Aos 41 anos, Chamath Palihapitiya se considera um sortudo pela virada que sua vida tomou desde que migrou do Sri Lanka para o Canadá, em 1982, pouco antes de eclodir a maior guerra civil do país asiático, que resultou na morte de mais de 70 mil pessoas. Ele se formou engenheiro elétrico e, aos 26 anos, tornou-se o mais jovem vice-presidente na história da empresa de internet AOL. No ano seguinte, foi contratado pelo Facebook. Seis anos depois, em 2011, saiu da companhia de Mark Zuckerberg para criar o fundo de venture capital Social Capital, que investe em empresas que trabalham para transformar a sociedade. Alguns de seus principais investimentos são a Slack (aplicativo de mensagem), a Box (armazenamento em nuvem) e a brasileira Descomplica (educação). Com mais de US$ 2 bilhões para investir, o fundo do Vale do Silício desembarca no Brasil com a ideia de gerar mais oportunidades para empreendedores. Essa seria uma cesta de três pontos para Palihapitiya, que é um dos sócios do Golden State Warriors, time de basquete atual campeão da NBA.

DINHEIRO – Em diversas entrevistas, o senhor ressalta as dificuldades que teve em sua infância, principalmente por conta da mudança de país. Como foi crescer longe de “casa”?

CHAMATH PALIHAPITIYA – Eu nasci no Sri Lanka, que é um país de terceiro mundo. Em 1982, porém, minha família se mudou para o Canadá por conta da guerra civil. Quando você faz uma mudança deste tipo, não tem muito dinheiro e precisa lutar bastante para sobreviver. Minha mãe era uma dona de casa e meu pai estava desempregado. O que nos ajudou foram os programas sociais do Canadá, que permitiram que eu tivesse assistência médica e educação. Além do fato de que a educação superior lá é mais barata do que em outros países de primeiro mundo. É difícil saber se minha história teria sido a mesma em outro país.

DINHEIRO – Essa situação moldou o seu perfil como empreendedor?

PALIHAPITIYA – Quando olho para trás, sei que não sou particularmente especial ou único. Eu tive sorte. Muita sorte! Mesmo que houvesse diversos problemas em minha família, várias coisas que poderiam impedir que eu crescesse, eu tive saúde e educação. Isso me ajudou a atingir o meu potencial. Vários aspectos da minha vida e do trabalho que tenho feito, especialmente nos últimos anos à frente da Social Capital, estão relacionados a essa filosofia de querer ajudar as pessoas a atingirem seus potenciais. Eu acredito muito nas pessoas e quero criar um ambiente para que elas cresçam em suas vidas. Elas também merecem uma oportunidade.

DINHEIRO – Como a empresa do senhor está fazendo isso?

PALIHAPITIYA – Ao investir em startups, nós investimos bilhões de dólares para melhorar a qualidade da saúde e da educação ao redor do mundo. São pequenas contribuições da nossa empresa para que mais pessoas tenham uma chance de melhorar o mundo. Isso fará com que coisas incríveis sejam criadas.

DINHEIRO – Os governos podem ajudar as empresas a resolverem esses problemas?

PALIHAPITIYA – Com certeza. Eles precisam trabalhar juntos. Antes, os políticos tinham uma caixa de ferramentas para resolver os principais problemas da sociedade. Hoje, isso não existe mais. O mundo está muito mais conectado. As empresas que dominam a economia global são tão ou mais importantes do que os governos. As regras mudaram e é preciso pensar como vamos resolver os problemas atuais de maneira empreendedora.

DINHEIRO – O senhor acredita que o poder público poderia contribuir mais?

PALIHAPITIYA – Os governos com certeza devem investir mais no empreendedorismo local. Existem profissionais incríveis em todo o mundo que querem resolver as principais questões de suas comunidades. Os órgãos governamentais poderiam ter um papel muito mais ativo em levá-los à linha de frente nessas questões. Seja por meio de investimentos, criando conexões ou de outras maneiras.

DINHEIRO – O senhor disse que as empresas são mais importantes do que os governos. É uma afirmação forte. Poderia dar um exemplo?

PALIHAPITIYA – O Canadá decidiu que, se você está doente, você tem o direito humano de ter acesso ao sistema de saúde. Foi uma decisão fantástica. Hoje, isso já não funciona tão bem como antigamente. Se você precisa realizar exames mais complexos ou se está com uma doença grave, é provável que você tenha que esperar um longo tempo até ter acesso aos tratamentos adequados. O poder público começou algo incrível, mas é preciso trazer a iniciativa privada para criar um novo modelo de indústria. As regras estão mudando e os governos nunca estiveram tão dispostos a trabalhar com as companhias.

DINHEIRO – Aos 26 anos, o senhor se tornou o mais jovem vice-presidente da história da AOL. Foi uma surpresa?

PALIHAPITIYA – Fiquei totalmente surpreso. Estava lá e pensava que eu não merecia isso. O que eu tive na AOL foi algo que muitas pessoas têm só uma vez em suas vidas, que é contar com alguém que realmente acredita em você. Meu chefe era extremamente duro comigo, mas ele me amava como um filho. Ele constantemente me treinava e agia como um mentor. Foi ele quem decidiu colocar a sua própria carreira em risco quando me promoveu. Era algo arriscado e único. Quem ocupava esse cargo geralmente tinha 40 anos, 50 anos. Eu havia feito 26 anos.

DINHEIRO – No lugar dele, o senhor faria a mesma coisa?

PALIHAPITIYA – No meu tempo no Facebook, tive a oportunidade de fazer algo similar para o time que trabalhava comigo. E quando eu olho para aquele time hoje, vejo incríveis profissionais que não estão apenas no Facebook, mas em outras gigantes do mercado de tecnologia ou mesmo abriram as suas próprias startups. Uma das principais lições que eu levei de aprendizado da AOL foi que é preciso ajudar seus companheiros de trabalho a terem tanto sucesso como você teve.

“Eu cresci no Sri Lanka, que é um país de terceiro mundo. Minha família se mudou para o Canadá por conta da guerra” A guerra civil do Sri Lanka durou de 1983 e 2009 e resultou na morte de 70 mil pessoas no país (Crédito:Liu Heung Shing )

DINHEIRO – O senhor integrou a equipe de Mark Zuckerberg ainda nos primórdios da rede social, quando o site tinha menos de 5 milhões de usuários cadastrados. Hoje a plataforma conta com 2,2 bilhões de usuários, mas vive a maior crise de sua história. Como o senhor avalia o atual momento do Facebook?

PALIHAPITIYA – Creio que eles vão se recuperar dessa crise. É uma grande companhia e que tem um produto extremamente importante. Eles estão tomando decisões realmente difíceis sobre o papel das redes sociais no mundo. Zuckerberg e sua equipe não recebem qualquer crédito por isso. Imagine ser o dono de um dos negócios mais lucrativos do mundo e decidir diminuir o crescimento e os lucros da empresa para assumir uma responsabilidade social maior com a sociedade. Foi uma decisão extremamente importante tomada pelo Facebook e que as pessoas não têm noção disso. Poucas pessoas fariam isso. Zuckerberg merece crédito. Mais do que isso, merece paciência.

DINHEIRO – O senhor não permite que seus filhos usem aparelhos eletrônicos como celulares e tablets e nem que se conectem ao Facebook, correto?

PALIHAPITIYA – Cada pai precisa tomar decisões para suas famílias e essas decisões são pessoais. No meu caso, quando lembro do passado, eu me beneficiei muito por não ter dinheiro, um celular ou um videogame. Passava meu tempo na rua, praticando esportes, usando a minha imaginação e fazendo amizades. Meus filhos precisam vivenciar isso. Haverá uma hora que eles terão a liberdade para tomarem suas próprias decisões, é claro. É improvável que eles jamais usem as redes sociais. Mas eles terão o resto de suas vidas para interagirem virtualmente. É preciso ensinar o valor de coisas simples da vida, como a interação humana e o contato visual.

DINHEIRO – As redes sociais são um perigo para a sociedade?

PALIHAPITIYA – Assim como qualquer tecnologia, há coisas boas e ruins. Eu poderia dizer que amoras são saudáveis, mas você não deve comê-las em grandes quantidades e diariamente. Assim como eu também poderia falar que açúcar é ruim, mas você não precisa aboli-lo de sua vida. A chave é a moderação.

DINHEIRO – Por que o Social Capital está olhando com mais atenção ao mercado brasileiro?

PALIHAPITIYA – O Brasil tem um espaço no meu coração por vários motivos. Foi um dos primeiros países que nós trabalhamos para lançar o Facebook, quando eu estava na empresa. É também onde eu passo muito do meu tempo. Trabalhando e visitando. Há um grande ambiente empreendedor, repleto de talentos e coragem para criar. Analisando os maiores mercados do mundo, o Brasil e a Indonésia são os países que possuem a maior quantidade de oportunidades para serem exploradas nos negócios.

DINHEIRO – Qual é o grande obstáculo para trabalhar no País?

PALIHAPITIYA – Quando você está em um novo ecossistema de empreendedores, a coisa mais importante a se fazer é garantir que exista capital necessário em todos os estágios do trabalho. No Brasil, não há um grande suporte para os empreendedores. Não há dinheiro e nem know how suficiente. Também há pouco suporte de investidores que estão nos Estados Unidos. Quando você injeta capital nesses empreendedores, você liga um alerta em outros investidores que começam a fazer a mesma coisa. Eles entendem que aquela companhia pode ser realmente muito boa.

DINHEIRO – Um setor que tem se destacado bastante no Brasil são as fintechs, especialmente no que diz respeito a bancos digitais. Essas startups estão na mira do Social Capital?

PALIHAPITIYA – Os bancos digitais são importantes porque são algo que precisamos. É necessário criar novas maneiras para que o dinheiro possa circular no sistema capitalista de forma extremamente transparente. Hoje existe muito capital na mão de poucas pessoas. Os bancos digitais são uma maneira de democratizar a infraestrutura bancária para que indivíduos e pequenos negócios possam ter acesso aos mesmos recursos que as grandes companhias têm.

“Não faltam ideias inspiradoras no Brasil. O que existe é uma escassez de capital”Em 2014, a startup Descomplica, de Marco Fishben, recebeu US$ 5 milhões em um aporte do Social Capital (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Quais startups o senhor destaca no ecossistema brasileiro?

PALIHAPITIYA – Fui um dos investidores do Peixe Urbano e o Social Capital investe na Descomplica, de educação online. Em um primeiro momento, é um pouco difícil de responder e vamos ter uma visão melhor nos próximos meses, depois que nos estabelecermos no País. O que é certo é que não faltam fundadores e ideias inspiradoras no Brasil. O que existe é uma escassez de capital e de recursos.

DINHEIRO – Um estudo produzido pelo site The Information revelou que as empresas fundadas por homens brancos eram os principais alvos de aportes de fundos de investimentos. Por outro lado, duas das maiores empresas do planeta, Google e Microsoft, são comandadas por CEOs nascidos na Índia. Como trazer a diversidade para o ambiente tecnológico?

PALIHAPITIYA – Produzir essa pesquisa foi o primeiro passo para resolver o problema de diversidade do Vale do Silício. Era preciso conseguir dados relevantes. A diversidade é importante e inevitável, porque é uma estratégia de sucesso. À medida que mais exemplos de equipes diversificadas surgirem, o restante da indústria invariavelmente copiará o modelo.

DINHEIRO – O senhor é conhecido por ser um entusiasta do mercado de criptomoedas. Por quê?

PALIHAPITIYA – É incrivelmente atraente ter moedas que sejam fundamentalmente descentralizadas de qualquer entidade ou região e que sejam digitais e altamente protegidas. O próximo passo óbvio e crucial é encontrar uma forma ponderada de abordar a regulamentação, o que ajudará as criptomoedas a se tornarem verdadeiramente comuns.

DINHEIRO – O senhor é um dos donos do time de basquete americano Golden State Warriors. Por que investir em esportes?

PALIHAPITIYA – À medida que passamos cada vez mais tempo em computadores e celulares, as experiências da vida real tornam-se ainda mais valiosas. Os esportes ao vivo têm uma maneira de unir as pessoas e aterrá-las no presente. Isso foi o que motivou o meu investimento nos Warriors. Tem sido incrível observar a disciplina e o coração dessa equipe.