Ao descartar a possibilidade de renúncia, em seu discurso na quinta-feira 18, o presidente Michel Temer salientou que estava vivendo a melhor e a pior semana do seu governo. A pior do ponto de vista político e a melhor em termos de desempenho econômico. Na segunda-feira 15, o mercado financeiro havia reduzido a estimativa para o IPCA em 2017 de 4,01% para 3,95%. Como o centro da meta é de 4,5%, ficava nítido o sinal verde para o Comitê de Política Monetária (Copom) cortar ainda mais os juros. No mesmo dia, o Banco Central (BC) decretou o fim da recessão econômica.

O IBC-BR, um indicador antecedente do PIB, calculado pelo próprio BC, registrou a alta de 1,12% no primeiro trimestre, em relação ao período anterior, quebrando uma sequência de oito trimestres recessivos. O dado oficial do PIB, que será divulgado pelo IBGE em 1º de junho, também deve referendar o fim da crise. Na terça-feira 16, a boa notícia foi a geração de quase 60 mil postos de trabalho com carteira assinada em abril, o primeiro saldo positivo para o mês desde 2014. Entre pontes e pinguelas, Temer estava eufórico com os frutos colhidos no primeiro ano de mandato. A delação-bomba da JBS, no entanto, aumentou os seus desafios (leia reportagem aqui)

Natural do município de Tietê, a 150 quilômetros de São Paulo, Michel Temer lembrou-se da infância ao ouvir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificar, no fim do ano passado, o seu governo de pinguela. “Você sabe que eu sou do interior e tinha muita pinguela quando eu era menino”, disse Temer em recente entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes. “A gente atravessava a pinguela e chegava vitorioso lá na frente.”

As concessões de infraestrutura eram apontadas como parte das pontes para o crescimento: o aeroporto de Salvador (foto) foi arrematado em leilão por investidores estrangeiros
As concessões de infraestrutura eram apontadas como parte das pontes para o crescimento: o aeroporto de Salvador (foto) foi arrematado em leilão por investidores estrangeiros (Crédito:Rejane Carneiro/ Ag. A Tarde/ Folhapress)

O termo pinguela significa uma ponte improvisada feita de madeira. Foi utilizado, em dezembro de 2016, por FHC (o mesmo que pediu a renúncia de Temer, na quinta-feira 18) para caracterizar uma fragilidade política do atual governo, que assumiu o poder após o impeachment de Dilma Rousseff. “O ex-presidente Fernando Henrique, quando falou em pinguela, se referiu a uma travessia muito difícil. E é verdade o que ele disse”, afirmou Temer.

Controvérsias à parte, seu governo segue a cartilha econômica “Uma ponte para o futuro”, elaborada pela Fundação Ulysses Guimarães antes mesmo da posse do peemedebista. Com 19 páginas, o documento propõe atacar o desequilíbrio fiscal, com limites aos gastos públicos e adoção de idade mínima para aposentadoria, além de propiciar as condições para um protagonismo da iniciativa privada. “Um dia eu vou atravessar a pinguela e serei, naturalmente, reconhecido”, afirmou Temer na entrevista a Datena.

A baixa popularidade nunca foi empecilho para o peemedebista encarar os desafios econômicos. Desde que assumiu o comando do Palácio do Planalto, no dia 12 de maio de 2016, Temer deu uma guinada na política econômica. De cara, ganhou o apoio de empresários, investidores e consumidores, que não acreditavam mais na capacidade do governo petista virar o jogo. Os principais indicadores de confiança cresceram ao menos, 15%, nos últimos 12 meses.

Com queda de 24,1% nas vendas no 1º quadrimestre, o setor de caminhões é uma pinguela a ser superada: os estoques nas montadoras ainda estão abarrotados por causa da retração do PIB
Com queda de 24,1% nas vendas no 1º quadrimestre, o setor de caminhões é uma pinguela a ser superada: os estoques nas montadoras ainda estão abarrotados por causa da retração do PIB (Crédito:Sergio Castro/Estadão)

Contribuiu para esse cenário a nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, com sua agenda focada no ajuste fiscal. Para o Banco Central (BC), Meirelles escalou Ilan Goldfajn, que reassumiu as rédeas da inflação. Em apenas 12 meses, o IPCA (índice oficial calculado pelo IBGE) caiu de 9,28% para 4,08% . “Não é apenas a recessão econômica que explica a queda da inflação”, diz Fabio Romão, economista da LCA Consultores. “A credibilidade do BC ajudou muito a controlar as expectativas inflacionárias.”

Com os preços mais bem comportados, a renda dos trabalhadores passou a crescer gradativamente, o que vinha ajudando na recuperação do setor produtivo. Mesmo assim, o varejo e a indústria ainda acumulam resultados negativos no governo Temer e, por isso, ainda estão na categoria de pinguelas, assim como o próprio Produto Interno Bruto (PIB) (leia quadro ao final da reportagem). Poucos setores sofreram tanto como as montadoras de caminhões, que acumulam retração de 24,1% nas vendas no primeiro quadrimestre deste ano, após um tombo de 29,4% no ano passado.

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“O segmento de caminhões depende do PIB e da confiança dos empresários”, diz Luiz Carlos de Moraes, executivo da Mercedes-Benz e vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Termômetro da visão do estrangeiro, o Credit Default Swap (CDS) do Brasil havia despencado de 327,6 pontos para 199,4 pontos nos últimos 12 meses, encerrados na terça-feira 16. O CDS é um instrumento financeiro que serve como um seguro contra o calote dos países, sendo que a pontuação é diretamente proporcional ao tamanho do risco percebido.

Com a delação-bomba da JBS, o indicador disparou para 275 pontos na quinta-feira 18. “Aos trancos e barrancos, a política e a economia estavam melhorando, sem dúvida nenhuma”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “Agora, todos os cenários terão de ser revistos.” Segundo os especialistas, a principal arma do governo para reativar a economia é a queda acelerada da taxa de juros. Embora tenha titubeado num primeiro momento, o Comitê de Política Monetária (Copom) pisou no acelerador e, na última reunião, cortou a taxa básica (Selic) em um ponto percentual.

O caminho desejado: dados de emprego são os últimos na fila da recuperação. Crise política aumenta angústia dos mais de 14 milhões de brasileiros desocupados
O caminho desejado: dados de emprego são os últimos na fila da recuperação. Crise política aumenta angústia dos mais de 14 milhões de brasileiros desocupados (Crédito:Eduardo Martins/ Agência A Tarde/ Pagos)

No próximo encontro, no fim de maio, o Copom tinha uma tendência a ser ainda mais ousado e reduzir a taxa em 1,25 ponto percentual, fixando-a em 10% ao ano. “Há espaço para cortar os juros, pois a inflação caiu mais rápido que a Selic”, afirma o consultor Antonio Corrêa de Lacerda, professor do Departamento de Economia da PUC-SP. “Falta, no entanto, usar os instrumentos dos bancos públicos e mobilizar os bancos privados para destravar e baratear o crédito.”

A favor do afrouxamento monetário mais intenso estão as expectativas inflacionárias amenas, mas a crise política pode tornar o BC mais cauteloso daqui para frente. O presidente Temer sabe que, enquanto ocupar a principal cadeira do Palácio do Planalto, terá de prosseguir com as reformas estruturais se quiser transformar pinguelas em pontes. Devido ao seu peso fiscal, o ajuste nas regras da Previdência Social é considerado o mais importante pelos especialistas, mas a reforma trabalhista tem o mérito de criar um ambiente mais propício para a geração de empregos.

Além das reformas, a equipe econômica vem trabalhando numa série de aprimoramentos nas regras de concessões de infraestrutura. Até o fim do ano, o governo prevê concessões em ferrovias, rodovias, portos, energia elétrica, mineração e petróleo e gás. Entretanto, diante dos últimos acontecimentos, é provável que o cronograma tanto das reformas estruturais quanto das concessões seja atrasado.

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