Em 1986, em uma carta aos acionistas do Berkshire Hathaway, Warren Buffet escreveu: “Vocês podem pensar que as instituições financeiras, com suas equipes enormes de investidores profissionais bem remunerados e experientes, trariam estabilidade e razão aos mercados financeiros”. Em seguida, ao seu estilo, concluiu: “Pelo contrário: as ações maciçamente compradas e monitoradas por essas instituições geralmente são as que apresentam os preços mais inapropriados”. Mesmo 33 anos depois, essa afirmação continua extremamente atual e pertinente.

Dos anos 80 para cá, muita coisa mudou: a negociação de ativos financeiros ficou cada vez mais rápida e acessível; o mercado de instrumentos derivativos se desenvolveu rapidamente; barreiras foram eliminadas e a liquidez dos mercados se ampliou. Todos esses avanços são positivos e proporcionam transparência de preços e acesso a mercados aos mais diversos tipos de investidores. Esse cenário, entretanto, pode sofrer ruídos quando os preços de certos ativos ganham vida própria e acabam se distanciando do valor real dos negócios.

Momentos de muito otimismo podem exacerbar preços de certos ativos, notadamente os mais monitorados e detidos por parcela importante do mercado institucional. A recíproca é verdadeira: momentos de pessimismo podem levar preços de ações de empresas saudáveis e bem estabelecidas a valores muito abaixo do valor real, ou intrínseco, desses negócios.

Há uma parte do mercado financeiro que navega por esses altos e baixos com um horizonte de curto prazo. Outra parcela explora diferenças de preço de um mesmo ativo negociado em bolsas diferentes, e lucra com essas pequenas arbitragens em volumes enormes de negociação e altíssimo investimento em tecnologia. Mas ainda há gente como Warren Buffet, que lucra com os altos e baixos do mercado procurando o valor real dos ativos e explorando os exageros refletidos nos valores das ações.

A lógica do value investor é de longo prazo. Procuramos empresas e negócios com geração de ganho econômico recorrente ao longo dos anos. Companhias que tenham uma gestão competente, e que possamos modelar e avaliar com certa confiança. Entre outras coisas, isso envolve muita pesquisa. O value investor não se contenta com informações macro ou genéricas. Vamos em busca da informação ‘micro’, aquele detalhe que vai fazer a diferença. Temos que visitar a empresa, ouvir os clientes, conversar com os funcionários. Ligar para os fornecedores, entender de maneira minuciosa como funciona toda a logística por trás de cada transação. Identificar o que faz dessa empresa um negócio recorrente.

O value investor não acredita no valor contábil de certos ativos declarados nos balanços das companhias, especialmente os intangíveis. E também não acredita na modelagem tradicional por DCF. Ele procura o real ganho recorrente daquele negócio, independente de crescimento e de fatores pontuais. E, para isso, ignora e modela separadamente muitos dados de balanço.

Para o value investor, quanto maior o universo a ser analisado, maior a quantidade de oportunidades a serem exploradas. É por isso que, em uma comparação com o mercado brasileiro, o mercado americano é um ambiente mais maduro, profundo, bem regulado, líquido e diverso o suficiente para uma execução de uma boa estratégia de value investing

Não deixa de ser uma arte. Por isso, cada value investor é único em sua trajetória e também em sua análise. Uma empresa que está no meu portfólio, não necessariamente estará no portfólio de outro value investor. Cada um tem um ponto de vista diferente a respeito do que é realmente relevante no valor de uma ação.

E, claro, value investors também erram. Menos provável errarmos na qualidade de uma empresa, mas, podemos sim, pagar preços mais altos por erro nas premissas de modelagem. Pelo mesmo motivo, podemos perder oportunidades de investir em empresas que mereceriam atenção por julgarmos que o preço está muito alto, só para ver esse preço se multiplicar em alguns meses ou anos. 

Em geral o value investor, mesmo correndo o risco de ser teimoso, não compra facilmente o que dizem as grandes instituições e os relatórios de research: ele muitas vezes desafia o mercado. Isso requer muito estômago, pois o mercado é soberano e, no curto prazo, pode gerar uma dose razoável de sofrimento. A experiência mostra, no entanto, que o mercado sempre volta aos fundamentos. Buffet estava certo em 1986. E continua certo hoje.  

 

(*) Norberto Zaiet é economista, com MBA pela Universidade
de Columbia. É sócio-fundador da gestora de investimentos
Picea Value Investors, em Nova York