Não é de hoje que o Tribunal de Contas da União (TCU) tira o sono dos responsáveis por ministérios, estatais e órgãos públicos do governo central. Agora, os gestores terão ainda mais a temer. Às vésperas da eleição, uma nova normativa aumentará a atenção para os gastos ministeriais, em especial em áreas que já eram alvo de questionamentos, como Defesa, Saúde, Educação e Desenvolvimento Regional. Dentro do governo, a decisão do tribunal foi vista como eleitoreira. “Para manchar a imagem do presidente e a cúpula do governo”, disse um assessor palaciano. Para completar o cerco, Câmara e Senado também iniciaram suas próprias apurações sobre as potenciais malversações de recursos.

No que diz respeito ao TCU, os ministros responsáveis por pastas com, no mínimo, 2% dos recursos do Orçamento terão de prestar contas diretas sobre o uso do dinheiro. Isso inclui os ministérios da Educação, Defesa, Infraestrutura, Agricultura e Trabalho, além da Secretaria da Previdência. Nenhum deles, até então, precisava fazer isso. Segundo Carlos Valentim Gonçalves, que já compôs o quadro de ministros do Tribunal, essa era uma briga antiga. “Desde os anos 1990 esse pente fino era cobrado porque havia um ponto cego para a apuração da Corte”, disse.

Leandro Amorim, advogado constitucionalista e palestrante do Global Forum on Law entende que a decisão do Tribunal acompanha a tendência mundial. “Essa prestação de contas é fundamental para a apuração dos números. Até agora os ministérios apenas enviavam relatórios quando incitados.” Hoje, quase todos os países da Europa, além dos Estados Unidos, Nova Zelândia e Canadá já acompanham as contas públicas com esse nível de integração.

Segundo o TCU, os Ministros de Estado poderão ser responsabilizados se forem verificadas irregularidades graves que possam ser atribuídas a suas gestões. Esse pente fino também norteará o relatório anual das contas do presidente da República de 2022, a serem julgadas no ano que vem. O ministro do TCU Antonio Anastasia, relator da normativa, disse que o ganho será substancial. “O conjunto de análises em cada processo será bem mais extenso e aprofundado, permitindo uma avaliação mais efetiva da qualidade e da regularidade da gestão.” Pela nova regra, todas as estatais com ao menos 90% de participação da União e o Banco Central do Brasil também estarão sob análise.

GASTOS EM QUESTÃO Ministério da Defesa, que está entre as Pastas com maior orçamento anual, terá que produzir relatórios fixos. (Crédito:Alan Marques/)

IMBRÓGLIO A maior atenção aos gastos veio na esteira de dúvidas sobre o uso de recursos em ministérios bastante abastados, como o da Educação. Um dos casos mais recentes envolvia uma espécie de balcão de negócios no MEC, operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, para agilizar a liberação de valores a gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão.

Outro caso que merece atenção foi a compra, pelo Ministério da Defesa, de 11 milhões de comprimidos do Citrato de Sildenafila, popularmente conhecido como Viagra, entre 2019 e 2022. No dia 3 o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) pediu ao TCU a abertura de um processo administrativo para apurar o acordo entre o Comando da Marinha e o laboratório EMS. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, foi convidado a prestar esclarecimentos na Casa, e já aceitou o convite. A data, no entanto, ainda não foi definida. Quando nasceram as especulações sobre o tema, a Marinha garantiu que a compra atendia uma demanda do Ministério da Saúde e foi feita sem qualquer irregularidade.

Quem também está atento ao TCU é o ministro da Economia, Paulo Guedes. O motivo, no entanto, não são as contas da própria Pasta, mas o processo de liberação da venda da Eletrobras. No dia 2 de maio o ministro do TCU, Vital do Rêgo, solicitou à estatal novas informações. Entre as demandas estão esclarecimentos sobre parcelas do empréstimo compulsório de energia criado pela Lei 5.824/1972, sobre um pedido de indenização da companhia à Aneel e também documentos, fatos relevantes e atas de reuniões de conselheiros.

Há algumas semanas, Guedes deu a entender que a motivação do TCU era mais política do que zelo pela estatal e que a morosidade estava sendo maior que a necessária para garantia da lisura da licitação. Mas o ministro esqueceu que, segundo a física óptica, quanto mais precisa for a lupa, maior a capacidade de encontrar imperfeições.