A ideia de priorizar gastos que rendam votos parece ter tomado de vez os corações e mentes dos agentes do governo — em especial, do próprio presidente Bolsonaro. Em muitas dessas alternativas, não se avalia o dano consequente, nem mesmo as reais necessidades que afligem à população. Sim, o preço dos combustíveis atingiu níveis insuportáveis. O peso da commodity sobre a inflação é considerável. Mas a intervenção artificial por tempo curto (apenas até o final do ano) nos tributos nem de longe contorna o problema e abranda quase que marginalmente a tarifa, que logo depois será de novo remarcada por conta das variações internacionais e da paridade prevista em lei. Em outras palavras: é muito empenho e dinheiro público dispendido a troco de pouco. Por sua vez, a mesma deliberação que limita a alíquota de ICMS dos estados pode retirar nada menos do que R$ 30 bilhões da Educação e da Saúde, em um golpe quase fatal para setores já duramente afetados pelos cortes federais. Entidades e parlamentares tentaram mostrar o óbvio ao governo, mas ele não recuou diante da meta maior de fazer agrado inconsequente com os recursos alheios. A maior fonte de recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, é justamente o ICMS e existem pisos constitucionais nesse sentido. Não bastassem os escândalos de desvios de verbas que vêm sendo verificados no âmbito do Ministério da Educação, mais essa paulada colocaria a atividade em situação de quase paralisia. O desequilíbrio financeiro decorrente de tais movimentos vai se ampliando. O presidente não faz nem mais questão de esconder que a sua única preocupação é utilizar os recursos públicos para assegurar a vitória nas urnas. Enquanto isso, atualmente, a renda dos 5% mais pobres não compra sequer dois pratos feitos por mês. A fome, real chaga dos vulneráveis, não será contida com a gasolina e o diesel mais baratos. A pobreza recorde na história do País acentua o grau de desigualdade. Ao menos 47,3 milhões de brasileiros terminaram o ano passado na pobreza. O número equivale a 22,3% da população e representa o maior percentual já verificado em dez anos. As escolhas populistas do capitão, em que pese tentar “agradar”, rumam na direção inversa e deixam um déficit orçamentário monumental que lá na frente será cobrado. O Brasil, que antes vinha numa trajetória consistente de redução da miséria, deu um cavalo de pau nessa gestão e virou de rumo — ou perdeu o rumo. A piora foi generalizada e quase 11 milhões de pessoas caíram na pobreza, onde nunca antes estiveram. O contingente equivale a quase toda a população da cidade de São Paulo. Não é pouca coisa. E os jovens são os mais sacrificados — na faixa etária de zero a 17 anos, segundo levantamento do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social. Maus investimentos ainda explicam a perda do PIB e da capacidade de expansão da infraestrutura — o que, por tabela, auxiliaria no aumento de empregos e das condições de vida. Em outra frente de equívocos nos gastos, o governo corre para reajustar o vale-refeição dos servidores públicos, como forma de atenuar a revolta da categoria com a falta de aumentos salariais. O funcionalismo rende votos, mas nem de longe representa o universo dos mais carentes. No orçamento federal hoje o que conta são as decisões que ao menos garanta ao mandatário uma vaga no segundo turno. A janela para “despesas sociais” vai diminuindo com a proximidade do período tido como de vedação eleitoral e Bolsonaro corre contra o tempo para gastar enquanto pode, sem se importar com o amanhã. Nesse aspecto, o problema fica para a próxima gestão que, mesmo sendo a dele, vai buscar novos subterfúgios, empurrando a conta para os contribuintes de sempre.

Carlos José Marques
Diretor editorial