O presidente Mauricio Macri impôs, nos últimos dois anos, um enorme desafio para os argentinos: aceitar a realização de uma profunda reforma econômica em troca de uma inflação mais alta e da redução do poder de consumo. Quando assumiu a Casa Rosada, em dezembro de 2015, ele encontrou um país arrasado por 12 anos de populismo do casal Nestor e Cristina Kirchner. Os dados da economia vinham sendo constantemente manipulados para esconder a real situação da população.

A maquiagem das estatísticas fez com que o Fundo Monetário Internacional (FMI) ignorasse os relatórios produzidos pelos órgãos de governo da Argentina. Entre 2013 e 2016, o país foi suspenso pelo FMI pela demasiada “imprecisão” das informações. Macri não tinha outra alternativa a não ser aplicar total transparência nas contas públicas. No seu primeiro ano de governo, a inflação foi de 41%, a pior dos últimos 25 anos. Para este ano, a projeção é de uma queda para 26,9%. O caminho até a casa de um dígito é longo. E Macri só teria a certeza da aprovação de seu projeto nas eleições legislativas – a cada dois anos, a Argentina renova metade da Câmara e do Senado.

No domingo 22, a aliança Cambiemos (Mudemos) de Macri conquistou uma expressiva vitória e reduziu a influência do kirchnerismo e do peronismo na política argentina. O Mudemos ganhou em 13 das 23 províncias. Dos 33,1 milhões de argentinos aptos a votar, pouco menos de 80% compareceram às urnas. Foi o triunfo mais arrasador de um não-peronista numa eleição de meio de mandato desde 1985. Com isso, a coalização governista passa a ser a maior força da Câmara, com 107 de um total de 257 cadeiras (21 a mais que no primeiro biênio de Macri), e do Senado, com 24 de 72 (nove a mais). Os cientistas políticos argentinos afirmam que Macri se consolidou politicamente e ganhou respaldo para continuar a agenda reformista. Com a nova configuração do Legislativo, agora o presidente poderá negociar melhores condições e acelerar a velocidade de suas reformas. “Esta eleição consolida o governo. O Mudemos se tornou uma aliança mais robusta, com mais votos e maior cobertura territorial”, diz o sociólogo Gabriel Puricelli, que enxerga uma votação política e não econômica.

Vitória de pirro: a ex-presidente Cristina Kirchner comemora a eleição para o Senado e a reconquista do foro privilegiado. Mas sua alta rejeição e a derrota do kirchnerismo diminuem suas chances de voltar à Casa Rosada (Crédito:AFP Photo / Telam / Carlos Brigo)

O kirchnerismo saiu enfraquecido das urnas, mas Cristina conseguiu o que queria. Mesmo com um índice de rejeição entre 60% e 70%, ela obteve uma das três cadeiras no Senado pela província de Buenos Aires. A ex-presidente reconquistou a prerrogativa ao foro privilegiado e dificilmente será presa nas investigações que estão em curso na Justiça pelas suspeitas de corrupção praticadas por ela durante seu governo, de 2007 a 2015. “Ela teve uma vitória pessoal e ganhou a imunidade parlamentar nos processos contra ela sobre corrupção”, diz Patricia Krause, economista para a América Latina da seguradora de crédito Coface. “Mas ela não é mais tão popular quanto era antes.”

A fragmentação de Cristina diminui bastante suas chances de voltar à Casa Rosada em 2019. O resultado das eleições de meio de mandato serve de prévia pra a disputa presidencial. Desde a redemocratização da Argentina, em 1983, das sete eleições legislativas realizadas, em seis delas quem saiu vitorioso confirmou o nome do mandatário. Macri quer buscar a reeleição e fazer deslanchar o seu “Argentina para sempre”, um ambicioso projeto de mudança em 20 anos que pretende transformar a política, o judiciário e a cultura, além da economia. O presidente busca apoio, por exemplo, para a liberalizar mais a economia, o que exige menos intervenção estatal.

Por outro lado, ele também quer impulsionar a indústria local por meio de subsídios. Até aqui, o presidente anulou controles sobre o câmbio, eliminou taxas de exportação e cortou subsídios para o gás e a energia elétrica. E conseguiu resolver disputas com credores (a Argentina tem um histórico de oito calotes de dívida) e devolver parte da confiança internacional ao país. Macri, porém, terá de conseguir transformar seu discurso em números. Na semana passada, o Banco Central da Argentina surpreendeu o mercado ao elevar a taxa de juros de 26,25% ao ano para 27,75%. A preocupação é com a resistência de queda da inflação, que tem demorado a cair. Por isso, a autoridade informou que a política monetária contracionista deve continuar. Quanto antes os juros baixarem, maiores são as chances de investimento. Algo que vai garantir muitas mãos de apoio a Macri em 2019.