Eram 20h30 da terça-feira 27 quando a mexicana Purificación Carpinteyro, principal executiva da Embratel, desembarcou no Aeroporto Santos Dumont. Estava ansiosa. Ligou seu celular e viu que recebera uma dúzia de mensagens durante o vôo de São Paulo ao Rio de Janeiro. Ouviu uma a uma ? e todas lhe felicitavam pelo desfecho de uma das mais acirradas disputas empresariais da história recente do País. Purificación soube que, minutos antes, em Manhattan, o juiz Arthur González, da Corte de Falências de Nova York, havia colocado um ponto final no processo de venda da Embratel, após uma audiência que durou nove horas. Em nome dos credores da empresa americana MCI, ex-controladora da operadora do 21, González aceitou a oferta de US$ 400 milhões feita pela Telmex, do bilionário mexicano Carlos Slim Helú. Era um valor US$ 150 milhões menor do que a proposta apresentada por um outro consórcio, o Calais, que reunia as três empresas brasileiras de telefonia fixa: Brasil Telecom, Telefônica e Telemar. ?Nem sempre o maior preço é melhor para o vendedor?, disse o juiz González. Purificación ficou eufórica ao receber a notícia. Foi à sede da Embratel para comemorar com seus diretores e, em seguida, saiu para jantar. Era seu aniversário de casamento. ?Melhor, impossível?, disse Purificación.

 

A escolha pela oferta da Telmex, mesmo com um preço menor, já era previsível. Isso porque, em julho de 2002, quando a MCI entrou em concordata, o magnata Slim tornou-se um dos principais credores da companhia e ganhou um assento no Conselho. Mas a vitória mexicana ficou praticamente irreversível nos instantes finais da disputa, no domingo 25, quando vieram a público documentos apreendidos pela polícia na sede da Telefônica, em São Paulo. Eram papéis que estavam sobre a mesa do presidente Fernando Xavier e do vice-presidente Eduardo Navarro. Revelavam detalhes de um ?plano Carnaval?, que tratava justamente da compra da Embratel. Neles, dizia-se que, após a aquisição, a Telefônica teria ganhos de R$ 750 milhões porque poderia ?alinhar as tarifas pelo teto?. Os mesmos documentos foram usados pelos advogados da Telmex e da MCI na audiência de Nova York, sendo apontados como uma evidência de cartelização. Também foram juntados a outros processos que investigam as teles por práticas anticompetitivas no Brasil. ?Todos sabiam que o rei estava nu?, disse Purificación à DINHEIRO. ?Agora vieram as provas.? O golpe foi duro e teve repercussões na decisão da corte americana. ?Corríamos o risco de nos envolver em atividades criminosas?, disse Douglas Webster, da MCI, diante do juiz González. Executivos das operadoras fixas ficaram estarrecidos e insinuaram que a Embratel estaria por trás da batida policial na Telefônica. E a escolha de uma oferta menor afetou os preços dos papéis da operadora. Na quarta-feira 27 e na quinta 28, as ações ON da Embratel caíram 5%.

A proposta das companhias locais, que saiu derrotada, chegava perto de US$ 2 bilhões ? além dos US$ 550 milhões que seriam pagos à MCI, as empresas assumiriam uma dívida de US$ 1,2 bilhão. Para a Embratel, tamanho apetite se explica por uma só razão. ?Somos os únicos concorrentes reais das operadoras fixas?, diz Purificación. Embora as teles fixas dominem cerca de 98% da telefonia local em suas áreas de atuação, há sinais de uma competição crescente no mercado corporativo, que atende grandes empresas. Em março, por exemplo, a Eletropaulo, principal distribuidora de energia do País, trocou todas as suas linhas telefônicas, e abandonou a Telefônica. Os números agora começam com o 21 da Embratel. A empresa também transferiu seu call-center, o maior do País, à operadora. A Fiat, que tem 10 mil ramais e faz 40 milhões de pulsos por ano, já interliga as concessionárias de todo o território nacional à sua sede, em Belo Horizonte, por um sistema de telefonia local da Embratel. Em Brasília, o Serpro, que processa os dados eletrônicos do governo federal, também aderiu aos serviços locais da empresa ? segundo a Embratel, as reduções de preços para o setor público chegam a 25%. Além disso, no mercado residencial, a operadora está prestes a lançar em várias capitais um produto batizado como ?Livre?, que não cobra assinaturas dos clientes. ?Nós chegamos com muita vontade de competir e vamos reduzir o custo das tarifas no Brasil?, disse Arturo Ayub, diretor de relações institucionais da Telmex.

A ofensiva mexicana assusta ? e muito ? as operadoras brasileiras. De um lado, o grupo de Slim é praticamente monopolista em seu mercado de origem. Tem 98% dos serviços locais e mais de 70% das chamadas de telefonia celular e longa distância. ?Eles geram caixa de sobra para investir no Brasil?, afirmou à DINHEIRO Gabriela Baez, da Pyramid Research, uma das principais consultorias globais de telecomunicações. Sua aposta é que Slim irá aproveitar a infra-estrutura da Embratel e da AT&T Latin America, recentemente adquirida pela Telmex, para disseminar serviços de voz sobre IP, ou seja, pela internet. No Brasil, ao contrário do México, há mais competição porque quase 50% do tráfego telefônico já é feito pelas companhias de telefonia celular. O próprio Slim é dono de uma das maiores, a Claro, que tem 10 milhões de clientes. Isso contribui para que as operadoras fixas nacionais lucrem menos do que a Telmex ? um relatório recente do banco Bear Stearns apontou que as tarifas mexicanas são as mais altas da América Latina. E não é só isso que preocupa as teles nacionais. ?A Telmex é agressiva e costuma ser acusada de ter relações muito próximas com os órgãos reguladores?, diz o consultor mexicano José Hernandéz, do Centro de Investiga-
ciones para el Desarrollo. Na Cidade do México, é a Comisión Federal de Telecomunicaciónes (Cofetel) que define as tarifas. No entanto, depois da apreensão policial na Telefônica, surgiram papéis que comprometem a própria Agência Nacional de Telecomunicações, órgão brasileiro equivalente ao Cofetel mexicano. Um deles é um e-mail encaminhado pelo chefe da agência, Pedro Jaime Ziller, ao presidente da Telefônica, Fernando Xavier, com a minuta do decreto que estabeleceu a política nacional de telecomunicações. Xavier imprimiu a mensagem e escreveu, de próprio punho, um bilhete encaminhado ao seu vice-presidente Eduardo Navarro, pedindo que alterasse trechos da minuta para que a lei atendesse ao ?objetivo pretendido?. Agora, o Ministério Público Federal irá investigar se a peça que foi editada no governo Lula teve ou não o dedo da Telefônica.

Colaborou Ivan Martins

CRONOLOGIA DE UM
CASAMENTO ANUNCIADO
Entre o leilão na Bolsa do Rio e a venda para a Telmex,
a Embratel superou crises e o assédio das teles fixas
A PRIVATIZAÇÃO :
Em julho de 1998, a empresa americana
MCI comprou a Embratel por US$ 2,3
bilhões, com ágio de 30% em relação ao preço mínimo fixado pelo governo federal.
O DESEMBARQUE :
O empresário Carlos Slim, dono da Telmex, desembarcou no
Brasil em 2000, quando a América Móvil adquiriu a empresa
de telefonia celular ATL.
A FRAUDE :
Em 2002, a MCI, que havia sido rebatizada como WorldCom e já era controlada pelo empresário Bernard Ebbers (foto), anunciou uma fraude de US$ 4 bilhões em seus balanços, a maior da história.
A CRISE :
A guerra de preços nos interurbanos
afetou os resultados da Embratel. Em
2001 e 2002, o prejuízo acumulado foi
de R$ 1,2 bilhão. A ação virou pó.
O PLANO DAS FIXAS:
No fim de 2002, Brasil Telecom, Telefônica e
Telemar montaram a primeira operação para
tentar comprar a Embratel. À frente do negócio estava o banqueiro Roger Wright (foto à esq.), gestor do fundo Bassini, Playfair e Wright.
O AVANÇO MEXICANO:
Em 2003, o grupo de Carlos Slim
comprou a BCP, que pertencia à BellSouth. Em seguida, unificou as empresas de celulares sob a marca Claro, que já
atingiu 10 milhões de clientes e se
tornou a segunda maior do Brasil.
O SEGUNDO LEILÃO:
No começo de 2004, a MCI colocou a Embratel à venda e atraiu o interesse de três grupos: Telmex, Telos (fundo de pensão dos empregados da Embratel) e Calais (consórcio das operadoras fixas).
A COSTURA POLÍTICA:
O consórcio Calais, cujo porta-voz era o executivo Otávio Azevedo (foto), obteve o apoio tácito do governo brasileiro para o negócio.
O APOIO DO BNDES:
Carlos Lessa, presidente do BNDES, anunciou que o banco (foto à dir.) poderia aportar 40% dos recursos a serem usados pelas teles fixas e entrou com queixa na CVM contra a proposta feita pela Telmex.
A APREENSÃO POLICIAL:
Documentos apreendidos na sede da Telefônica, presidida por Fernando Xavier (foto à esq.), revelaram a intenção de ?alinhar as tarifas pelo
teto? e a perspectiva de ganhos de R$ 750
milhões com a compra da Embratel
SLIM PREVALECE:
Na noite da terça-feira 27, o juiz Arthur Gonzalez, da Corte de Falências de Nova York, anunciou que a proposta da Telmex para a compra da Embratel, de US$ 400 milhões, havia sido aceita.