Autor de um Projeto de Lei que pretende endurecer as regras da mineração, o deputado João Vítor Xavier bate forte na Vale, protocola pedido para uma CPI do setor e denuncia os riscos de novas tragédias como as de Mariana e de Brumadinho

Em julho do ano passado, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o deputado estadual João Vítor Xavier (PSDB-MG) fez uma dura profecia: “Se não mudarmos a legislação que regulamenta a atividade das mineradoras, outras tragédias, como a de Mariana, vão acontecer”. Pouco mais de 6 meses depois – em 25 de janeiro -, as palavras de Xavier se confirmaram. “Infelizmente, eu estava certo”, diz ele. Naquela ocasião, o deputado tentava aprovar um Projeto de Lei (PL) – estruturado com o Ministério Público Estadual (MPE) de Minas Gerais, Ibama e 52 ONGs – que endureceria as leis que regulamentam a atividade das mineradoras. “Após a tragédia de Mariana (em novembro de 2015), ficou evidente que era preciso mudar a legislação do setor de mineração, principalmente em Minas Gerais, que tem centenas de barragens”, afirma.

O PL, no entanto, não foi aprovado. Dos quatro deputados da Comissão de Minas e Energia que votaram sobre o assunto, apenas Xavier foi a favor. Coincidência ou não, os outros três – Gil Pereira (PP), Tadeu Martins (MDB) e Thiago Cota (MDB) – receberam, eles próprios ou seus partidos, financiamento de mineradoras, inclusive da Vale, na campanha de 2014. Mineiro de Belo Horizonte, Xavier cresceu no município de Caeté, a 40 km da capital, região de forte presença de mineradoras. “Eu vi a transformação danosa que a mineração causa ao meio ambiente”, conta. Aos 36 anos, jornalista, casado e pai de dois filhos, ele fala, a seguir, sobre a catástrofe de Brumadinho, o setor da mineração no Brasil, os erros da Vale e as dificuldades de aprovar leis que não interessam ás grandes empresas.

DINHEIRO – Qual o primeiro pensamento que o senhor teve quando soube do rompimento da barragem de Brumadinho?

XAVIER – Pensei, imediatamente, em toda a tragédia que vivemos em Mariana, apenas 3 anos antes, e no Projeto de Lei (PL) que montamos com o apoio do Ministério Público do Estado, do Ibama e de mais de 52 ONGs ambientais e que tentamos aprovar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas que não passou. Pensei em todo o trabalho que fizemos para montar um PL sólido, consistente, para mudar a forma de atuar das mineradoras e que poderia ter evitado essa catástrofe de Brumadinho.

“Ele (Fábio Schvartsman) tem de responder por Brumadinho. Se é o presidente para receber altos salários, tem de ser responsabilizado pelos erros”Há especulações do mercado de que Fábio Schvartsman, presidente da Vale, receba anualmente cerca de R$ 50 milhões, entre salários e bônus

DINHEIRO – O que esse Projeto de Lei pretendia mudar e como poderia ter evitado o rompimento da barragem de Brumadinho?

XAVIER – A ideia central do PL era, principalmente, endurecer as leis que regem o setor da mineração em Minas. A legislação atual permite, por exemplo, que as mineradoras utilizem o modelo chamado a montante, no qual o rejeito do minério de ferro – ou seja, o lixo do minério – é depositado na barragem, em estado líquido. Esse modelo é muito mais barato do que o modelo a seco, mas também muito menos seguro, mais danoso ao meio ambiente e mais suscetível a acidentes. É por isso que as mineradoras preferem esse tipo de barragem, por priorizarem o lucro, e não a segurança. Era exatamente esse modelo utilizado pela Vale tanto em Mariana quanto em Brumadinho. Nosso PL prevê a proibição do uso de barragens a montante. Além disso, o projeto também propunha prazos e normas mais rigorosos para licenciamento de barragens, caução como garantia para recuperação ambiental em casos de acidentes, proibia a construção de estruturas próximas a áreas de rios e comunidades. Um outro ponto do PL é que ele proibiria a mineradora de continuar trabalhando no rejeito das barragens a montante. É aí que entra o ponto no qual a aprovação do nosso PL poderia ter evitado a tragédia de Brumadinho.

DINHEIRO – Como assim?

XAVIER – Há informações, vindas de moradores da região, de que a Vale estaria mexendo no rejeito da barragem, para utilizar o restante do minério que fica no rejeito, que é uma atividade muito comum nesse tipo de operação. Pelas novas regras colocadas no nosso projeto, esse trabalho de reutilização do rejeito seria proibido. Se a causa do rompimento foi esse suposto uso por parte da Vale do rejeito da barragem de Brumadinho, o PL não teria permitido esse trabalho e, consequentemente, toda essa desgraça nao teria acontecido e as vidas de 300 pessoas teriam sido poupadas. Ano passado, não conseguimos aprovar esse PL. Mas, agora, depois dessa desgraça ocorrida em Brumadinho, vamos recolocar o projeto para votação. Acredito que será aprovado. A sociedade não vai perdoar um deputado que votar contra um trabalho que visa, entre outras coisas, evitar outras tragédias como as de Mariana e de Brumadinho.

DINHEIRO – Na sua avaliação, qual o maior erro da Vale nesse episódio?

XAVIER – O problema da Vale não é apenas em relação a esse episódio. É um problema bem mais complexo, conceitual. Por ser uma das maiores e mais poderosas empresas do mundo, a Vale tem um seríssimo problema: a arrogância. A empresa e seus diretores se acham maiores e melhores do que todo mundo. A Vale não dialoga com ninguém. Num intervalo de pouco mais de 3 anos, essa empresa foi responsável por dois dos maiores desastres ambientais e humanos da história do nosso País. Em Mariana, foram 19 mortos e uma das maiores tragédias ambientais de todos os tempos no planeta. Em Brumadinho, vimos outra desgraça ao meio ambiente e a morte de cerca de 300 pessoas (hoje, oficialmente são 150 mortos e cerca de 180 desaparecidos). Ainda assim, a Vale continua com sua arrogância, na sua postura de superioridade. Se a empresa não mudar suas práticas de compliance e seu modelo de governança, outras tragédias vão acontecer. O Brasil não pode correr esse risco.

DINHEIRO – A Justiça determinou o bloqueio de cerca de R$ 12 bilhões da Vale. O senhor considera essa uma pena suficiente à empresa?

XAVIER– De forma alguma. A Vale não precisa apenas reparar os danos causados às famílias e ao meio ambiente, mas também tem de responder criminalmente por esse crime. Acredito que a empresa deveria, a partir de agora, ser obrigada judicialmente a modificar suas técnicas de exploração mineral. Não só a Vale, mas todas as mineradoras que atual no Brasil. Não adiante apenas mitigar o estrago social e ambiental que foi feito, no caso de Brumadinho. Afinal, não existe solução para uma tragédia que causa a morte de mais de 300 pessoas. Mas penso que as autoridades do nosso País devem obrigar as mineradoras a mudar suas práticas de atuação. As práticas empregadas hoje têm de ser consideradas ilegais. Caso contrário, novas tragédias vão continuar acontecendo. E teremos outras Marianas e outros Brumadinhos.

“A CPI da Mineração não será apenas sobre Brumadinho. Será sobre todo o setor. Não podemos correr o risco de termos outra tragédia na mineração”Em Brumadinho, já foram encontrados mais de 150 corpos. As estimativas são de que o número de mortos seja de mais de 300

DINHEIRO – Após o rompimento de Brumadinho, a Vale divulgou que já tinha um plano de descomissionamento das suas barragens a montante. Segundo a empresa, esse plano é de 2016 e será colocado em prática agora.

XAVIER – Isso reforça o que temos falado, de que a Vale sabe o que precisa ser feito, sabe que o modelo que vem utilizando é insustentável. Todos os estudos apontam para isso. E a Vale insiste no modelo ultrapassado, porque prefere postergar seu plano de modernização. Em nome do lucro máximo, a companhia escolheu continuar flertando com esse tipo de tragédia. Mesmo depois de toda a desgraça que vimos em Mariana. Isso só aumenta a responsabilidade da Vale e de seus diretores em relação a tudo isso. A empresa tem tecnologia e dinheiro para fazer essa mudança. Já poderia ter feito isso em todas as suas operações no Brasil. Mas prefere economizar nos seus processos de modernização e de segurança, para aumentar o lucro, os prêmios aos seus executivos e a distribuição de dividendos aos seus acionistas. Precisamos dar um basta a esse esquema nocivo. Não dá mais para esperar que essa mudança parta das empresas. Isso precisa de uma ação firme do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Precisamos unir forças para mudar essa terrível realidade.

DINHEIRO – Na sua opinião, o presidente da Vale (Fábio Schvartsman) deve ser afastado do cargo, como já tem sido aventado no Governo Federal e dentro da própria empresa?

XAVIER – É bom lembrar que estamos falando do presidente de uma das maiores companhias do mundo. Um dos executivos mais bem remunerados do planeta (há estimativas de que Schvartsman receba cerca de R$ 50 milhões por ano, entre salários e bônus). Certamente, ele tem de responder pelo que aconteceu em Brumadinho. Se ele é o presidente na hora de colher os bônus da posição que ocupa, como altos salários, prêmios e privilégios, ele também precisa ser responsabilizado quando surge o problema. É importantíssimo que se apure a responsabilidade direta dele nessa tragédia. E acho muito difícil, após uma catástrofe tão grande, depois de uma sucessão de erros tão enorme, que o presidente da Vale tenha força e credibilidade para recolocar a empresa no rumo certo. Uma mudança de rota na Vale é fundamental para a empresa sair do lamaçal em que se meteu. E nenhuma empresa muda de rota sem mudar o comandante.

DINHEIRO – Uma pesquisa realizada pelo Instituto Paraná e divulgada esta semana apontou que 65,7% dos brasileiros são a favor de que a Vale perca sua licença de mineração no País e que 52,6% das pessoas defendem a prisão de todos os executivos da empresa. Além disso, quase 25% dos entrevistados querem o afastamento dos diretores da Vale de suas funções. Em que fatias dessa pesquisa o senhor se encaixa?

XAVIER – Não acho que a empresa deva perder sua licença de mineração no Brasil. Isso causaria enormes prejuízos econômicos às cidades nas quais a Vale opera, gerando desemprego e uma crise pesada. Mas engrosso a lista dos quase 25% que querem o afastamento de toda a direção da companhia, inclusive do seu presidente. Sobre as prisões dos responsáveis por esse crime que o mundo todo testemunhou em Brumadinho, sou a favor de que todos, sem exceção, sejam investigados e devidamente punidos.

DINHEIRO – Esta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou a detenção dos dois engenheiros da empresa alemã Tüv Süd e dos três funcionários da Vale que estavam presos, sob suspeita de terem fraudado o laudo que atestou, em setembro do ano passado, a segurança da barragem de Brumadinho. O que o senhor achou dessa decisão do STJ?

XAVIER – Não sou criminalista. Mas de uma coisa eu sei: alguém tem de pagar criminalmente pelo que aconteceu em Brumadinho e também pela tragédia de Mariana. Até hoje, ninguém foi preso pelo caso de Mariana. Em Brumadinho, havia essas cinco pessoas presas, cujas prisões foram revogadas pelo STJ. Sou a favor de que as investigações prossigam e cheguem a todos, do engenheiro que assinou o laudo ao presidente da Vale. Não dá pra punir apenas o técnico. As punições precisam chegar ao alto escalão da Vale. Caso contrário, nada vai mudar.

DINHEIRO – A DINHEIRO publicou, na edição passada, a denúncia de que uma empresa de engenharia (a Nicho) fez, em 2015, uma vistoria em Brumadinho, para a Vale, e apontou problemas em equipamentos fundamentais para a segurança da barragem: o piezômetro e o dreno.

XAVIER – Eu li a matéria e fiquei impressionado. Esse é um dos casos que prescindem de investigação rigorosíssima. Não se sabe o que a Vale fez após receber esse laudo técnico da Nicho. Mas se a empresa não fez nada para resolver esses problemas, isso irá configurar negligência grave. E negligência que causa a morte de 300 mortes, não é apenas negligência. É crime.

DINHEIRO – Esta semana, o senhor e outros deputados protocolaram, na Assembleia Legislativa, um pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito: a CPI da Mineração. Qual a intenção?

XAVIER – Vamos apurar tudo o que causou não apenas a catástrofe de Brumadinho, mas também o caso de Mariana. Em Mariana, por exemplo, tem muita coisa que já poderia e deveria ter sido feita e não foi. Não será uma CPI apenas de Brumadinho. Será uma CPI de todo o setor da mineração em Minas Gerais. Inclusive, com poder de pedir o indiciamento criminal dos envolvidos. Nosso Estado tem mais de 400 barragens. Eu costumo dizer que estamos vivendo sobre 400 bombas que podem explodir a qualquer momento. Faço questão de repetir: não podemos, em hipótese alguma, conviver com o risco de termos outra tragédia causada pela mineração em Minas Gerais ou em qualquer outro Estado do Brasil. Isso precisa acabar.