Nas últimas quatro décadas, o empresário mineiro Rubens Menin, 62 anos, ergueu do zero a maior construtora de imóveis residenciais da América Latina, a MRV, com mais de 260 mil apartamentos entregues e faturamento de R$ 6 bilhões no ano passado. Como chairman da companhia, Menin tem se dedicado, nos últimos dois anos, também ao grupo que ajudou a criar, o “Você Muda do Brasil”, junto com outros nomes de peso do mundo empresarial, como Luiza Trajano (Magazine Luiza), Walter Schalka (Suzano) e Paulo Kakinoff (Gol). O objetivo é lançar iniciativas de conscientização social e criar planos de ação para apoiar governos com ideias bem-sucedidas do setor privado. No entanto, segundo Menin, o rumo que tomou a atual corrida presidencial não era o esperado. “Essas eleições estão sendo disputadas com o que tem de pior no mundo de hoje”, disse Menin, em entrevista à DINHEIRO. “O extremismo, a irracionalidade, o vazio de ideias.”

DINHEIRO – Diante de um acirramento dos ânimos nessa eleição, podemos concluir que o objetivo do grupo “Você Muda o Brasil” não foi alcançado?

RUBENS MENIN – Para ser bastante franco, as coisas não caminharam como nós imaginávamos. Estamos agora numa fase mais introspectiva. No início, acreditávamos que o processo eleitoral seria discutido com mais racionalidade pela sociedade. Não só não está sendo discutido com racionalidade, como as discussões nessa eleição estão sendo feitas com o ‘fígado’, digamos assim, e com muita raiva. Era tudo que a gente não queria.

DINHEIRO – Fase introspectiva significa que o grupo desistiu do objetivo inicial?

MENIN – Não. Quando falo que estamos introspectivos é que estamos discutindo com muito mais frequência o que podemos fazer para corrigir o que está errado. Mas não conseguimos ainda encontrar uma fórmula. Queremos influenciar essa eleição, sim, de forma democrática e republicana, sem ser um movimento partidário, mas não encontramos uma melhor pegada. Nossa missão não acaba na eleição. Queremos que o movimento se perpetue para ajudar nas próximas eleições.

DINHEIRO – Não há o que fazer nesta eleição?

MENIN – Estamos tentando fazer algo ainda nessa reta final, e explicitar as nossas visões como lideranças empresariais e setoriais. Queremos tentar chamar a atenção da população brasileira nesse momento difícil que a nação está vivendo. Nos meus 62 anos de vida, votei pela primeira vez apenas em 1989. E vejo hoje que nunca vivemos uma situação eleitoral tão difícil. Já tivemos no Brasil muitas eleições, mas todas foram mais previsíveis do que esta. Sempre tivemos políticos com propostas. O que está acontecendo agora é que ninguém sabe para onde estamos indo, onde tudo é possível. Os debates são vazios de propostas e sobram acusações de todos os lados. Um cenário completamente colapsado.

DINHEIRO – O que levou o Brasil a esse extremismo?

MENIN – Todo mundo sabe que é preciso ser feita uma profunda reforma política no Brasil. Todo mundo sabe, mas ninguém faz. Essas eleições estão sendo disputadas com o que tem de pior no mundo de hoje. O extremismo, a irracionalidade, o vazio de ideias. Há 35 partidos disputando um espaço e isso, por si só, já é uma coisa esdrúxula. Repito: não são 35 propostas, são 35 partidos. Com essa quantidade de siglas, é feita a vontade de uma minoria. A gente teria de reduzir o número de partidos no Brasil.

DINHEIRO – O fim das doações de empresas a partidos já não foi um grande avanço nesse processo de reforma política?

MENIN – O financiamento público de campanha, tido como a grande novidade dessas eleições presidenciais, vai permitir, sim, uma renovação do Congresso. Claramente vai acontecer isso. Até acredito que a renovação vai ser pequena, vai ser baixa, mas tem um lado que enxergo com otimismo. Será uma renovação de boa qualidade, mesmo que seja menor numericamente, de uns 20%. Isso pode fazer a diferença. As coisas podem começar a melhorar. É uma luzinha. Afinal, falamos muito dos cargos majoritários, mas não podemos esquecer que a mudança tem de começar pelo Congresso.

“Ficou provado que o governo não tem dinheiro para dar casa para todo mundo”Criança em conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida

DINHEIRO – O eleitor brasileiro perdeu a capacidade de depurar retóricas?

MENIN – A população está muito ansiosa, criando uma divisão do País. A divisão entre ‘nós’ e ‘eles’ não é boa. Para qualquer nação crescer, tem de ter uma liderança que represente todas as pessoas. Não existe um projeto de nação vencedora que não unifique toda a população. Então, o que me preocupa é a fragmentação, a divisão da população entre Norte e Sul, entre rico e pobre, entre ‘nós’ e ‘eles’. Todos os países do mundo que conseguiram se desenvolver, como é o caso da Coreia do Sul, que uniu o país em torno de uma pauta de desenvolvimento, investiu pesado em educação e virou uma potência. Estamos jogando nossas oportunidades fora. Um País como o Brasil, com 200 milhões de habitantes, era para ser uma potência continental. Essa divisão da população, sem um projeto de país, é uma situação extremamente preocupante.

DINHEIRO – De quem é a culpa?

MENIN – A culpa é nossa. Seja qual for o governo que vier pela frente, temos que exigir mais e cobrar mais. Engajar a sociedade e as lideranças. Não podemos deixar que as coisas aconteçam de forma sem critério, como no passado. Vejo que agora, em relação às ultimas eleições, o próximo presidente eleito terá uma cobrança muito maior. Haverá uma fiscalização muito mais atenta sobre o governo.

DINHEIRO – Qual conclusão se pode tirar da baixa aceitação dos candidatos de centro?

MENIN – Essa eleição me lembra muito a de 1989. Naquele ano, tínhamos dez candidatos muito fortes, todos em condições de vencer. Tínhamos nomes como Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Lula, Afif Domingos e Fernando Collor. Na época, com tanta opção, o eleitor partiu para os extremos. E sabemos que o presidente eleito nas urnas (Collor), não foi o que a maioria queria. Foi a opção que restou no segundo turno. Não deu certo. A eleição deste ano está repetindo o que aconteceu em 1989, com muitos nomes e grande destaque para os candidatos de extremo.

DINHEIRO – Mas isso não era esperado?

MENIN –Todo mundo sabia que ia acontecer. Não é surpresa para ninguém na hora que os dois candidatos que se apresentam como de extrema-direita e de esquerda saíram na frente, enquanto os candidatos de centro ficam perdidos, todos igual a cachorro correndo atrás do rabo. Se tivéssemos só um candidato de centro, aí teríamos uma eleição mais equilibrada.

DINHEIRO – Qual a relação entre o número de candidatos e a simpatia do eleitor por discursos mais radicais?

MENIN – A população brasileira está machucada demais. E com razão. Ela quer mudanças, isso é nítido. Mas o problema é que não sei se está escolhendo o caminho certo. Não acredito que o extremismo seja a mudança que a população quer. Tenho medo que essa ânsia por mudanças acabe em um resultado muito negativo para a própria população brasileira. Outro ponto é o seguinte: infelizmente não tivemos uma renovação de lideranças. Existe hoje um vácuo de grandes líderes políticos. O sistema eleitoral brasileiro é perverso, com 35 partidos. Não se discute ideias. As pessoas se candidatam para se tornar profissionais de política. Com isso, perdemos as lideranças. Fui criado em um ambiente com líderes importantes, mesmo que discordássemos deles. Tínhamos Ulysses Guimarães, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola ou o próprio Lula. Hoje, quem é líder? Essa falta de liderança é um problema muito sério no Brasil, que tem favorecido o extremismo.

DINHEIRO – A semelhança entre a eleição de 1989 e a deste ano é resultado de dois longos períodos de crise econômica?

MENIN – A leitura que faço é que o Brasil, na última década, cresceu 1,5% por ano, em média, num ritmo abaixo do crescimento populacional. Na prática, tivemos decréscimo de renda per capita. Isso é uma perda geral para toda a população. Entendo que isso é resultado dos enroscos políticos que o País viveu nesse período. Vejo que o que está sendo conversado agora, esse diálogo de extremos, não está chegando à conclusão alguma. Só acusação de um lado para o outro. Assim, depois das eleições, vamos ter mais do mesmo. E vamos continuar crescendo abaixo a média mundial, muito abaixo da média dos emergentes e perdendo competitividade.

DINHEIRO – Perdemos competitividade?

MENIN – Perdemos porque estamos mal gerenciados. A política tem atrapalhado o desenvolvimento econômico e isso é ruim para todo mundo. E a população não está percebendo isso com tanta clareza. Está tão angustiada e desnorteada com tantos desmandos e com essa política baixa no Brasil que está procurando soluções extremas.

DINHEIRO – Existe a possibilidade de uma virada nessa reta final das eleições?

MENIN – Acho muito difícil sair do que está aí. Não sou especialista, mas o que vejo é que será muito difícil evitar que os extremos se enfrentem no segundo turno.

“A eleição deste ano está repetindo o que aconteceu em 1989, com destaque para candidatos de extremo”Debate entre Lula e Collor na véspera do pleito de 1989

DINHEIRO – Qual é o modelo de Estado defendido pelo sr. e pelo movimento? Muitos setores que agora pedem menor interferência do governo foram, nos últimos anos, beneficiados por programas de incentivo federal, no caso da MRV o ‘Minha Casa Minha Vida’…

MENIN – Sobre o Minha Casa Minha Vida, é preciso olhar para o programa em duas partes, uma que é sustentada pelo Estado, que é intervencionista, outra que é mantida pelo mercado, que é o faixa dois e três. A parte do governo não foi bem, está parada, enquanto o lado tocado pelo mercado é um sucesso. No Minha Casa Minha Vida, ficou provado que o governo não tem dinheiro para dar casa para todo mundo. Então, o sucesso precisa ser atribuído a um diálogo com a iniciativa privada. O Estado é importante até um determinado momento. A regulação passa pelo Estado, mas a iniciativa privada é que faz a coisa acontecer.

DINHEIRO – O melhor é um “Estado médio”?

MENIN – Está provado que intervencionismo não funciona. Se a gente quiser experimentar esse modelo mais uma vez, não vai dar certo de novo. Muito mais importante do que isso: um País com 200 milhões de pessoas e boa parte da população vivendo em situação precária, precisa de assistência social. Não podemos deixar a coisa solta. Então, o governo é essencial nessa área e precisa investir. Mas veja que interessante. O Bolsa Família movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. As doações privadas no Brasil representam apenas 0,2% do PIB, o que representa cerca de US$ 6 bilhões, algo próximo aos R$ 30 bilhões. E esse dinheiro tem sido muito mais eficiente para o estímulo à economia. Ou seja, precisamos estimular as doações privadas no Brasil, dentro de um modelo que dá mais varas de pescar e menos peixe. Nos Estados Unidos, as doações privadas somam 1,5% do PIB, algo que representa seis vezes o nosso Bolsa Família. Então, uma saída para o Brasil é o estímulo ao Terceiro Setor. Só assim vamos tirar as pessoas da miséria.

DINHEIRO – O que preocupa mais os empresários nos discursos dos candidatos?

MENIN – Preocupa qualquer coisa que mude radicalmente. O Estado não pode ficar do tamanho que está. É muito grande, ocupa um espaço muito grande na economia e se alimenta de uma carga tributária que tira a competitividade do Brasil. Então, é fundamental reduzir o tamanho do Estado. Isso significa melhorar a eficiência de um Estado que arrecada muito dinheiro e gasta muito mal. Tem de fazer as reformas para permitir uma redução da carga tributária, o aumento da competitividade do setor produtivo e a ampliação do ritmo de geração de empregos. Isso não está na pauta, o que pode nos levar à situação difícil. Sem as reformas, não vamos virar a Venezuela, mas podemos virar uma Argentina. Com a crise, nós já perdemos uma década na economia. Se nada for feito agora, vamos perder duas décadas.

DINHEIRO – Duas décadas…?

MENIN – Sim. Hoje, já estamos perdendo de 50 mil a 100 mil pessoas de jovens extremamente capacitados por ano. A sociedade brasileira investiu neles e, agora, estão indo para fora porque estão desorientados com a situação do Brasil. Precisamos estancar isso. E o extremismo não vai conseguir. Vai acelerar esse processo de fuga. Se não vamos ser uma nação de exportação agrícola, de commodities. Isso não segura um país. A Venezuela tem uma quantidade enorme de petróleo e deu errado.