O ano começou animado na bolsa de valores. Os juros baixos levaram muitos brasileiros a mirar a renda variável para buscar ganhos maiores. Isso estimulou várias empresas a abrir capital para não desperdiçar o apetite renovado dos investidores. Ao todo, de janeiro a outubro deste ano, 48 companhias realizaram ofertas públicas iniciais (IPO na sigla em inglês). Foi o maior número desde 2007, quando 67 companhias fizeram soar a campainha no Centro Velho da capital paulista. Em valor financeiro, 2021 já bateu um recorde. Sem considerar a abertura de capital da processadora de pagamentos Getnet, realizada na segunda-feira (18), foram captados R$ 65 bilhões só com ofertas iniciais, o maior número da história. Mesmo o movimento de ofertas subsequentes (“follow-ons”) não deixou a desejar. Foram R$ 61 bilhões, quarto maior movimento da história. No entanto, à instabilidade brasileira pode fazer essa porta se fechar.

A piora significativa do cenário econômico e das intensas turbulências políticas na véspera de um ano eleitoral fez empresas e investidores recuarem. “Até o fim do ano deveremos ter pouquíssimos IPOs por causa do cenário volátil. E essa janela de oportunidades só deve reabrir no segundo semestre de 2022, quando já tivermos mais definições”, afirmou a analista de ações da Nord Research, Danielle Lopes. Segundo ela, o mercado não deve melhorar até o fim de julho do ano que vem. “Geralmente sou otimista, mas dessa vez a situação é muito difícil para os IPOs”, disse.

Danielle não está isolada em sua avaliação. Em um relatório, os analistas Guilherme Paiva, Juan Ayala e Julia Nogueira, do banco de investimentos Morgan Stanley afirmaram que o arrefecimento das operações é mais um sinal do momento desafiador enfrentado pelos investidores. Historicamente, um crescimento nos cancelamentos e adiamentos de ofertas indica um desempenho fraco para o mercado de ações. A extensão da política de aperto monetário, as pressões inflacionárias e o desemprego ainda elevado no país são os principais obstáculos neste momento.

Para Danielle, o investidor ainda estará muito desconfiado de novas empresas até que a situação melhore. Exatamente por isso, que mais da metade das companhias que abriram capital nesse ano operam no negativo. De acordo com um levantamento feito pela Nord Research, novamente sem contar a Getnet, até o dia 14 de outubro apenas 34% das novatas da bolsa proporcionaram lucros aos investidores, ao passo que as demais 66% apresentaram rentabilidade negativa. E entre as empresas que apresentaram alta, apenas 4% obtiveram valorizações superiores a 50%.

CENÁRIO NEBULOSO Essa piora fez candidatos a IPO como as lojas Havan, as redes de restaurantes Madero e de academias Bluefit e a fabricante de roupas Lupo engavetarem seus planos. Já os investidores diversificaram no mercado internacional para reduzir o risco. Para os especialistas, havia otimismo demais, e a crise funcionou como um choque de realidade, que só deve mudar no segundo semestre de 2022.Isso foi um transtorno para as empresas, que gastaram tempo e dinheiro estruturando as aberturas de capital para encontrar um mercado menos receptivo. Isso não quer dizer que a bolsa vai deixar de ser atraente. Enquanto as novatas não se animam, quem já está no pregão deve fazer follow-ons. Setores como saúde, tecnologia e financeiro continuarão atraentes. “Empresas como Banco Inter, Nubank e Locaweb podem optar pelo mercado externo para precificar melhor suas ações.”