Aquiris, desenvolvedora brasileira de games, prepara-se para no começo de 2022 entregar seu segundo jogo encomendado e financiado pela Apple. Um projeto com reuniões semanais com a gigante de Cupertino, guardado a sete senhas e com valores não revelados. Com isso, a equipe saltou para 180 pessoas.

Dos três sócios-fundadores, hoje são seis executivos. Até ficou distante o ano de 2019 quando Tim Cook, CEO da Apple, passou a bola para sua especialista em games e ela projetou na tela durante apresentação mundial os desenvolvedores de jogos escolhidos para estrear sua plataforma de assinatura Arcade — o logo da Aquiris estava lá e o jogo era o Wonderbox.

A única brasileira ali. Curiosamente, a empresa de Porto Alegre nasceu em 2007, meses antes do iPhone. Um divisor de águas, pois até a data não existia um ecossistema de aplicativos.

Hoje a quitanda da Apple Store, segundo dados da PocketGamer, tem mais de 980 mil games e o da Aquiris, o premiadíssimo Horizon Chase, está como Escolha dos Editores, um carimbo difícil de se conseguir e que espalhou o nome da empresa pelo mundo. “Fazíamos jogos casuais para o site de empresas como a Cartoon Network e a Globo.com, com personagens como Ben 10, Liga da Justiça Jovem e Como Treinar seu Dragão”, disse à DINHEIRO o sócio-fundador Israel Mendes, de 47 anos.

É uma lembrança do começo da Aquiris, que bem no início fazia os chamados advergames, mistura de publicidade e jogos, em que somaram mais de 60 para empresas como Unilever e Azaleia, criando oito por ano — hoje levam dois anos para criar um game, muitíssimo mais elaborado, ao custo aproximado de R$ 15 milhões.

Mas estamos em 2021 e a luz volta a iluminar esse mundo de jogos digitais, que movimenta mais de US$ 90 bilhões no mundo inteiro, com projeção para US$ 116,4 bilhões em 2024, segundo dados da Newzoo. Tudo porque Mark Zuckerberg mudou o nome de sua empresa para Meta e anunciou que viveremos um metaverso no próximo ano.

Segundo ele, o metaverso é algo muito velho para os gamers. E lembra que faziam realidade virtual para empresas, ainda em browsers, sem óculos — a pessoa entrava numa sala, girava, fazia zoom in, zoom out. “Eu, em conversas, até fugia do termo metaverso por achar muito acadêmico. Mas se tratava disso”, afirmou.

Mendes diz que os jogos estão sempre na vanguarda e que as pressões evolutivas da tecnologia estão sempre empurrando. “O momento escolhido pelo Mark está certíssimo do ponto de vista tecnológico, de informação e disrupção”, disse. “Agora só vai faltar game experience para deixar essas interações mais bem valorizadas.

Já estamos recebendo pedidos de orçamentos.” Ele sabe que é mais uma busca por “o que dá para ser feito?”, com empresas imaginando que a Aquiris é uma espécie de empreiteira do mundo virtual. Não é. Ela está de olho, observando, mas não vai ser early adopter como business, pois sempre foi focada em “a gente faz games, a gente faz games!”.

Esse foco nos games levou os três sócios iniciais, num primeiro momento, a criar ambientes virtuais hiper-realistas para empreendimentos imobiliários, carros, aeronaves para a Embraer, um bom negócio feito com grandes agências de publicidade. Era 2007 e estavam no mundo virtual, interativo já, mesmo sem a imersão dos óculos, condição sine qua non atualmente para o metaverso. Os primeiros jogos da Aquiris para browser, na internet, tinham como tagline de vendas a qualidade — lembravam games de consoles mais elaborados, pesados e inovadores como os de Playstation 3. Usavam um software chamado Unity, que criativamente viraram do avesso e o usavam na internet. Ninguém entendia como os produtos pareciam tão bons, como se tivessem reinventado a hoje extinta tecnologia do Flash. Isso chamou atenção. A Unity usou a Aquiris como case e pediram para que ela fizesse uma demo para uma versão mais recente do software dela, o que garantiu que, a cada vez que um desenvolvedor abrisse o programa, o nome da Aquiris aparecesse, marcando-a para o mercado internacional.

“A inovação sempre foi algo consciente para nós. O que não sabíamos era que efetivamente faríamos games”, disse Mendes. Isso porque eram uma startup de tecnologia e de repente se deram conta que os três sócios eram gamers. Os advergames eram um ótimo negócio, mas eram minijogos. O mercado de gamers ali por 2010 ainda era visto como fútil, até que começaram a aparecer dados de que essa indústria estava faturando mais que a da música e a do cinema. Pronto, começaram a ser vistos como adultos. Em 2015 a Aquiris fez seu primeiro jogo 100% com financiamento próprio, o Horizon Chase — uma competição de carros típicos dos anos 80 com tom nostálgico, linha que a Aquiris adora. Naquele ano, ficou entre os 25 melhores dos editores da Apple. Atualmente, o game está em sua versão com Ayrton Senna, para deixar claro o tamanho da brincadeira.

VENTURE CAPITAL A Aquiris também abriu para outro modelo de negócios, o financiamento + bônus pool. Traduzindo: a Apple pagaria 100% da criação de um jogo como o Wonderbox, a propriedade intelectual ficaria com a brasileira (caso ela quisesse fazer uma versão para console) e ela ainda ganharia pelo tempo de jogo do usuário dentro da plataforma da maçã. E quanto mais modelos, melhor: a Aquiris também vai de codesenvolvimento, como com a Scopely, licenciadora dos personagens da Warner (Pernalonga, Frajola e turma), que financiou a elaboração do game, além de garantir um porcentual da receita. A empresa também é financiada pela brasileira CRP, de venture capital.

Quando se pensa em games blockbusters para consoles, os chamados AAA, como o recente Cyberpunk 2077, de custo estimado entre US$ 100 milhões e US$ 300 milhões, a Aquiris é a que chega mais próximo dessa qualificação no Brasil. Ela se coloca como AA. “Estamos crescendo, mas se for comparar com um estúdio de cinema, ainda não somos a Universal.” Ainda.