Entre os dias 24 de abril e 24 de maio deste ano, os empresários gaúchos Rogério e Frêdi Cauduro cumpriram uma extensa lista de compromissos no exterior. Eles passaram por países como Alemanha, Itália, Portugal, Finlândia, Suécia, Rússia, Japão, China, Taiwan e Paquistão. A agenda é semelhante aos roadshows realizados por bancos de investimento interessados em atrair capital para o mercado brasileiro: não há tempo para lazer e as reuniões acontecem uma seguida da outra. Mas os irmãos Cauduro não viajaram em busca de investidores.

Eles estavam repetindo um roteiro cumprido religiosamente todos os anos. Donos da fabricante de material esportivo Poker, Rogério e Frêdi saem da sede em Montenegro, cidade a 30 minutos da capital Porto Alegre, para encontrar os fornecedores de matéria-prima, os fabricantes de seus produtos e os parceiros interessados em revender sua marca. A Poker produz sete mil opções de produtos esportivos, entre camisas, calções, agasalhos e bolas. A parte da confecção corresponde a metade do faturamento de R$ 50 milhões, projetados para este ano.

Mas o seu carro-chefe são as luvas de goleiro. Nas últimas 350 rodadas do Campeo­nato Brasileiro da Primeira Divisão, mais da metade dos camisas 1 que entraram em campo usavam luvas Poker. Neste ano, os números são ainda mais expressivos: sete entre dez usam o acessório da marca. São quase 10 anos invadindo um campo dominado pelas gigantes Nike e Adidas, que faturam mais de US$ 1 bilhão com o futebol. “Competir diretamente com essas marcas é bater contra o muro”, diz o sócio Rogério, que acumula as funções de diretor financeiro, administrativo e marketing.

“Era preciso encontrar nichos de mercado e os goleiros não eram bem assistidos.” Uma pesquisa realizada pela empresa, em 2006, mostrou que os goleiros eram os menos assistidos pelas marcas esportivas. As alemãs Uhlsport e Reusch, referência mundial em luvas, dependiam de importação e não tinham representantes no mercado brasileiro. As demais preferiam desenvolver produtos para atacantes e meio-campistas. A Poker enxergou a brecha e procurou conhecer as necessidades de seu público-alvo. Em uma série de workshops com donos da pequena área, tiveram uma receptividade acima das expectativas, principalmente ao explicar que a intenção era fazer o melhor produto conforme as indicações deles.

Foram pedidas modificações no dorso da luva, na flexibilidade, na palma e no corte. Com as informações anotadas, Rogério e Frêdi foram à Alemanha comprar a melhor matéria-prima. De lá, fecharam com uma fábrica na cidade de Sialkot, no Paquistão, onde estão as principais manufaturas esportivas do mundo. “Como os modelos de carros, as luvas estão evoluindo a cada ano”, diz Fernando Prass, goleiro do Palmeiras, que é patrocinado pela Poker, desde 2009. “O primeiro modelo era simples e hoje temos a melhor tecnologia e diversas opções.” A relação de confiança estabelecida entre a Poker e os goleiros permite que sugestões e pedidos de alteração no produto sejam feitas sem qualquer constrangimento.

Os 30 modelos recebem aprovação todos os anos, antes do lançamento. Elas passam pela checagem dos 70 goleiros patrocinados, que conhecem as alterações apontadas pelos colegas. O ex-goleiro Zetti, sócio da Academia Fechando o Gol, que atende 350 jovens e adultos que buscam treinamento específico para a posição, em São Paulo, pediu uma modificação num novo modelo que estava testando a pedido da Poker. O incômodo estava numa costura na palma, que machucava a mão. O produto vai voltar para a linha de montagem para que a costura seja colocada do lado de fora.

Das 250 mil luvas vendidas por ano, os patrocinados recebem até cinco mil pares. Rogério Ceni, do São Paulo, é o único que tem uma linha com a sua assinatura. “O desafio das marcas esportivas é ter bons produtos e escala, para ter resultado”, diz Amir Somoggi, consultor especialista em esportes. “As luvas estão num mercado muito menor e específico para atrair as maiores empresas.” A história de Frêdi e Rogério com o esporte começa muito antes da Poker. A família Cauduro foi dona de sete lojas de artigos esportivos no Rio Grande do Sul, num tempo em que não existia concorrentes como Centauro ou Netshoes.

Paralelamente à rede varejista, o pai, o empresário Elohy Cauduro, tinha um escritório de representação de material esportivo para a região. Os irmãos perceberam que existia uma oportunidade de negócio ao sentir o descontentamento dos lojistas com o atendimento das grandes marcas, que não cumpriam prazos e fatiavam os pedidos. Em 1986, eles usaram o banheiro da empresa para estocar alguns produtos até começar a produção de camisetas e calções em quatro máquinas de costura, na garagem de casa. Em 1993, montaram a fábrica de Montenegro para aumentar a linha de produção.

Em 1998, perseguiram o modelo de fabricação das grandes marcas esportivas: ter os melhores produtos, a matéria-prima mais adequada e os mais avançados sistemas de produção. Saíram pelo mundo para encontrar o que há de melhor. Hoje, são 14 unidades de produção, exclusivas ou terceirizadas. O desafio, agora, é a internacionalização. A brecha está no futebol feminino. Na semana passada, a goleira da seleção chinesa Zhang Yanru passou a usar as luvas Poker. Os próximos alvos estão nos Estados Unidos e na Alemanha. Com mãos firmes, a Poker vai defendendo o seu espaço.