Na quarta-feira (15), Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, disse o que todos os especialistas já sabiam, mas não queriam ouvir. Na entrevista coletiva concedida após a última reunião de 2021 do Federal Open Market Committee (Fomc), versão americana do Copom, Powell afirmou que vai acelerar a retirada de estímulos à economia e que os juros poderão começar a subir já em março de 2022.

Atualmente, os Fed Funds, equivalentes à taxa referencial Selic, estão na faixa entre zero e 0,25% ao ano. Powell afirmou que alta pode começar no segundo trimestre. Devem ocorrer três aumentos no ano que vem, com os Fed Funds encerrando o ano entre 0,75% e 1,0% ao ano. A expectativa para 2023 é mais dispersa: as altas continuam, mas, na ponta do lápis, a expectativa de taxa para dezembro vai de 1,25% até um máximo de 2,0%.

Esse processo vai começar quando a injeção de dinheiro na economia tiver cessado. A partir de janeiro, o Fed reduzirá em US$ 30 bilhões mensais a sua compra de títulos públicos e hipotecários. Até outubro, essas compras injetavam US$ 120 bilhões na economia todos os meses. Em novembro e em dezembro as aquisições caíram em US$ 15 bilhões mensalmente.

A expectativa anterior era que o programa estaria encerrado em julho. No entanto, Powell anunciou que o passo será acelerado, e as compras terminam em março.

As declarações de Powell confirmaram as expectativas de endurecimento da política monetária nos Estados Unidos. A inflação americana está elevada demais. Até novembro, o Consumer Price Index (CPI) acumula alta de 6,8% em 12 meses, o nível mais elevado desde 1982. Isso ocorre especialmente devido à alta de preços dos combustíveis e das commodities minerais, energéticas e agrícolas. Além disso, a demanda está desbalanceada, pois as cadeias globais de suprimentos ainda não se ajustaram.

Por isso, o Fed terá de fazer a parte desagradável do trabalho de um banqueiro central: desaquecer a economia e evitar uma alta excessiva nos preços. Porém, ao contrário do que seria de se esperar, isso pode provocar uma alta nos preços das ações.

AP Photo/Andrew HarnikFIM DA FESTA Jerome Powell, presidente do Fed, deve começar a elevar os juros nos Estados Unidos no segundo trimestre de 2022. (Crédito:AP Photo/Andrew Harnik)

RISCO CONHECIDO A princípio, essa ideia parece absurda. Pelo livro texto, juros mais elevados derrubam os preços das ações. É fácil entender. Taxas mais altas reduzem o consumo. As empresas vendem menos, lucram menos e pagam dividendos menores. As ações se tornam menos atrativas e os investidores vendem os papéis menos promissores ou mais caros e voltam para a renda fixa. Esse raciocínio está correto. Porém, ele não considera algo importante no mercado, que são as expectativas.
Segundo o especialista em investimentos da empresa de análise independente Suno, Vitor Duarte, a melhor comparação é com um aplicativo de navegação que indica o melhor caminho e também o tempo estimado do trajeto.

Duarte traçou um paralelo didático. Suponha que você está viajando durante os feriados de fim de ano, se depara com um engarrafamento na estrada e consulta o aplicativo. Há dois cenários possíveis. No primeiro, o sistema informa que sua viagem vai demorar duas horas a mais que esperado. No segundo, o aplicativo informa que a estrada está interditada e não há previsão para o horário de chegada. “Os dois cenários são ruins, mas diferentes”, disse Duarte. “No primeiro, você se conforma com o tempo a mais e segue viagem. No segundo, devido à incerteza, você pega o primeiro retorno e volta para casa.”

Sem nenhuma certeza, os investidores preferem desistir da viagem da bolsa e retornar à renda fixa, o que derruba as ações. Com o futuro mais definido, os analistas refazem as contas. Podem até alterar algumas ações, mas não desistem de procurar boas alternativas na Bolsa, o que provocou a elevação dos preços em dezembro. Essa entidade chamada mercado prefere uma situação ruim e conhecida a um cenário indefinido e desconhecido. O endurecimento da política monetária americana é uma notícia ruim, mas que acabará com a incerteza e deve sustentar uma alta das ações. “A economia americana segue crescendo, as empresas melhoraram seu desempenho e a liquidez está elevada, o que deve garantir bons resultados”, disse Duarte.