos, sujeita às condições climáticas. Pois a história da Cooperativa Vinícola Garibaldi, fundada em 1931 na cidade gaúcha conhecida como a capital do espumante, acaba de ganhar um novo capítulo com a reforma de parte de suas instalações para abrigar um complexo enoturístico que valoriza o produtor ao demonstrar ao público a rotina da lida no campo ao longo das quatro estações do ano. “Muito mais do que uma reforma estrutural do espaço, a requalificação mostra toda nossa profunda conexão com as pessoas, com a uva, com o espumante e o vinho”, afirmou à DINHEIRO o presidente da cooperativa, Oscar Ló.

O conjunto de melhorias nas edificações que resultou na requalificação exigiu investimentos que totalizaram aproximadamente R$ 6 milhões. Segundo a arquiteta Vanja Hertcert, que assina o projeto da obra, a ideia começou a ser gestada ainda em 2019, quando foi identificado um comprometimento da estrutura do prédio que vinha sendo usado como depósito, embora ocupe uma posição privilegiada na cidade. Então, apenas salvar a construção não bastaria. “Havia o desafio de recontar a história da cooperativa, de propor diferentes formas de uso desse espaço para a comunidade e, ainda, agregar experiências diferenciadas para o turista”, afirmou Vanja. Por isso, seu projeto arquitetônico foi acrescido de outra camada, com a colaboração da consultora em enoturismo Ivane Fávero, que criou a conceito do roteiro de visitação. A ideia foi reunir em um só ambiente um ciclo que é impossível de ser obervado simultaneamente na natureza. “O turista que visita a Serra Gaúcha procura conhecer como é um vinhedo, como são elaboradas as bebidas a partir da uva, e como elas podem e devem ser degustadas”, disse Ivane. “Trouxemos a inspiração das quatro estações para contar essa história de forma única no mundo, com um circuito de novas experiências sensoriais carregadas de conhecimento e emoção.”

TRUFAS No roteiro de visitação, intitulado Uma História para Degustar, há equipamentos que foram utilizados na vinícola ao longo de décadas, um telão gigante onde são projetadas imagens de vinhedos em diferentes períodos do ano, quatro salas ambientadas com elementos alusivos às estações — outono, inverno, primavera e verão — além de duas imensas barricas convertidas em espaços para degustação. Quem opta pela experiência Desperte seus Sentidos é convidado a colocar uma venda nos olhos de modo a aguçar as percepções do que irá beber. Feita apenas mediante agendamento, a degustação Taça e Trufa foi pensada para provocar no visitante uma explosão sensorial a partir da combinação dos aromas, sabores e texturas de espumantes, vinhos e bombons recheados. Embora seja o momento mais saboroso da imersão no mundo das bebidas da cooperativa, é apenas parte do que pode ser aprendido ao longo do roteiro apresentado no complexo enoturístico.

Além de conhecer as mudanças do vinhedo em cada fase, os visitantes aprendem sobre os métodos de produção de vinhos e espumantes para que possam compreender melhor as qualidades do que é oferecido na taça — e é aí que os rótulos da Garibaldi merecem atenção. A cooperativa tem acumulado prêmios em importantes concursos internacionais. Seu Moscatel, por exemplo, foi eleito o melhor espumante do Cone Sul pelo Catad’Or World Wine Awards. De acordo com o presidente da Garibaldi, Oscar Ló, a cooperativa tem colocado em prática um movimento para agregar valor aos produtos, com rótulos que conquistem premiações ao redor do mundo e também a preferência do consumidor. “De forma paralela, caminhamos na direção de expandir o papel do enoturismo com experiências que conectem o público com a essência, história e cultura de nossa região — e, claro, com a qualidade de nossos produtos”, afirmou. No Concurso Internacional Vinus 2022, na Argentina, nove rótulos da cooperativa foram premiados, sendo que um deles, o Amaze, conquistou o título de Grande Campeão na categoria vinhos espumantes brancos.

Para o diretor-executivo da vinícola, Alexandre Angonezi, o envolvimento dos associados e dos colaboradores é fundamental nesse processo. “Nossa cooperativa passou de uma produtora de commodities para apresentar ao mercado produtos que valorizam a marca pela qualidade e tecnologia”, disse. O espumante orgânico Astral é reconhecido com o selo Demetria, atribuído apenas a produtos elaborados segundo os preceitos da agricultura biodinâmica.

NOVOS NICHOS O biodinâmico Astral e o tinto Marselan, em edição limitada, que ampliam o portfólio da vinícola já premiada por seus espumantes. (Crédito:Divulgação)

Com a qualidade de seus espumantes já estabelecida pela crítica especializada, a empresa quer agora provar que faz também grandes tintos. A aposta para isso é o rótulo Marselan safra 2020, primeiro vinho da linha Garibaldi VG, até então constituída apenas de espumantes. “Ele tem grande estrutura, alta complexidade aromática e taninos muito macios, com bom potencial de envelhecimento”, afirmou o enólogo-chefe da vinícola, Ricardo Morari. Parte do vinho ficou dez meses em barricas de carvalho, enquanto outra parte permaneceu em tanques de inox. “Não queríamos que a madeira se sobressaísse à fruta. Buscamos extrair das uvas o máximo do potencial que apresentaram, utilizando tecnologias e técnicas de vinificação que nos permitiram obter um vinho concentrado, elegante e intenso”, disse. O vinho foi lançado em edição limitada de apenas 8,7 mil garrafas — quase nada se comparado aos 28 mil quilos de uvas que a cooperativa prevê processar este ano, volume 7% acima da produção do ano passado, quando o faturamento da empresa que engloba 450 cooperados atingiu o recorde de R$ 265 milhões.