Enquanto uma recuperação econômica robusta não surge horizonte, o governo comemora pequenas vitórias e sinais modestos de aquecimento, caso da criação de 121 mil empregos em agosto. Em termos realistas, isso significa pouco para um País com 12,6 milhões de desempregados, quase 36 milhões de trabalhadores por conta própria ou informais e 4,7 milhões de desalentados. O trimestre encerrado em agosto ainda apresentou queda de 0,2% da renda média real dos brasileiros, para R$ 2.298, sobre um ano antes. Isso se explica pela criação de empregos de baixa qualidade ou informais. Como resultado da crise, 65,1% dos brasileiros se declararam endividados em setembro, segundo a Confederação Nacional do Comércio.

As más notícias dos últimos meses também incluem recuo de 0,7% do investimento em agosto, segundo indicador do IPEA. A queda quebrou uma sequência de sete meses de alta. Além de tudo isso, o déficit fiscal segue crescente. A dívida bruta do governo geral atingiu, em agosto, R$ 5,6 trilhões, ou 79,8% do PIB. É um cenário bastante diferente das promessas de campanha do então candidato Jair Bolsonaro e de seu superministro da Economia, Paulo Guedes.

Após nove meses de governo, o mercado esperava muito mais. Com o apoio às reformas por parte dos empresários, congressistas e setores da sociedade, o caminho parecia mais fácil. A votação da reforma da Previdência em primeiro turno no Senado ilustra bem as dificuldades. Apesar de aprovada, houve novo baque para o governo. Surpreendendo o ministério da Economia e o mercado, os senadores barraram da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência o trecho que previa o pagamento de abono salarial apenas para quem recebe até R$ 1.364 ao mês. O destaque, apresentado pelo partido Cidadania e apoiado pela oposição, manteve as regras atuais, de abono para quem ganha até dois salários mínimos, R$ 1.996. A medida beneficia 23 milhões de pessoas e faz a reforma perder uma economia de R$ 76 bilhões, em 10 anos.

Com isso, a proposta de economizar R$ 1,237 trilhão em 10 anos com a Previdência aventada por Guedes em abril caiu para R$ 800 bilhões. Nem o mais otimista esperava que a economia almejada pelo ministro seria possível, mas o corte realizado foi acima do esperado. “Não foi nem uma desidratação da reforma, eu chamaria de um corte drástico”, diz Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getulio Vargas.

Agora, Guedes tem a dura missão de compensar ao menos em parte as perdas previstas para os próximos anos. A economia agora só estabiliza a despesa previdenciária, mas não vai ajudar a evitar o estouro do teto de gastos. Será necessário um ajuste fiscal, a geração de superávits e conter a alta da dívida pública.

A derrota no Senado foi creditada, em parte, à menor experiência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em relação ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Também sobraram críticas aos sucessivos problemas de articulação do governo no Congresso, situação que pode piorar depois dos atritos de Bolsonaro com o seu próprio partido, o PSL. No caso da derrubada nos cortes do abono salarial, o revés do governo foi ainda mais improvável porque, mesmo dentre os defensores dos aumentos de gastos com assistência social, há quem seja contrário ao mecanismo, uma vez que esse dinheiro é direcionado a trabalhadores registrados, ele não atinge informais e desempregados.

Aprovação conturbada: aprovada em primeiro turno no Senado, a reforma da Previdência ganhou um destaque que custará R$ 76 bilhões, em 10 anos. Há pouca margem para recuperar a diferença (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A reação de Guedes frente à derrota no Senado foi ampliar o confronto. Ele prometeu retaliar os congressistas, em cada bilhão perdido, com a diminuição dos repasses de socorro aos entes da federação. “A equipe econômica quer fazer um novo pacto federativo, para dar mais flexibilidade aos estados e municípios, mas agora ele vai precisar ser mais modesto”, diz Pedro Henrique França, economista-chefe da GO Associados.

O governo também terá de fazer novos cortes nos investimentos e custeios, o que pode ter consequências dramáticas e paralisar a atuação federal, o chamado shutdown. Pressionado pelos crescentes gastos obrigatórios, como despesas com a folha de pagamentos, o governo prevê, para 2020, investimentos públicos de módicos R$ 19,36 bilhões, forte queda ante aos já baixos R$ 27,38 bilhões previstos para este ano.

Numa conta simples, o valor desidratado da Previdência pelo Senado, de R$ 76 bilhões em uma década, permitiria um gasto médio de R$ 7,6 bilhões por ano, ou 40% da capacidade de investimento para 2020, lembra França. Isso vai estimular a busca por mudanças na chamada regra de ouro, medida de controle fiscal que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes. Um projeto de lei de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) dá uma indicação de como ela pode ser alterada: que a conta do déficit primário desconsidere despesas com juros.

Sem uma mudança na regra, o governo correria o risco de romper o teto de gastos, ou buscar manobra contábil para gastar mais sem cometer uma ilegalidade, alternativa a qual Guedes tem se posicionado contra. No mês passado, em palestra para empresários de Fortaleza, ele declarou: “Não vamos furar o teto, vamos abaixar o piso”. Isso significaria um maior controle das despesas, na proposta de pacto federativo. Segundo Kasznar, da FGV, o governo deveria buscar as soluções dolorosas, com a revisão de empregos públicos dos Três Poderes. “Com a tecnologia, existem diversos cargos extinguíveis. Há muitos privilégios no serviço público”, diz. “Além disso, mesmo que justificadamente, o segmento militar conseguiu se evadir de participação no grande sacrifício nacional.”

Se o governo Bolsonaro parece pouco inclinado a aprovar regras mais duras para os militares, a grande aposta reside na PEC paralela. Como os funcionários de estados e municípios ficaram de fora da reforma Previdência para facilitar a aprovação do projeto principal, outra proposta de emenda da Constituição foi criada no Senado para incluir esses agentes na reforma e economizar R$ 100 bilhões em 10 anos. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as perdas impostas à reforma prejudicam a busca pelo equilíbrio das contas. Mas, com a PEC paralela, o Senado aperfeiçoou a proposta da Câmara. “A reforma é capaz de equacionar o déficit da Previdência no médio prazo, trazendo mais previsibilidade para as contas públicas”, diz Robson Andrade, presidente da CNI.

A PEC paralela, no entanto, pode ter uma tramitação complicada no Congresso, a julgar pelos interesses políticos, hostilidade ao governo demonstrada na última votação no Senado, comunicação errática da Presidência, falta de foco nas prioridades econômicas e atraso no calendário da aprovação. Agora, a votação do Senado em segundo turno deve ficar para 22 de outubro, depois da volta de diversos senadores da canonização de Irmã Dulce, no Vaticano. Só depois que for finalizado o capítulo da Previdência, e com alguma compensação às economias perdidas, o governo poderá cantar vitória.