Desfilar pelo shopping com bolsas de marca e sapatos que remetem ao tapete vermelho da entrega do Oscar tem se tornado tão démodé quanto usar ombreiras de espuma no vestido de veludo. E as empresas do mundo fashion já entenderam que o novo consumidor, cada vez mais desapegado de etiquetas e exibicionismo, definitivamente não é o mesmo. Um claro sinal disso foi a decisão da brasileira Arezzo&Co – dona das etiquetas Alexandre Birman, Alme, Anacapri, Arezzo, Fiever, Schutz e Vans – de comprar 75% do capital do Troc, o maior brechó digital do País, com faturamento de R$ 10 milhões no ano passado.

A novidade é baseada no perfil mais sustentável do consumidor, que cada vez mais rompe o ciclo do consumismo, ao priorizar o meio ambiente frente ao acúmulo de peças dentro do guarda roupa. Característica definida, em grande parte, pelos jovens das gerações Y-Millenials (os nascidos entre 1980 e 1994) e Z (como são classificados aqueles que vieram ao mundo a partir da virada do milênio). Também movidos a questões econômicas, os indivíduos menos consumistas estão forçando a criação de novas estratégias das empresas, como reconhece o próprio CEO da Arezzo, Alexandre Birman. “A mudança de comportamento do consumidor está só no início”, afirmou Birman. “O foco na reutilização de peças está começando agora e queremos liderar essa transformação dentro do nosso universo de clientes”.

Embora não revele o valor desembolsado na operação de compra do controle da Troc, o executivo afirma que esse movimento representa uma aposta forte no novo mercado de segunda mão. Na visão dele, a plataforma de clientes do brechó vai ganhar musculatura e sinergia com a integração ao atual portfólio de mais de 12 milhões de consumidores ativos da Arezzo. A fórmula, de acordo com Birman, é uma equação de somar. Quem quiser produtos novos, vai encontrar. Os que preferem usados em boas condições terão essa alternativa – no mesmo lugar. A compra da Troc pela Arezzo evidencia que a estratégia da companhia, além de se popularizar, é diversificar. O negócio ocorre três semanas depois de a companhia comprar o Grupo Reserva – com faturamento de R$ 400 milhões em 2019 – por R$ 715 milhões. A aquisição criou o maior grupo de moda e lifestyle do Brasil.

SEGUNDA MÃO Voltada à classe média alta, companhia aposta no mercado de revenda para manter os consumidores no seu universo de marcas. (Crédito:Divulgação)

As incorporações acontecem em um cenário desafiador para a Arezzo, que registrou, no terceiro trimestre do ano, queda de 21,3% no lucro líquido, passando de R$ 35,5 milhões no mesmo período de 2019 para R$ 27,9 milhões neste ano. A queda é ainda maior no comparativo entre janeiro a setembro dos dois anos: sai de lucro de R$ 94,1 milhões para prejuízo de R$ 3,2 milhões. Mesmo enfrentando esse cenário turbulento nas finanças, a companhia que faturou R$ 2 bilhões em 2019 preservou seu planejamento de expansão no e-commerce, lançando a plataforma ZZ Mall, marketplace da Arezzo&Co que opera as sete marcas do grupo e 30 outras marcas de moda e acessórios, incluindo Troc. A nova ofensiva é atuar como fintech. Segundo Birman, sua equipe trabalha ativamente na elaboração de inovações tecnológicas e uma ferramenta própria de pagamento, inicialmente chamada de ZZ Pay.

REVOLUÇÃO Não é de hoje que os brechós existem, mas nem por isso eles ficaram parados no tempo. Com a economia circular se potencializando ano a ano, o segmento ganha cada vez mais relevância. Segundo a consultoria de varejo GlobalData, o mercado de revenda de roupas usadas superou US$ 28 bilhões globalmente em 2019. Para 2024, estima-se algo próximo a US$ 64 bilhões. Outro levantamento, feito pela californiana ThredUp, maior loja de revenda on-line do mundo, projeta que o segmento de segunda mão será maior do que o próprio fast fashion, de itens novos, até 2028.

Assim como a Arezzo, outras empresas começam a pegar carona nos novos hábitos de consumo dos brasileiros. Para Bruna Vasconia, CEO do brechó brasiliense Peça Rara, grande parte desse destaque está na atuação das novas gerações, livres de preconceitos, preocupadas com a sustentabilidade, inclusive econômica. “Esse mercado se naturalizou tanto que não há mais julgamento. A tendência para o futuro é crescer ainda mais”, afirmou a fundadora da rede que comercializa 50 mil peças por mês. A revolução nos hábitos de consumo, ao que tudo indica, vem em boa hora. Segundo dados da ONU Meio Ambiente, a indústria de moda é a segunda mais poluente do mundo, responsável por nada menos do que 20% da poluição industrial da água no planeta. Se depender dos brechós, esse índice será apenas um número do passado.