No sábado (18), o Facebook, que muitas vezes segue a postura de “falem-mal-mas-falem-de-mim”, ignorando ataques, teve de sair dessa inércia para se manifestar oficialmente em relação às investigações publicadas pelo The Wall Street Journal na semana passada. Intitulada “Os Arquivos do Facebook”, a série de reportagens mostra que padrões e pesquisas feitos pela empresa de Mark Zuckerberg são sistematicamente ignorados em nome de não prejudicar a performance da plataforma e seus produtos, como o Instagram. “As reportagens contêm caracterizações errôneas deliberadas do que estamos tentando fazer”, afirmou a companhia na nota oficial assinada por Nick Clegg, o vice-presidente de Assuntos Globais. Entre a quarta-feira (14), véspera de veiculação das reportagens, e sexta-feira (17), as ações haviam caído 3,2%. Nada ainda que pareça abalar o valor de mercado da big tech, de US$ 1 trilhão.

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Na série de reportagens, há cinco graves acusações sobre o Facebook. Na primeira parte, revela-se a existência de um seleto grupo de contas sobre as quais as regras aplicadas não são as mesmas do que as regras para o usuário comum. Um Clube de Vips. Contas de políticos e celebridades. Uma pessoa comum que poste uma foto ou mensagem considerada inadequada pelas regras terá esse conteúdo removido e pode ter a conta bloqueada. Se você fizer parte da Elite do Face, não. São quase 6 milhões de usuários acima da lei. Dentro de 2,895 bilhões de contas que a plataforma tem, isso dá míseros 0,2%.

Na segunda reportagem, o jornal afirma que o Facebook pesquisa há anos os efeitos colaterais que o Instagram provoca em seus usuários, especialmente as adolescentes. Em um desses estudos, os resultados mostrariam que uma em cada três meninas se sentem piores em relação ao próprio corpo. Revelou-se também que há conclusões relacionadas ao aumento de quadros de ansiedade e depressão entre usuários da plataforma.

Na terceira parte, a série trata de uma mudança feita em 2018. Nela, o algoritmo foi modificado porque a empresa percebeu que caia o engajamento de seus usuários. Com a mudança, o próprio Zuckerberg anunciou que seria ampliada a interação das pessoas com familiares e amigos. Documentos internos publicados pelo The Wall Street Journal mostraram o avesso: as pessoas ficaram mais irritadas, mas não se voltou atrás porque isso não comprometia o nível de interação. Pelo contrário, ajuda. O Facebook respondeu ao jornal que qualquer algoritmo pode promover conteúdo questionável ou prejudicial e que faz o possível para minimizar o problema.

No quarto bloco, as denúncias tratam de funcionários fazendo alertas de altíssima gravidade sendo ignorados nas instâncias superiores na empresa. São acusações como o de disseminação de discursos de ódio e que incitaram a violência contra minorias étnicas na Etiópia ou de postagens que foram usadas para atrais mulheres para situações de tráfico humano no Oriente Médio. Os avisos incluem alertas sobre tráfico de órgão, pornografia e perseguição de governos a opositores e dissidentes políticos.

Na quinta e última parte, The Wall Street Journal mostra uma situação kafkiana. Defender a vacinação dos americanos contra a Covid foi uma das bandeiras oficiais adotadas pelo Facebook. Mesmo sendo a vontade explícita de seu principal executivo e fundador, Mark Zuckerberg, os negacionistas inundaram a plataforma com mensagens classificadas como “barreira à vacinação”. Os memorandos internos mostram que a plataforma acabou colaborando mais para a disseminação da dúvida sobre a vacina, numa clara demonstração que nem o Criador controla mais a Criatura.

A seguir, a íntegra da nota oficial da empresa assinada por Nick Clegg sobre a série de reportagens veiculados pelo The Wall Street Journal.

“Muito se falou sobre o Facebook esta semana. Uma série de reportagens publicadas pelo The Wall Street Journal enfocou algumas das questões mais difíceis que enfrentamos como empresa – desde moderação de conteúdo e desinformação sobre vacinas até distribuição algorítmica e bem-estar dos adolescentes. Essas são questões sérias e complexas e é absolutamente legítimo sermos responsabilizados pela maneira como lidamos com elas. Mas as reportagens contêm caracterizações errôneas deliberadas do que estamos tentando fazer e conferem motivações falsas à liderança e aos funcionários do Facebook.

“No cerne desta série está uma alegação que é simplesmente falsa: que o Facebook conduz pesquisas e então as ignora sistemática e deliberadamente se as descobertas forem inconvenientes para a empresa. Isso contraria os motivos e o trabalho árduo de milhares de pesquisadores, especialistas em políticas e engenheiros do Facebook que se esforçam para melhorar a qualidade de nossos produtos e para compreender seu impacto mais amplo (positivo e negativo). É uma afirmação que só poderia ser feita escolhendo citações seletivas do material vazado de uma forma que apresente questões complexas e matizadas como se houvesse apenas uma resposta certa.

“Como em qualquer pesquisa, há alternativas de melhoria que são eficazes para buscar e outras em que as compensações ou resultados são piores do que a correção proposta. O fato de que nem toda sugestão que um pesquisador levanta ser posta em prática não significa que as equipes do Facebook não estão continuamente considerando uma série de melhorias diferentes. Ao mesmo tempo, nenhuma dessas questões pode ser resolvida apenas pelas empresas de tecnologia. Por isso trabalhamos em estreita parceria com pesquisadores, reguladores, legisladores e outros.

“Mas nada ajuda o trabalho colaborativo essa visão deliberadamente distorcida dos fatos. Por exemplo, sugerir que a desinformação de alguma forma superou nossa resposta à vacina contra a Covid-19 ignora o fato mais importante: a hesitação da vacina entre os usuários do Facebook nos EUA diminuiu cerca de 50% desde janeiro. A reportagem discute longamente como as postagens pró-vacina são prejudicadas por comentários negativos, mais uma vez enterrando um ponto crucial: que as organizações de saúde continuem postando porque suas próprias medições mostram como suas postagens em nossas plataformas efetivamente promovem vacinas, apesar dos comentários negativos.

“Da mesma forma ocorre em sugerir que a comunidade de pesquisadores está assentada em sua visão sobre a interseção entre mídia social e bem-estar das pessoas. A verdade é que a pesquisa sobre o impacto da mídia social nas pessoas ainda é relativamente incipiente e está evoluindo, e a própria mídia social está mudando rapidamente. Alguns pesquisadores argumentam que precisamos de mais evidências para entender o impacto da mídia social nas pessoas. Cada estudo tem limitações e ressalvas, portanto, nenhum estudo individual será conclusivo. Precisamos ter um corpo cada vez maior de pesquisas multimétodos e contribuições de especialistas.

“O que seria realmente preocupante é se o Facebook não fizesse esse tipo de pesquisa. A razão de fazermos isso é segurar um espelho para nós mesmos e fazer as perguntas difíceis sobre como as pessoas interagem em escala com a mídia social. Frequentemente, são problemas complexos para os quais não há respostas fáceis – apesar do desejo de reduzi-los a uma manchete de jornal que chamasse a atenção.

“O Facebook entende a responsabilidade significativa que advém de operar uma plataforma global. Nós levamos isso a sério e não evitamos o escrutínio e as críticas. Mas rejeitamos fundamentalmente essa descaracterização de nosso trabalho e contestação dos motivos da empresa. Eu gostaria que houvesse respostas fáceis para essas questões e que as escolhas que poderíamos fazer não viessem com trocas difíceis. Este não é o mundo em que vivemos. Continuaremos a investir em pesquisas sobre essas questões sérias e complexas. Continuaremos a nos fazer as perguntas difíceis. E continuaremos a melhorar nossos produtos e serviços.”