A Arábia Saudita, que já anunciou que não estabelecerá oficialmente relações com Israel, faz outro tipo de normalização ao suavizar o tom em relação aos judeus, com discursos a favor da tolerância religiosa, ou livros didáticos em que não há mais comentários antissemitas.

Riade deixou claro que não seguirá o exemplo dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein. Ambos estabeleceram laços oficiais com Israel, quebrando, assim, um “consenso árabe” que condicionava qualquer normalização com o Estado judeu a uma solução para o conflito israelo-palestino.

Potência árabe e epicentro do Islã, a Arábia Saudita sabe que sua população, que apoia os palestinos, não está preparada para tal normalização.

Mesmo assim, trabalha para mudar a percepção sobre os judeus, há muito distorcida por dogmas religiosos e pela mídia oficial. Desta forma, vai estabelecendo as bases para um possível reconhecimento futuro de Israel.

Até então conhecidos por difamar judeus e não muçulmanos, referidos como “porcos” e “macacos”, os textos são, atualmente, revisados sob supervisão do príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman, que faz campanha contra o extremismo na educação, de acordo com autoridades sauditas.

“O governo também proibiu judeus e cristãos de serem difamados nas mesquitas”, disse o analista saudita Najah al-Otaibi.

“Essa retórica era comum nos sermões de sexta-feira transmitidos para muçulmanos em todo mundo”, acrescentou.

Marcando uma reviravolta, um pregador causou uma tempestade na mídia, no início de setembro, ao citar as relações amigáveis do profeta Maomé com os judeus e defender a tolerância religiosa.

No passado, contudo, Abdel Rahman al-Sudaiss, o imã da Grande Mesquita de Meca, o primeiro local sagrado do Islã, localizado no oeste da Arábia Saudita, alimentou polêmica por suas visões abertamente antissemitas.

– “Quando”? –

Mohamed al-Issa, saudita à frente da Liga Islâmica Mundial, foi felicitado em janeiro por Israel por ter participado da comemoração do 75º aniversário da libertação do campo de concentração nazista de Auschwitz.

As autoridades sauditas também estão aplicando uma política de aproximação de personalidades judaicas. Em fevereiro passado, o rei Salman recebeu um rabino residente em Jerusalém, David Rosen – uma novidade, até então impensável, na história do reino ultraconservador.

Além disso, autorizaram a exibição de um filme sobre o Holocausto em um festival de cinema. O evento acabou sendo cancelado, devido à pandemia da covid-19.

Durante o mês de jejum sagrado do Ramadã, a rede saudita MBC exibiu uma novela, em que um personagem defende laços comerciais com Israel, chegando a afirmar que os palestinos são os “verdadeiros inimigos”, que continuam a insultar os sauditas apesar de toda a ajuda que recebem de Riade.

Quando se trata de estabelecer relações entre Arábia Saudita e Israel, a questão é “quando”, e não “como”, disse Marc Schneier, um rabino americano próximo dos líderes do Golfo.

No fim de semana passado, o Arab News, o principal jornal em inglês do país, causou uma tempestade nas redes sociais ao postar saudações em hebraico no Twitter e no Facebook por ocasião do Ano Novo.

Também publicou artigos sobre judeus do Líbano e planeja outro sobre uma comunidade judaica que antes vivia no que hoje é a Arábia Saudita.

Seu editor, Faisal Abas, disse à AFP que a cobertura visa a estabelecer um vínculo com “os judeus em todos os países árabes”.

– “Apenas 9%” –

A mesma mídia saudita que chamava Israel de “entidade sionista” elogiou os acordos com os Emirados e Bahrein, vizinhos e aliados do reino saudita.

Para os especialistas, essa posição indica que o reino não se opõe à normalização com Israel após décadas de apoio político e financeiro aos palestinos.

No entanto, segundo o diretor do Gulf State Analytics, Giorgio Cafiero, para Israel, formalizar suas relações com governos árabes não eleitos “não é o mesmo que fazer a ‘paz’ com os povos árabes”.

Uma pesquisa de opinião publicada em agosto pelo Washington Institute for Near East Policy sugere que a grande maioria dos sauditas não apoia um acordo com Israel.

“Apenas 9% dos sauditas” são a favor de laços comerciais, ou esportivos, com Israel, disse David Pollock, membro do instituto.

“De que paz estamos falando depois dos massacres e das guerras”, questionou Bader, um jovem saudita de Riade, referindo-se a Israel. “Será muito difícil de conseguir e não vou apoiar”, sentenciou.