No dia 24 de fevereiro de 2022, as forças armadas da Rússia iniciaram uma operação de invasão ao território da Ucrânia numa aparente tentativa de anexar esse país. Do ponto de vista militar não parecem existir dúvidas sobre o desfecho do conflito: a Ucrânia será subjugada pelas forças militares russas imensamente superiores. A questão que merece ser analisada com mais detalhes é de natureza econômica, a saber: quais os impactos da guerra sobre a economia internacional e sobre a do Brasil em particular.

Em dezembro de 2021, a Rússia anunciou publicamente que realizaria manobras militares nas proximidades com a fronteira com a Ucrânia. Desde então temos observado um aumento considerável dos preços das commodities nos mercados internacionais. Entre 03 de janeiro e 23 de fevereiro de 2022, os preços nos mercados futuros do trigo, petróleo e soja aumentaram 14,81%, 21,25% e 24,62% respectivamente. Após o início das hostilidades e da aplicação das sanções econômicas a Rússia (até 3 de março), os aumentos de preços dessas commodities foram, respectivamente, de 7,23%, 16,08% e 11,28%.

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Aqui temos a primeira consequência econômica do conflito na Ucrânia, qual seja: uma forte elevação dos preços dos alimentos e da energia, o qual atinge não apenas a economia russa, mas todas as economias do mundo. Esse choque de oferta irá produzir uma aceleração da inflação a nível mundial, o que demandará uma antecipação do aumento da taxa básica de juros nos Estados Unidos – a qual já estava “precificada” para ocorrer em algum momento no segundo semestre de 2022 – produzindo uma reação em cadeia nos Bancos Centrais dos demais países desenvolvidos, mesmo no caso do Banco Central Europeu liderado por Christine Lagarde, o qual  vinha se mostrando refratário a um aumento da taxa de juros (atualmente no nível de -0,5% a.a.) devido a recuperação ainda incompleta do emprego e da renda na Área do Euro face aos efeitos da pandemia do Covid-19.

A segunda consequência econômica será, portanto, um aperto na política monetária mais forte do que o previsto no final de 2021 nas economias desenvolvidas, o que irá se traduzir numa desaceleração do crescimento dessas economias ao longo do ano de 2022. As sanções econômicas aplicadas a Rússia – cuja efetividade para remover Putin do poder é duvidosa haja vista os exemplos prévios de Cuba, Coreia do Norte, Venezuela e Síria – deverão piorar esse quadro. A retirada (parcial) dos bancos russos do sistema Swift não só não irá inviabilizar as exportações de petróleo da Rússia, dado que elas serão feitas por bancos de outros países; como ao aumentar o custo financeiro delas fará com que no final os consumidores dos países desenvolvidos acabem pagando mais caro pelo petróleo importado.

O Brasil, ao contrário do afirmado pelo ministro da economia, não passará imune por esses efeitos devido a (sic) sua distância geográfica com o teatro de guerra. O aumento dos preços dos alimentos e energia irão manter a inflação pressionada no Brasil ao longo do ano de 2022, sendo pouco provável que o IPCA acumulado em 12 meses feche o ano abaixo de 7%, ficando acima do teto do regime de metas de inflação pelo segundo ano consecutivo. Nesse contexto, o BC deverá prolongar o ciclo de elevação da taxa Selic, finalizando o mesmo no segundo semestre, com um nível próximo a 14% a.a. O prolongamento do ciclo de aperto monetário deverá reduzir ainda mais a tração da economia brasileira, fazendo com que o crescimento em 2022 fique abaixo da previsão de 0,6% feita pelo Boletim Macro IBRE/FGV em 21 de fevereiro. Minha previsão é de que no atual cenário o PIB no Brasil deverá apresentar uma contração ao longo do ano de 2022.

* Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (Bilbao/Espanha)