CENÁRIO ECONÔMICO INSTÁVEL, incertezas, Bolsas operando com oscilações jamais vistas e carteiras de longo prazo acumulando perdas que assustam os mais tranqüilos poupadores. Se há poucos meses o assunto do momento era a escalada sem fim do Ibovespa, agora a pergunta que não quer calar é: por que o índice está caindo tanto? Dúvidas como essa e muitas outras pairam na cabeça de quem investiu seu dinheiro em qualquer tipo de aplicação nos últimos anos e tira o sono até dos profissionais mais experientes no mercado financeiro. DINHEIRO conversou com investidores para saber quais são as principais perguntas que devem ser respondidas sobre a crise. Previdência, renda fixa, ações e até mesmo a tão segura caderneta de poupança entram na berlinda da desconfiança quando o assunto é crise. Confira as respostas dos especialistas:

A crise atual é tão profunda quanto a de 1929? Quando será o fundo do poço?
ALESSANDRO TARCIUS, MÉDICO, BELO HORIZONTE – MG
A única semelhança entre as duas crises é a origem, diz o professor de Finanças Arturo Bris, da escola de negócios suíça IMD. Ambas começaram no mercado imobiliário e afetaram ferozmente o sistema financeiro. No entanto, as semelhanças param por aí. “Demorou cinco meses para o governo reagir em 1929. E foi tarde demais, pois muitas empresas já haviam falido”, explica. Outra diferença apontada por Bris é o comportamento do mercado. “Em 1929, o crash aconteceu devido ao baixo volume de negócios. Hoje, o cenário é basicamente a falta de confiança”, pondera. Já Paul Danos, reitor da norte-americana Tuck Business School, acredita que tanto os bancos centrais quanto os governos já conhecem a profundidade da crise e já se mostraram dispostos a injetar no mercado o dinheiro que for preciso para impedir novas falências bancárias. “O governo jamais deveria ter permitido que o Lehman Brothers ou nenhum outro banco quebrasse. Agora eles aprenderam a lição e estão dispostos a intervir onde for preciso”, afirma. Ninguém sabe ao certo como ou quando essa crise vai terminar, mas a atividade econômica no mundo vai diminuir, pelo menos, nos próximos dois anos.

2- Por que a Bolsa brasileira caiu mais que outras Bolsas de países afetados pela crise do subprime?
MARCUS CARDOSO, ESTUDANTE, RIO DE JANEIRO – RJ
Uma das máximas da física – e das finanças – é a lei da gravidade: tudo o que sobe, desce. Entre 2003 e 2007, o Ibovespa foi um dos índices de ações que mais aumentaram no mundo: 467%. Uma boa parte da valorização das ações foi causada pelos investimentos maciços de estrangeiros, que agora estão assustados e vendem ações no Brasil para aplicar em títulos mais seguros em momentos de turbulência, como os papéis do Tesouro dos Estados Unidos. O que subiu mais antes da crise, portanto, tende a descer mais, pois os ganhos acumulados são mais elevados e permitem uma boa realização de lucros. Dias piores virão, até que o pânico acabe. “O Brasil sempre teve um histórico de volatilidade mais elevada na Bolsa”, diz o consultor e professor de Finanças Leonel Pereira, da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo. “A crise atual é passageira, uma hora acaba.”

3- É hora de comprar ou vender ações?
RAFAEL GIRALDINI, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS, ARARAS – SP
Todo mundo faz esta pergunta ao americano Robert Shiller, autor de Exuberância Irracional e professor da Universidade Yale. E o que ele responde? “Depende da sua idade. Se for jovem, pode ser uma boa oportunidade para arriscar, já que não tem muito a perder”, afirmou à DINHEIRO. “Se estiver próximo à aposentadoria, melhor ficar longe da Bolsa”, conclui. Se você agüentou até agora, segure firme e não venda, aconselha o professor de finanças da FEA-USP Keyler Carvalho Rocha. A indicação é comprar blue chips de instituições bancárias, companhias de energia e de matérias-primas, como Petrobras e Vale, que estão baratas. “A renda fixa também é uma boa opção, com os fundos DI rendendo 13% ao ano e os CDBs com ganhos próximos a isso. É um bom momento para se direcionar um capital maior para investimentos de baixo risco”, diz. Segundo Rocha, o investidor só deve optar por comprar mais ações se seu horizonte de investimento for de longo prazo. “Não há garantia nenhuma de que as ações vão subir no curto prazo. Porém, os dividendos que elas proporcionam podem pagar um retorno para o capital investido superior ao da renda fixa.”

4- Qual é o envolvimento dos nossos bancos com a crise e qual é o risco de aplicações como poupança, CDB e fundo de renda fixa?
MAURÍLIO SANTOS, EMPRESÁRIO, BELO HORIZONTE – MG
Os bancos brasileiros não carregam títulos podres como os americanos e europeus e, portanto, têm poucas chances de quebrar com a crise do subprime. Estão sofrendo com a restrição de recursos internacionais para financiar as empresas brasileiras, mas o Banco Central reduziu depósitos compulsórios e forneceu dinheiro de sobra ao sistema bancário nacional: R$ 100 bilhões. Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, acredita que uma quebradeira geral seria improvável. “É uma probabilidade muito próxima de zero, para não dizer zero”, avalia o economista. “O problema nesse tipo de crise são os investimentos alavancados. Eles sim podem quebrar. Os investimentos no Brasil desvalorizam como tem acontecido em outros países, mas como a alavancagem dos bancos aqui é muito perto de zero, a chance de quebrar também”, explica. Mas, na hipótese de o pior acontecer, existe o Fundo de Garantia de Créditos (FGC), uma instituição regulamentada pelo Banco Central, criada em 1995, e que garante depósitos em poupança, CDBs e outros investimentos em renda fixa. O FGC cobre para cada cliente bancário uma cobertura de até R$ 60 mil por CPF e por banco, em caso de quebra. Os fundos de investimento não têm cobertura. Em 30 de setembro, o FGC possuía R$ 16 bilhões para esse fim. “O valor da garantia cobre os depósitos de 99,21% dos clientes bancários brasileiros”, afirma Antonio Carlos Bueno, diretor- executivo do FGC.

5- Há alguma garantia para os investimentos em renda variável?
CARLA ARANGO, ADVOGADA, JUNDIAÍ – SP
Não. Não há garantias para quem compra ações de empresas, lembra Carlos Alberto Rebello, superintendente de Relação com Investidores Institucionais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As companhias das quais o investidor se torna sócio não garantem o retorno, e muito menos a BM&FBovespa. “Investimento em renda variável é um condomínio no qual pessoas se reúnem e aplicam dinheiro em um determinado ativo. Não existe nada que garanta o capital investido”, diz. O risco do principal é total, mas não existe risco de transação quando a operação é feita na BM&FBovespa. Quem vende sempre recebe o dinheiro e quem compra recebe a ação, mesmo que uma das partes venha a quebrar.

6- Qual é a possibilidade de fundos de ações e multimercados de grandes bancos quebrarem?
LUCIANA MARQUES, ADMINISTRADORA DE EMPRESAS, CAMPO GRANDE – MS
A possibilidade de quebra de fundos existe, como mostra o fechamento recente de carteiras da gestora GWI, dentre elas o GWI FIA, um dos mais rentáveis do mercado nos últimos anos. Se os pedidos de resgate forem superiores à liquidez disponível no fundo, a CVM pede o seu fechamento, diz Carlos Alberto Rebello, superintendente da autarquia. O próximo passo é uma assembléia de cotistas para definir o que será feito com os ativos que sobraram e se os cotistas irão receber algum dinheiro de volta ou se irão colocar mais, no caso de fundos alavancados que sofreram perdas. No caso de grandes bancos, Rebello afirma que não há sinais de que isso possa acontecer. “Nós monitoramos a liquidez do sistema e o enfoque principal de nosso trabalho é o varejo, ou seja, os fundos dos grandes bancos. E não temos observado nenhuma evidência de que esses fundos estejam em perigo”, explica o superintendente.

7- É um bom momento para fazer reservas em dólar?
MARCELA RIBEIRO, PROFESSORA, SÃO PAULO-SP
Não necessariamente. Quem quiser especular com o dólar, apostando no pior (em 2002, a moeda americana chegou a valer R$ 4), pode se dar muito mal. O risco é muito alto. “Nem as tesourarias dos bancos sabem se o dólar vai subir ou não. Dólar não é investimento para o pequeno investidor”, explica o professor de Finanças da FGV William Eid Junior. Segundo ele, a alta da moeda americana se deve a vários fatores conjunturais e não necessariamente ao fato de o real ter se tornado uma moeda fraca. “Algumas empresas brasileiras, sobretudo exportadoras, firmaram contratos de derivativos de câmbio apostando na queda da moeda. E agora estão comprando dólar para se proteger da virada do mercado”, diz. Outro fator que fez a moeda se esvair é a saída do investidor estrangeiro. Se você vai viajar ao Exterior e pretende gastar dólares, o melhor a fazer é comprar se já tiver o dinheiro suficiente. Caso o dólar caia, você perde dinheiro. Mas, se subir mais, pelo menos garante a viagem.

8- Qual é o risco dos fundos de previdência?
BRUNO SETTE, ADMINISTRADOR, RECIFE – PE
Depende do perfil de cada um. Segundo Paulo Tolentino, presidente da Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas (Apep), o risco depende da exposição à renda variável. Para aqueles que optaram por planos de benefício fixo, o risco é próximo de zero. Já para os que optaram por planos de contribuição definida, o benefício varia de acordo com a quantia paga, o tempo de contribuição e a rentabilidade. Para essa segunda modalidade, há risco, principalmente se o investidor estiver próximo de requerer o benefício e o houver exposição renda variável. “Mas os fundos não esperaram a crise chegar aqui. Eles já se protegeram há mais de um ano.”

9- Os imóveis sofrerão desvalorização?
JULIANO SIQUEIRA, MÉDICO, RIO DE JANEIRO – RJ
Sim. Se todos os ativos estão em queda, por que com o imóvel seria diferente? As vendas já começaram a cair em muitas cidades e isso impacta o preço de casas, apartamentos e escritórios. Só no Estado de São Paulo, a venda de imóveis residenciais caiu 8,5% em agosto, segundo o Creci-SP. De acordo com Keyler Carvalho Rocha, da FEA-USP, quem pretende vender imóveis, deve fazê-lo já. “Há um grande risco de queda. E com o dinheiro em mãos, o investidor tem alternativas muito boas, como juros maiores em aplicações de renda fixa. Também pode comprar boas ações a preços baixos”, diz. As construtoras já estão tendo problemas com a venda de imóveis e com a obtenção de crédito para capital de giro. “Elas compraram terrenos e não conseguem construir, pois não há crédito. E, além disso, não conseguem captar mais na Bolsa, já que suas ações estão muito desvalorizadas.”

10 – Por que os investidores compram letras do Tesouro dos EUA para se proteger?
FERNANDO PENIDO, ESTUDANTE, SÃO PAULO – SP
Apesar de serem responsáveis pelo estopim da crise financeira, os Estados Unidos ainda mantêm uma aura de segurança suficiente para atrair o dinheiro que busca ativos de menor risco, no fenômeno chamado de flight to quality. Dentre eles, os papéis da dívida pública federal dos EUA, que passa de US$ 10 trilhões. Para Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos, por mais que a crise tenha aniquilado o sistema financeiro, o país tem caixa suficiente para assumir o rombo. Os treasuries têm liquidez porque “não se duvida da capacidade do governo americano de rolar ou pagar sua dívida”, afirma o economista. “Essa segurança não existe nos agentes privados.”