DINHEIRO ? Por que a publicidade tem sido alvo de ataques?
LARA ? O debate sobre o que a publicidade pode ou não fazer sempre existiu e vai ganhar força. Onde a propaganda é boa, criativa e ousada, ela não só emula um mercado ou uma categoria. Ela estimula a cultura popular, cria bordão. Ela faz parte da sociedade. Não dá para pensar num mundo sem propaganda. Num País onde a comunicação é uma paixão, não se pode limitar o debate. A discussão é muito positiva. Como presidente da Abap, eu acho que isso só vai ajudar, sempre com a participação da sociedade civil, das agências, do Congresso, das empresas. Somos uma democracia jovem e o debate é bem-vindo.

DINHEIRO ? Como pode um ataque ser bem-vindo?
LARA ? Nós, da Abap, temos como valor a liberdade de expressão comercial. Porque nós entendemos que o País optou por viver na livre iniciativa. E, dentro da livre iniciativa, a propaganda é um instrumento que espelha a liberdade. Não é bem-vindo quando extrapola o debate e entra na proibição. O caminho não é a tutela. Ou seja, somos contra a proibição pura e simples de qualquer segmento da propaganda. Já temos o Conselho de Autorregulamentação Publicitária, o Conar, que foi criado em 1978 em plena ditadura. Nós queremos e podemos ter um bom debate para evoluir no aprimoramento da propaganda. Vemos com bons olhos as iniciativas para sermos mais responsáveis como, por exemplo, nas mensagens direcionadas a crianças, na divulgação de bebidas alcoólicas, da indústria de cervejas, de medicamento, de alimentos com gordura trans etc. Proibir, não. Ao proibir, se congela o mercado e não se acirra a concorrência. Quem perde é o consumidor. É a propaganda, inclusive, que garante aos veículos de comunicação a liberdade de imprensa. Somos demonizados porque somos visíveis. O debate é importante para aprimorar a propaganda. A proibição é inadmissível.

DINHEIRO ? Restringir a propaganda pode afetar a liberdade de imprensa?
LARA ? Sim. Eu posso discordar da linha editorial de um ou de outro veículo de imprensa. Esse é um direito meu, como leitor. Todos podem discordar pontualmente de uma decisão ou outra do Conar. Mas de forma alguma se pode atacar a liberdade de imprensa nem a liberdade de expressão comercial e a publicidade. Aprimorar a propaganda, sim. Proibir, não. Lutamos muito por isso.

DINHEIRO ? Essa briga entre grandes marcas, como a das cervejarias, não tem ultrapassado a fronteira da publicidade e escondido motivações comerciais?
LARA ? Eu não posso, como presidente da Abap, comentar essa ou aquela decisão do Conar. Como presidente da Lew?Lara/TBWA, poderia fazer algum comentário por me sentir prejudicado pela decisão de retirar a campanha da Devassa do ar. Mas não é o caso. O debate é amplo e trata sobre os rumos da publicidade, a liberdade de expressão comercial, não só de um caso. 

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‘A Sadia atravessou a crise sem grandes impactos nas vendas graças à força da marca’

 

DINHEIRO ? Como evitar que a propaganda continue como pivô de disputas entre grandes marcas?
LARA ? O caminho é se organizar como setor. A propaganda é conhecida como o berço das ideias, da criatividade. Mas pouca gente pensa no segmento da propaganda como uma indústria. Pensa só como glamour. A nova missão que encampamos na Associação Brasileira das Agências de Propaganda, a Abap, que representa 250 agências e que detêm 80% da compra de mídia no Brasil, é organizar essa indústria e aprimorar a governança. Reforçar a imagem da publicidade e o papel econômico e social do setor na construção da sociedade.

DINHEIRO ? Faz sentido comparar a publicidade a uma indústria?
LARA ? Faz, porque é uma indústria. A comunicação brasileira é um setor que emprega 600 mil pessoas, movimenta 1,8% do PIB do País, o equivalente a R$ 43,7 bilhões por ano, segundo o IBGE. Um setor que movimenta tudo isso é uma indústria indiscutivelmente grande. Com um detalhe que faz toda a diferença: a propaganda é uma indústria que movimenta todas as outras indústrias. Todos os setores da economia dependem dela, de uma forma ou de outra. Então, é preciso criar uma governança forte para representar bem um setor desse porte. Essa é nossa missão.  

DINHEIRO ? A publicidade brasileira é desorganizada?
LARA ? Não. A propaganda tem liderança há muito tempo. Tanto é que a Abap existe há várias décadas. Mas, no momento em que vemos o avanço de multiplataformas de mídia, em que assistimos novas mídias convivendo de forma mais efetiva na rotina da sociedade, em que emissoras de televisão, jornais e portais compartilham a comunicação, temos de melhorar essa organização. Se o Brasil será a quinta economia do mundo na próxima década, se milhões de pessoas emergem das classes menos favorecidas para o mercado de consumo, nenhuma empresa pode deixar de anunciar. Precisamos estar sempre preparados.

DINHEIRO ? Fortalecer a marca garante resultado financeiro?
LARA ? No longo prazo, sim. Para responder, faço as seguintes perguntas: por que a Sadia certamente atravessou a crise sem grandes impactos nas vendas? Com certeza, a força da marca. Qual o percentual da força da marca Sadia no valor da ação? E o da Natura? Ou seja, marca é um ativo estratégico. Certamente, isso nos estimula a avançar na governança. O amadurecimento da economia fortaleceu a relação entre os novos veículos que estão surgindo, entre os anunciantes, agências e consumidor.   

 

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‘Nós precisamos construir marcas nacionais e exportar valor. Isso acontece com a Natura’

DINHEIRO ? O exemplo da Sadia, que manteve o valor da marca mesmo com a crise, vale para outras empresas?
LARA ? O Brasil vive um momento econômico fantástico. O crescimento está alicerçado no consumo interno. Temos uma grande oportunidade de deixar de ser um País exportador de commodities para ser um País exportador de marcas. O momento é excelente para construir marcas no mercado interno e, na sequência, exportar. Isso acontece com a Natura, a marca mais admirada do Brasil, que começou há 40 anos como fruto do empreendedorismo e da visão de Luiz Seabra. E veja como a comunicação pode ajudar essa marca a  transmitir seus valores, seus posicionamentos, sua filosofia, suas crenças. Hoje, 42% do valor da ação da Natura é ativo estratégico da marca. No setor de infraestrutura, que teoricamente não é um setor que precisa anunciar tanto, veja o que a CPFL está fazendo. Não existe empresa que não precisa anunciar. Nenhuma empresa pode abrir mão da comunicação. Por que uma companhia como a Petrobras precisa anunciar? Por que uma Vale e a Votorantim anunciam tanto? Tudo faz parte do processo de valorização da empresa.  

DINHEIRO ? Essa preocupação não é de quem sonha com a liderança?
LARA ? Não existe mais essa história de que as empresas que estão na liderança, numa zona de conforto, as preferidas dos seus consumidores, podem parar de anunciar.  Ao deixar de anunciar, se deixa de proteger a marca. A propaganda educa, informa e entretém. A propaganda respeita a liberdade de escolha do consumidor. Não força ninguém a comprar. Você tem suas marcas preferidas. Geralmente, essa preferência é definida muito mais pelo ativo intangível dessa marca do que pelas características técnicas ou pelo preço. Quem compra Adidas não é porque o produto tem o solado de borracha melhor. Quem toma Parmalat não é só pelo sabor do leite. Do momento que se acorda até o momento de dormir, estamos o tempo todo consumindo marcas. Quem aproximou e conectou o consumidor a essas marcas? A propaganda.

DINHEIRO ? Muitas empresas têm se unido. Isso não ameaça a existência de marcas?
LARA ? Quem compra Sadia, pode ser que não compre Perdigão. E as duas estão juntas na Brasil Foods. O consumidor do Ponto Frio não é o mesmo da Casas Bahia ou do Pão de Açúcar ou do Atacadão, que passaram a fazer parte da mesma empresa. Isso mostra que as marcas estão sendo preservadas. O Pão de Açúcar não virou Casino nem o Ponto Frio virou Casas Bahia. O mundo mudou. Os produtos estão cada vez mais iguais. O que diferencia um do outro é a marca.

DINHEIRO ? A pulverização da publicidade não prejudica?
LARA ? O fato de a publicidade ser pulverizada não significa que não possa ser articulada. O dever é exatamente organizar a propaganda de forma que seja um setor amplo e unido. Desde um fotógrafo, que faz a diferença numa campanha, passando por uma produtora que faz a diferença num comercial de televisão, ou por uma agência que a partir da força de uma ideia constrói uma campanha memorável para uma marca, nós somos um mercado emulador. Tudo isso não impede que tenhamos uma boa gestão. Pelo contrário. A pulverização exige que nos organizemos cada vez mais.