Quase um ano após a compra da Hering, um negócio de R$ 5,1 bilhões — ao menos R$ 1,8 bilhão a mais sobre a oferta que o grupo Arezzo teria oferecido pela empresa, segundo fontes do mercado —, o Grupo Soma precisa provar a seus investidores que não pagou além do que deveria. Durante o primeiro Investor Day da empresa carioca, seu CEO, Roberto Jatahy, foi enfático sobre o foco do corpo executivo em fazer a integração dar certo. “Todos os diretores de operação estão, desde o último trimestre, dedicados a tratar as questões da Hering”, disse durante o evento.

Aos seis executivos do Grupo Soma junta-se o CEO da marca catarinense, Thiago Hering, filho do fundador e que assumiu a companhia familiar no período de conversas sobre a venda, há um ano. Esse time de sete executivos tem pouco mais de dois anos pela frente para reestruturar a operação e aumentar as sinergias da Hering no grupo. O desenlace dessa empreitada é crucial para a expansão da companhia nos próximos anos, que tem nessa integração a principal alavanca. Se bem-sucedidos, a operação deve ajudar a sustentar um crescimento de 15% ao ano até 2026, o que resultaria em dobrar o tamanho do Grupo Soma.

FOCO E DEDICAÇÃO Para Roberto Jatahy, CEO do Grupo Soma, o momento é de se concentrar na integração da Hering e na expansão da Farm Global. (Crédito:Bruno Ryfer)

Antes, no entanto, enfrentam uma série de desafios. Além da desconexão com um público potencial, a marca apresenta dificuldades para crescer no digital e tem um portfólio pouco eficiente em vendas. Portanto, mais da metade do tempo (e da saliva) gasto no encontro com analistas, que durou em torno de oito horas, foi usado em convencer o mercado sobre os rumos da tradicional marca catarinense dentro do conglomerado. Para Danniela Eiger, analista de varejo da XP, as respostas dadas por Jatahy vieram bem acima das expectativas. “Não levamos em conta as sinergias fiscais ou de estruturas”, disse, apontando que esses fatores ajudam a ampliar as perspectivas da companhia.

O Grupo Soma deparou-se com uma empresa que tem dificuldade para crescer no digital, o que está associado ao baixo tíquete médio no seu e-commerce, que não cobre os custos com frete. O site já vem passando por uma reformulação e trabalhará a venda de pacotes de peças básicas, como camisetas e meias, para reequilibrar essa equação. Na outra ponta da operação, o buraco é ainda mais fundo. Com atraso médio de entrega de 27 dias em loja, o desafio dos cariocas será reduzir o retardo em 37% (para 17 dias). A estratégia de curto prazo é terceirizar 28% da produção (contra 17% em 2021), o que ainda deve colaborar para diminuir a ruptura da marca (o índice de produtos não entregues), de 23%. A redução de 22% do sortimento, privilegiando o portfólio com mais giro, é outro método implementado pela equipe. “Estamos alargando a base da pirâmide para garantir a disponibilidade dos itens básicos”, disse o CEO da Hering. No médio prazo, a aposta é aumentar a capacidade fabril da Hering, o que fará a companhia recuperar as margens das quais deve abrir mão nesse meio tempo.

“Estamos alargando a base da pirâmide para garantir a disponibilidade dos itens básicos” Thiago Hering, CEO da Hering.

A rede Hering deve ganhar 1 mil lojas, sendo 100 megastores, e chegar a 16 mil pontos de vendas até 2025 — alta de 83% na comparação com 2021. Mas Jatahy já enxerga o teto desse crescimento da Hering, que, ao lado da Farm Global, segue como uma força motriz para o estirão do grupo. “Quando chegarmos em 2024, já estaremos olhando para outros ativos”, disse. Ele explica que, em três anos, a aquisição não terá mais oxigênio para sustentar esse ritmo. “O volume de lojas no Sul nos protege em relação aos concorrentes, pois lá estamos bem posicionados em shoppings com público de classe B”, afirmou o CEO do Grupo Soma. Mas a Hering precisará se consolidar ainda na região Nordeste, onde lhe falta aderência ao público consumidor.

MULTIFOCADO O Grupo Soma se transformou em uma plataforma de vestuário para consumidores das classes A e B. São nove marcas ao todo, cada qual com sua especificidade. As menores, com Ebitda abaixo de R$ 30 milhões, responderam
por 9,6% da receita do conglomerado em 2021 (R$ 2,44 bilhões) e devem passar por aceleração neste ano. O planejamento de expansão da rede pós-IPO foi frustrado pela segunda onda da pandemia e deve ser retomado neste ano com a possibilidade de implementar um modelo de franquias — aprendizado que o grupo teve com a Hering. Mas mesmo essa ideia deve ficar mais para frente, já que, neste momento, “o foco é a integração.”

CHEGADA NA EUROPA Com a entrada no mercado europeu e a aceleração do crescimento nos EUA, a Farm Global destrava seu potencial e pode alcançar R$ 3 bilhões até 2026.

A composição da receita do Grupo Soma ainda é desequilibrada, com 43,6% do faturamento de 2021 vindo da Hering, seguido por Farm no Brasil, com 21,2%. Para Jatahy, o ideal é que nenhuma marca ultrapasse 25% do resultado, caminho que, para ele, já vem sendo trilhado com as estratégias de crescimento na NV e na Farm Global — esta se prepara para entrar no mercado europeu. Já presente nos Estados Unidos, onde projeta ter entre 1% e 1,3% de participação no mercado, a marca faturou R$ 272 milhões no ano passado, o triplo de 2019. A perspectiva da Farm Global é alcançar de R$ 2,25 bilhões a R$ 3 bilhões até 2026, 11 vezes o que vende hoje, pela abertura de geografias e de canais, além da entrada em novas categorias. O capítulo do negócio na Europa se inicia no fim de abril com a inauguração de uma loja de 250 m2 dentro da rede de departamentos francesa Le Bon Marché.

Manejar tantas frentes de negócio é complexo, assim como a estrutura executiva do Grupo Soma, que conta seis CEOs de marcas e seis diretores de área, além do líder da companhia. Por isso, Jatahy descarta aquisições menores. “A destruição de valor e de capital humano é grande nesses processos, sendo que o retorno é baixo. Já aprendemos que não vale a pena”, disse. Adiante, a brecha no portfólio do Soma é a categoria de athleisure (moda de ginástica e roupas casuais), que segue no radar, embora sem novidades. Uma lição disso tudo a companhia aprendeu e o mercado assimilou: foi transparente com os problemas e apontou os caminhos para resolvê-los. E isso caiu bem a todos.