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FÁBIO NOGUEIRA, DA BM: holding de crédito imobiliário já fez seu registro na CVM

 

O pregão mal havia começado, quando, às 10h04 da quinta-feira 27, o mercado brasileiro de ações atingiu uma marca histórica ? e surpreendente. Naquele instante, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo cravou 60 mil pontos, no quarto dia consecutivo de recordes. Foi como se depois do susto com a crise imobiliária americana, que fez grandes estragos há poucas semanas, a cobiça voltasse a falar mais alto que o medo, na psicologia maníaco-depressiva dos investidores. Essa nova maré de euforia, seja ela racional ou não, traz vários significados para o Brasil. No mercado financeiro, o ?Ibovespa 60 mil? fez com que o valor das empresas nacionais listadas passasse de US$ 1,2 trilhão. Entre os economistas, a exuberância da bolsa reforçou a idéia de que o Brasil estaria se ?descolando? da crise internacional ? tese que também ecoou em jornais internacionais, como o Financial Times. Mais importante ainda foi a corrida que a alta das ações deflagrou dentro das empresas. A percepção geral é que, depois da turbulência, a janela para ofertas públicas de ações foi reaberta ? e, como isso talvez não dure para sempre, ninguém quer perder tempo. Novos pedidos de emissões primárias (os chamados IPOs) foram registrados na Comissão de Valores Mobiliários, para alegria dos investidores estrangeiros, os maiores compradores desses papéis. ?Até o fim do ano, o Brasil poderá ter um ingresso de até US$ 10 bilhões com os novos IPOs?, aponta Octavio de Barros, diretor de pesquisas econômicas do Bradesco. Serão mais R$ 20 bilhões num bolo de emissões que cresceu R$ 41,7 bilhões até agosto e soma quase R$ 95 bilhões desde 2004.

 

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MOEMA R$ 3 BILHÕES seria o valor das usinas de Marcelo Biagi, após um IPO da empresa na bolsa

 

Se a tendência se confirmar, o Brasil não só receberá uma enxurrada de dólares como também terá novas candidatas a estrelas no mercado de capitais. Muitas delas virão de setores emergentes, como petróleo, agronegócio e infra-estrutura, sem falar nas próprias bolsas ? tanto a Bovespa quanto a BM&F já estão em fase adiantada de negociação dos seus IPOs. Se cada bolsa for avaliada em torno de R$ 10 bilhões, como esperam os corretores, elas despejarão no mercado de R$ 2,5 bilhões a R$ 3,5 bilhões em novas ações (leia quadro à página 32). É grande a lista das empresas que aguardam o melhor momento para buscar sócios nas bolsas. Bancos de investimento, como o UBS Pactual e o Credit Suisse, já têm mais de 40 transações engatilhadas e a fila de interessados continua aumentando. ?As operações voltarão com força total?, prevê Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo. ?Depois do corte de juros nos Estados Unidos, o apetite dos investidores em relação aos emergentes disparou.? Nessa corrida, o Brasil está à frente da China, diz Patrick Conroy, diretor do Banco Mundial e ex-executivo de bolsas em Hong Kong, Sydney e Chicago. ?As boas empresas chinesas já foram à bolsa. Os olhos dos investidores estão agora voltados para o Brasil?, afirma.

 

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STARFISH R$ 2 MILHÕES é quanto as empresas de petróleo, como a de Doria, podem vir a captar de forma conjunta

 

Um dos protagonistas desse movimento será o empresário Eike Batista, que

pretende fazer dois lançamentos de ações ainda em 2007. Um deles, o da empresa de mineração e siderurgia MPX, pode criar uma companhia avaliada em US$ 1,5 bilhão. A LLX, braço logístico do grupo, poderia valer outros US$ 700 milhões. Eike também criou a OGX, que irá atuar no ramo de petróleo, e preferiu fazer uma captação privada. Com ela, Eike já tem US$ 500 milhões para entrar na próxima rodada de licitações da Agência Nacional do Petróleo, em novembro. Além da OGX, outras empresas do setor começaram a ser assediadas pelos bancos de investimento. Uma delas é a Starfish, criada por um grupo de engenheiros da Petrobras. ?Com o petróleo a US$ 80, vários projetos de perfuração em terra se tornarão viáveis e muito lucrativos no Brasil?, aponta Rafael Doria, sócio da empresa. Neste momento, a Starfish está decidindo se fará uma oferta públiOutras empresas que estão no mesmo processo são a PetroRecôncavo, que tem o banqueiro Daniel Dantas como acionista, e a Aurizônia. O que se estima no mercado é que tais companhias poderão captar até US$ 1 bilhão para prospectar petróleo no território nacional. ?Enquanto países como Canadá e Estados Unidos têm mais de dois mil poços terrestres em produção, o Brasil não chega a 100 ainda?, diz o empresário André Carvalho, sócio da empresa Ecman, que também busca oportunidades no setor. ?Nós não seremos uma Arábia Saudita, mas podemos chegar perto dos americanos.?

 

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Para os analistas, as ações no Brasil ainda não bateram no teto. Banco Credit Suisse projeta Índice Bovespa a 66 mil pontos até o fim do ano

 

Assim como o petróleo, o agronegócio é um dos setores em ascensão no mercado de capitais. Entre os casos já registrados na Comissão de Valores Mobiliários, constam empresas como Louis Dreyfus Agroenergia, que atua no setor do etanol, a trading Agrenco e o fundo Laep, que controla a Parmalat e pretende financiar um programa de integração da cadeia do leite. Outras companhias também estão chegando. Uma delas é a Usina Moema, que é comandada pelo jovem engenheiro Marcelo Biagi e atua em São Paulo e Minas Gerais. ?Nosso projeto prevê sete usinas e uma produção próxima a 17 milhões de toneladas de cana?, diz ele. Esse volume significa quase meia Cosan ? a maior empresa do setor ? e pode fazer com que a Moema chegue a valer, em bolsa, algo ao redor de R$ 3 bilhões. É esse também o valor que alguns estimam para a Unip, maior grupo educacional do País, caso o empresário João Carlos Di Genio opte por um IPO. Di Genio vem sendo assediado pelos banqueiros, mas ainda não se decidiu porque tem outra carta na manga. Neste ano, ele já recebeu duas propostas de grupos norte-americanos. Um de seus concorrentes, porém, irá à bolsa. É o grupo COC, que tem 220 mil alunos secundários e poderá valer algo em torno de R$ 1,5 bilhão.

Também esperam na fila da bolsa empresas de setores que estão indo de vendo em popa nestes tempos de bonança econômica ? especialmente o financeiro e o de varejo. Nomes como Marítima Seguros, Sul América Seguros, Bicbanco, Banco Fibra, Banco Panamericano, Amil, Marisa e outros já aguardam na fila de registros da CVM. Dentre elas, a Brazilian Finance & Real State, holding de quatro empresas financeiro-imobiliárias ligadas ao Grupo Ourinvest: a Brazilian Mortgages, a Brazilian Capital, a Brazilian Securities e a BM Sua Casa. Comandadas por Fábio de Araújo Nogueira, elas reúnem um patrimônio líquido de R$ 400 milhões e possuem ativos de R$ 800 milhões. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, o setor imobiliário vive um boom sem precedentes, principalmente na área de habitações. Sinal dos tempos: a BM Sua Casa oferece crédito imobiliário e hipotecário com 30 anos de prazo e vários bancos de varejo estenderam suas linhas para 20 a 25 anos.

Do lado das empresas, é natural que todas corram para aproveitar a janela de oportunidade aberta pelo fenômeno ?Ibovespa 60 mil?. Para os investidores, no entanto, o olhar deve ser outro ? e bem mais cauteloso. Embora várias companhias que fizeram IPOs tenham apresentado valorização superior à do Índice Bovespa, muitas outras tiveram um desempenho sofrível. Dos 77 IPOs registrados pela bolsa desde 2004, 45 deles (58%) tiveram valorização inferior ao Ibovespa, sendo que algumas ações são vendidas a preços menores que os do lançamento.

E na comparação de companhias dos mesmos setores, há grandes variações. No mundo dos shopping centers, a BR Malls se saiu bem, mas as ações do grupo Iguatemi despencaram. Nos frigoríficos, o Marfrig subiu, enquanto a JBS, que controla o Friboi, perdeu para o Ibovespa (leia quadros abaixo).

Outra ponderação importante diz respeito ao preço dos ativos no Brasil. Com o Ibovespa acima de 60 mil pontos (na quinta-feira 27, fechou a 61.052), a questão relevante é: as ações bateram ou não no teto? Muitos acham que não.

 

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UNIP R$ 3 BILHÕES seria o valor do grupo de ensino do empresário João Carlos Di Genio

 

O Credit Suisse, por exemplo, projeta um índice a 66 mil pontos no fim do ano. O UBS, por sua vez, divulgou um relatório do estrategista Jeffrey Palma colocando o Brasil no topo da lista dos países emergentes mais atrativos. ?Enquanto a seta dos Estados Unidos é para baixo, a do Brasil ainda é para cima?, avalia o economista Paulo Guedes, que fundou o Pactual e hoje é sócio da Fidúcia, uma gestora com R$ 1 bilhão em fundos. Guedes é um dos que acreditam na tese do decoupling, que significa descolamento, mas diz que o investidor deve apenas estar preparado para momentos de instabilidade. ?Se as ações caírem lá fora, cairão aqui também porque os mercados são sincronizados?, diz ele. ?Mas depois, enquanto o mundo andar de lado, o Brasil irá se recuperar.? O que há por trás disso é uma conjunção extraordinária de indicadores econômicos no Brasil, como as reservas internacionais de US$ 160 bilhões, os investimentos externos diretos em US$ 34 bilhões nos últimos dozes meses e a dívida interna cadente. Isso, sem falar em juros decrescentes, inflação dentro da meta de 4,5% e o crescimento do PIB na faixa dos 5%. ?O mundo provavelmente irá nos ajudar menos a partir de 2008, mas isso não fará muita diferença?, garante o ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

Um poderoso fator de estímulo para que os investidores estrangeiros continuem investindo em ações brasileiras ? eles compraram mais de 70% dos IPOs nos últimos quatro anos ? é a promoção do Brasil ao nível de investimento pelas agências de risco. Nas escalas das poderosas Standard & Poors, Moody?s e Fitch Ratings, o Brasil está a um degrau do investment grade, o que colocaria o País como porto seguro. Faltam menos de US$ 20 bilhões para as reservas internacionais igualarem-se à divida externa bruta, o que eliminaria, na prática, o risco de calote pelo País. Quando isso acontecer, os gigantescos fundos de pensão americanos terão permissão para comprar ações no Brasil. Parte desse movimento já se reflete nas bolsas. ?A elevação do Brasil a investment grade já está no preço?, diz o economista Paulo Leme, da Goldman Sachs. Para ele, a promoção será em questão de meses (leia entrevista à página 18). O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é mais cauteloso e prevê que isso ocorra em até dois anos. Seja como for, a exuberância voltou com toda a força ? o suficiente para que as empresas voltem a sonhar em fazer parte da constelação da bolsa.

 

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VALE A PENA SER SÓCIO DAS BOLSAS?
Tanto a Bovespa como a BM&F irão vender suas ações

Até agora, a Bovespa funcionou como um clube formado por corretoras de valores que negociam nos pregões os papéis das empresas listadas. Este ano, seu volume de negociações alcançou R$ 796 bilhões. A BM&F é a quinta maior bolsa de commodities e mercados futuros do mundo. Em apenas um dia, seus contratos giram mais de R$ 132 bilhões. À primeira vista, são duas empresas saudáveis e lucrativas, e em breve você poderá ser sócio delas. Mas será que vale a pena?

 

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MAGLIANO: ele pode captar até R$ 3,5 bi em 2007

 

Mais de 20 bolsas de valores e commodities já abriram o capital nos últimos anos, a maior parte com bons retornos para os investidores (leia o estudo Demutualization and Corporate Governance of Stock Exchanges, de Reena Aggarwal, da Georgetown University, em http://faculty.msb.edu/aggarwal/). O Brasil chegou atrasado, mas em boa hora. O economista Otto Nogami, do Ibmec- São Paulo, acredita que pode ser uma boa oportunidade. ?As bolsas são empresas que dão lucro e, ao abrirem capital, ganham maior transparência perante o investidor?, explica. A BM&F está avaliada em R$ 10 bilhões, sendo que 10% de suas cotas acabam de ser compradas pela General Atlantic LLC por R$ 1 bilhão. Porém, alguns sócios descontentes protestam contra a divisão do bolo (leia reportagem à página 76). Já o valor da Bovespa, presidida por Raymundo Magliano Filho, está estimado entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. Mas lembre- se: como as demais empresas, elas serão investimentos de risco.