Os argelinos foram às urnas neste sábado (12) para as eleições legislativas antecipadas, boicotadas pelo movimento de protesto Hirak e parte da oposição, em meio a uma forte repressão por parte das autoridades.

A grande incógnita das primeiras eleições legislativas desde a revolta popular de 2019, que dois meses depois obrigou o então presidente Abdelaziz Bouteflika a renunciar após 20 anos no poder, era sua taxa de participação.

Às 16h (12h no horário de Brasília), a participação era de 14,47%, segundo o presidente da Autoridade Nacional Independente das Eleições, Mohamed Chorfi. A votação presidencial de 2019 e o referendo constitucional de 2020 já registraram uma abstenção histórica.

“Para mim, a participação não é importante. O que importa para mim é que aqueles em quem as pessoas votam tenham legitimidade suficiente”, disse o presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, após votar em Argel.

Os resultados oficiais não devem sair até domingo.

Na capital Argel, onde o comparecimento é tradicionalmente baixo, ao contrário do que ocorre no campo, os eleitores chegaram a conta-gotas, verificou a AFP.

“Nunca votei e desta vez é a mesma coisa. Não acho que as coisas possam mudar”, afirmou Fatiha, uma comerciante na casa dos 50 anos, à AFP.

Em Cabília, uma região rebelde onde o comparecimento foi quase nulo nas últimas eleições, a grande maioria dos centros de votação não foi aberta em Bujía e Tizi Uzu, de acordo com Said Salhi, vice-presidente da Liga Argelina para a Defesa dos Direitos Humanos (LADDH).

Imagens nas redes sociais mostraram cédulas de votação no chão nesta região, onde foram registradas altercações.

O Comitê Nacional para a Libertação de Detidos (CNLD) relatou prisões em Argel, Bumerdés (perto da capital) e em Tizi Uzu.

– “Farsa” –

Ao final de uma apática campanha, os partidos pró-governo convocaram para a votação, enquanto Hirak, que defende uma mudança radical no “sistema” de governo vigente desde a independência em 1962, a considera uma “farsa eleitoral”. A oposição laica e de esquerda boicota as eleições.

O governo busca impor seu “roteiro”, ignorando as reivindicações de Hirak, como Estado de direito, transição democrática, soberania popular e justiça independente.

Cerca de 24 milhões de argelinos deveriam eleger os 407 deputados para a Assembleia Popular Nacional para um mandato de cinco anos.

Houve um grande número de independentes concorrendo com candidatos apoiados por partidos altamente desacreditados e considerados responsáveis pela crise.

Os vencedores das últimas eleições legislativas (2017), a Frente de Libertação Nacional (FLN) e o União Nacional Democrática (RND), estão desacreditados, por estarem associados à era Bouteflika.

Os islâmicos moderados decidiram participar das eleições. Abderrazak Makri, presidente do Movimento da Sociedade pela Paz (MSP), próximo à Irmandade Muçulmana, disse que está “disposto a governar” se vencer.

– “Escalada repressiva” –

O chefe do Estado-Maior, general Said Chengriha, alertou às vésperas das eleições contra “qualquer plano ou ação para alterar o desenvolvimento” da votação.

O governo é considerado a face civil da instituição militar. Nos últimos meses, reprimiu protestos, proibindo manifestações e multiplicando prisões e processos contra opositores, ativistas, jornalistas e advogados.

O CNLD anunciou que três figuras do movimento de protesto Hirak foram liberadas na noite de sexta-feira. Sua prisão na quinta-feira, véspera das eleições, gerou protestos internacionais.

O Executivo acredita ter respondido às demandas de Hirak e há meses nega a legitimidade desse movimento sem lideranças, que acusa de ser instrumentalizado por “partidos estrangeiros”.

Cerca de 222 pessoas foram presas por atos relacionados ao Hirak e/ou liberdades individuais, de acordo com o CNLD.

Para a Human Rights Watch, que denuncia uma “horrível escalada repressiva”, “as vagas promessas de abertura e diálogo do presidente Tebboune colidem com a realidade da repressão”.