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O presidente do BC desafia o mercado e cria a intervenção silenciosa

 

Atenção, tubarões: Armínio Fraga, o sujeito que fez fortunas para George Soros apostando contra as moedas da Ásia em 1997, está de volta ao cassino, desta vez operando a favor do real. Na semana passada, ele ergueu as mangas de crupiê e fez aquilo que lhe valeu na praça a fama de geninho e o salário (sub)estimado em US$ 1,2 milhão por ano: surpreendeu a garotada de gravata Ermenegildo Zegna que senta à frente dos terminais. Fraga deixou o dólar disparar livremente ao sabor da demanda, batendo quatro recordes consecutivos em relação ao real. Quando todo mundo achava que ele iria intervir para esfriar a cotação da moeda, o BC cruzou os braços e começou a assobiar. Resultado: grita geral. Muitos berrando que o BC estava se omitindo e que a escalada da moeda americana iria derrubar as metas de inflação. Outros, solidários com o guardião da moeda, dizendo que seria inútil dar mais dólares a um mercado superexcitado pelos efeitos reais da crise argentina e por uma boa dose de especulação. De qualquer forma, Fraga escolheu fazer o mais difícil: proteger passivamente as metas de inflação, ficar quieto enquanto o barco balança, apostando que cedo ou tarde o mar vai se acalmar.

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Haja nervos, sobretudo porque a economia real está sendo sacudida diariamente pela erupção do dólar. Na semana passada, a diretora Cristina Palmaka, da Compaq, maior fabricante brasileiro de microcomputadores, admitia à DINHEIRO ter sido pega sem hedge, e estar sendo obrigada a espremer suas margens até sair suquinho. Mais embaixo, na cadeia produtiva, a Perdigão aproveitou o crescimento da demanda no exterior, causada pelo real barato, e fez um movimento inesperado: aumentou de R$ 1,50 para R$ 1,68 o quilo da asa de frango no mercado interno.

 

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Cristina Palmaka, da Compaq: “Não sei quanto tempo dá para segurar a tabela com a taxa atual”

É a chamada lei da oferta e procura. ?O dólar é o ativo mais importante da economia?, ensina o veterano Natan Blanche, da consultoria Tendências. ?A política monetária fere, mas o dólar mata.? Navegando na contramão das expectativas, Fraga teve uma semana dura. Acordou cedo, teve de dar muitas explicações e deve ter sofrido o diabo, embora continue a manter aquele ar risonho de quem nunca molha a camisa. ?Não há paralisia nenhuma. Estamos atuando?, disse na quinta-feira, 26, em uma entrevista coletiva chamada para se contrapor à grita do mercado, que clamava por mais carne na arena: quer dizer, mais contratos cambiais bancados pelo governo para permitir contratos de proteção contra a variação cambial, o chamado hedge. O setor produtivo tem um enorme passivo em dólar e precisa se proteger comprando a moeda. Para se ter uma idéia, a dívida das empresas brasileiras em dólares é de US$ 130 bilhões e o patrimônio de companhias estrangeiras instaladas no Brasil é de US$ 200 bilhões. Como há apenas US$ 100 bilhões de papéis cambiais fornecidos pelo BC, a pressão é grande. Mas Fraga deixou claro na quinta-feira que não considera função do Banco Central fornecer hedge, e que o governo só entraria no mercado se houvesse turbulência. Fraga não diz, mas acredita-se que ele pensa que enquanto a crise argentina estiver em curso será inútil lutar contra os desmandos do mercado cambial. Também se diz que ele pensa que a crise dos vizinhos entrou em período terminal, e que mais cedo do que tarde haverá a explosão final que levará o dólar para patamares nunca antes visitados. É para esse espasmo final que os especuladores e o BC estariam se preparando e guardando moeda americana. ?Do jeito que está a Argentina, ficar dando hedge agora só serve para alimentar o monstro da dívida pública brasileira?, acredita o economista Odair Abate, do Lloyds TSB.

 

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Un Chul Hwang, da LG: “Vamos exportar mais para tentar fugir desse momento e perder menos”


A roleta do dólar começou a girar há pelo menos dois meses. Em sua sala, no 20º andar da sede do BC, Fraga vem monitorando o fluxo de capitais à frente de dois computadores e pilhas de planilhas fornecidas por seus diretores. Foi observando a ida e vinda de dólares que ele percebeu o empoçamento da moeda em cofres de bancos e empresas. Em março, a diferença entre entradas e saídas de dólares no Brasil foi US$ 1,6 bilhão. A sobra seria suficiente para fazer a cotação da moeda americana cair, mas o dinheiro não circulou. Os negócios no interbancário, que giravam em torno de US$ 4 bilhões por dia, caíram para US$ 2,6 bilhões.

Há duas semanas, notando a escassez, o BC fez duas ofertas de títulos. A primeira de US$ 1 bilhão na quinta-feira 19 e a segunda, de US$ 2 bilhões, na sexta-feira 20. O presidente do BC percebeu que o remédio não tinha surtido efeito na segunda-feira 23, quando despachava como de costume no BC no Rio de Janeiro. Nesse dia, a moeda subiu 0,67% e fechou a R$ 2,26. Sem mudar sua rotina, Fraga pegou o vôo da 7h15 no dia seguinte para Brasília e foi direto para o BC. Almoçou com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e outros diretores do BC. ?O pânico do dólar é um flagrante exagero?, disse Malan. A pressão do câmbio, claro, foi o prato de resistência da conversa. Fraga voltou à tarde para o BC e, de olho nos computadores, decidiu pelo inusitado: a imobilidade frente ao mercado. ?O dólar sobe e cai sozinho?, explicou ele na quinta-feira. ?Não há fundamentos que sustentem uma cotação muito alta.? Na quarta-feira, saiu às 6 horas para a caminhada diária. Leu os jornais e rumou para o BC. No banco, conversou sobre o impasse e a reestruturação da dívida argentina com diretores e, de olho na tela dos computadores, viu o dólar tocar outra alta recorde, R$ 2,312. Decidiu almoçar em sua sala, frango assado com arroz. À tarde, aproveitou para dar os toques finais na ata do Comitê de Política Monetária ? que explicaria a alta de meio ponto porcentual dos juros, realizada na semana anterior. O documento, também de forma novidadeira, teria uma mensagem clara ao mercado: a crise era passageira e o BC não iria gastar bala para conter a pressão do câmbio. Segundo Fraga, a idéia foi esclarecer a atuação do banco para quem tinha ?hábitos mentais vindos de outros sistemas?. Foi uma referência clara ao sistema de câmbio fixo, defendido pelo seu antecessor, Gustavo Franco, em que intervenções no câmbio faziam parte da rotina. As declarações de Armínio na entrevista à imprensa, aliadas à divulgação da reestruturação da dívida de US$ 29 bilhões da Argentina, fizeram o dólar ?cair sozinho?. A moeda fechou em baixa de 2,27%.

Mesmo tendo vencido essa rodada ? o dólar caía cautelosamente na tarde de sexta-feira – a partida está longe de estar ganha. O risco principal dessa estratégia é que a alta do dólar perdure e abra um rombo na estabilidade de preços. O BC já está projetando para este ano uma inflação medida pelo IPCA de 4,8%, um pouco acima do previsto inicialmente mas ainda dentro da margem de flutuação prevista no sistema de metas de inflação. Os preços, é bom que se avise, já estão em movimento. Ou estão prestes a fazê-lo. A LG Eletronics, que já tinha se prevenido com proteção cambial, está reforçando o orçamento com mais exportações. ?Também estamos segurando a margem de lucro na esperança de que a crise seja passageira?, diz Un Chul Hwang, presidente da companhia. Já a Nintendo/Gradiente, que tem 95% de seus custos atrelados ao dólar por causa dos insumos importados, decidiu renegociar com fornecedores japoneses, cuja posição está mais frágil com a crise nos mercados asiáticos. Quem tem dívidas em dólares também está sofrendo. É o caso da Embratel, que no primeiro trimestre teve uma perda de US$ 215 milhões com as oscilações da moeda americana. O setor aéreo, que tem 60% das dívidas em dólares, também foi prejudicado. Mas há também ganhadores. A região Ribeirão Preto, conhecida pelos negócios agrícolas, registrou nas últimas semanas uma enxurrada de fechamentos de câmbio de exportação. A idéia foi acertar o negócio com o dólar em alta. ?Estamos fechando o que podemos de câmbio porque este é um bom momento para nós?, diz Edivar Vilela de Queirós, quarto maior exportador de carne do País. No jogo do perde e ganha do dólar, resta torcer para que as fichas de Fraga estejam na ponta certa da mesa.