A vista de qualquer janela da sede da Votorantim Cimentos, na Vila Olímpia, em São Paulo, serve como um termômetro do mercado da construção civil. Durante quase uma década, prédios em construção, gruas e guindastes mostravam no horizonte que o mercado estava aquecido – graças à expansão do crédito e aos incentivos voltados ao setor imobiliário. Nos últimos cinco anos, no entanto, a silhueta da capital paulista não inspirou otimismo. Contaminado pela crise, o mercado parou. A demanda nacional por cimento despencou de 71 milhões de toneladas, em 2014, para os atuais 56 milhões de toneladas, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Cimento. “A partir daquele ano, vimos que o fundo do poço tinha um alçapão”, afirmou à DINHEIRO Marcelo Castelli, CEO global da Votorantim Cimentos (VC). “O mercado começou a cair, e ninguém sabia até onde chegaria.”

O cenário começou a mudar. Prova disso é que a VC, líder no mercado brasileiro e a sexta maior cimenteira do mundo, com uma receita líquida de R$ 12,6 bilhões e capacidade de produção de 53,4 milhões de toneladas, acaba de definir um investimento de R$ 2 bilhões para modernizar suas fábricas, aumentar a competitividade e expandir o coprocessamento (uso de combustíveis alternativos) em suas 264 fábricas em todo o mundo.

“Estamos nos preparando para uma retomada mais intensa da atividade econômica, que será alimentada pela volta da confiança dos consumidores e reativação de reformas e construção”, disse.

CONSTRUÇÃO A retomada do mercado imobiliário e das obras de infraestrutura deve ampliar a demanda por concreto a partir deste ano. (Crédito:Divulgação)

Embora a empresa tenha fábricas em países como Argentina, Uruguai, Bolívia, Canadá, Estados Unidos, Espanha, Luxemburgo, Turquia, Marrocos e Tunísia, praticamente todo os R$ 2 bilhões ficarão no Brasil – mercado que representa 50% do faturamento global da companhia. Além de trocar equipamentos e melhorar os processos logísticos, o objetivo é aumentar a rentabilidade. A estratégia inclui ampliar a produção de argamassas – que possuem maior valor agregado na comparação com o cimento. “Temos de rentabilizar os produtos existentes, entrar em produtos adjacentes, como argamassas e rejuntes, e preparar a empresa para qualquer cenário.”

Parte do otimismo de Castelli está apoiado na projeção de reaquecimento do mercado da construção neste ano, que deve crescer acima de 3% até dezembro, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e do Sindicato da Construção de São Paulo (Sinduscon). “A nossa percepção é de que a crise do setor ficou, definitivamente, para trás”, disse o presidente da entidade, Odair Senra. Com crescimento de 2%, a construção civil interrompeu em 2019 cinco anos consecutivos de queda.

Embora não seja o objetivo principal, a modernização da VC é parte de um plano de longo prazo para uma possível abertura de capital. O braço financeiro do grupo da família Ermírio de Moraes, o banco Votorantim caminha a passos largos para tirar do papel seu plano de abertura de capital na bolsa brasileira. O primeiro passo foi a definição da quantidade de ações que serão vendidas pela instituição. A oferta inicial, prevista para abril, é estimada em R$ 5 bilhões. Sócios da instituição, a família Ermírio de Moraes e o Banco do Brasil (BBAS3) devem vender cerca de R$ 2 bilhões em ações cada. Desta forma, a oferta de recursos que vão para o bolso dos acionistas chegaria a R$ 4 bilhões. O R$ 1 bilhão restante viria da emissão de novos papéis, com o dinheiro sendo injetado no caixa do banco, financiando sua expansão com foco no segmento digital.

No caso da VC, a prioridade agora é transformar o investimento bilionário em diversificação e competitividade. A estratégia passa também por negócios no campo agrícola. A Votorantim Cimentos já atua no agronegócio com as marcas Calcário Itaú e Cal Fértil, que geram aproximadamente 10% dos R$ 6,6 bilhões de faturamento da empresa no Brasil. Agora, a ideia é expandir a atuação como fabricante de fertilizantes. “A força da atividade agrícola no País nos motiva a investir neste segmento, aproveitando a expertise que temos”, garantiu Castelli.

Outro pilar do plano da companhia para os próximos três anos é fortalecer as operações da Verdera, divisão criada para área de coprocessamento de resíduos – entre eles cavaco de madeira, caroço de açaí, serragem, papel e pneus usados. A área tem orçamento de R$ 400 milhões. “A questão da sustentabilidade tem se tornado o alicerce das maiores indústrias globais, especialmente as que geram grande impacto ambiental, como as cimenteiras”, disse o economista e consultor Virgílio Martins, especialista em projetos ambientais na Fundação Getulio Vargas (FGV). “O Brasil tem sido muito mal visto em temas ambientais. Por isso, iniciativas como esta são de extrema importância para o Brasil e o mundo.”

VAREJO Cerca de 70% das vendas da VC são de cimento ensacado, voltado a pequenas obras e reformas. Por isso, a empresa aposta no e-commerce. (Crédito:Leonardo Rodrigues )

ENTREVISTA
Marcelo Castelli, CEO global da Votorantim Cimentos

“A economia caiu de elevador e vai subir de escada rolante”

Claudio Gatti

Como a empresa atravessou a crise?
Tivemos na Votorantim Cimentos, na esteira do Brasil, muitas dificuldades por conta do mercado e da baixa demanda. A redução foi muito expressiva. Historicamente, há uma relação de duas vezes entre demanda de cimento e o crescimento do PIB. Se o PIB cai 1%, caímos 2%. Se o PIB sobe 1%, subimos 2%. Às vezes, essa relação muda um pouco quando há ruptura. No auge da crise, trabalhamos com ajuste da capacidade instalada, hibernando fábricas e fazendo adaptações. Cimento é algo que se produz perto do consumidor, viajando menos possível. A logística é uma questão de competitividade, por uma relação peso-valor do produto. Então, toda a indústria otimizou da melhor maneira possível.

Como será distribuído o investimento?
Quase 100% dos investimentos de R$ 2 bilhões vão ficar no Brasil. A empresa investe, naturalmente, algo em torno de R$ 1,2 bilhão por ano, simplesmente para manter a operação girando. Quando a gente faz uma modernização ou aquisição, esse número cresce. Esses R$ 2 bilhões não são os investimentos totais, são recursos adicionais para recuperar competitividade das nossas fábricas para o novo ambiente de negócios, em linha com a retomada. A gente quer se preparar, uma vez que a empresa fez a sua lição de casa. Tivemos de segurar aqui, apertar ali. Mesmo com o mercado indo para baixo, tivemos de concluir projetos que já estavam em curso. Em 2014 e 2015, quando chegamos ao fundo do poço, vimos que ainda tinha um alçapão.

O cenário doméstico e internacional encoraja fazer investimentos?
Além da boa gestão que fizemos, recebemos uma injeção de capital do Grupo Votorantim depois da venda da Fibria. Então, a Votorantim S/A e a Votorantim Cimentos estão bem capitalizadas. Hoje, somos ‘investment grade’. Com dinheiro novo entrando, fizemos uma gestão de endividamento muito forte em 2019. Pagamos a dívida mais cara, trocando por dívida mais barata. Com a combinação de taxa de juros baixa, ‘investment grade’ e grande liquidez de capital no mundo, reduzimos o custo da dívida. Isso abre muito fôlego daqui para frente. Aí tiramos os projetos que estavam pensados, mas aguardando o melhor momento.

O plano de substituir petróleo por fontes alternativas pretende chegar aonde?
Estamos investindo em coprocessamento em todas as nossas fábricas. É uma diretriz global. Estamos substituindo parte do consumo de coque de petróleo por resíduos, como biomassa, pneus, caroço de açaí e tudo o que o arranjo local fornecer como combustível. Queremos transformar o conceito do lixo ao luxo. Temos de repensar
o uso, reduzir, reutilizar, reciclar e coprocessar. Basicamente, é o conceito de economia circular.

A Votorantim Cimentos vai atuar mais no varejo?
Sim. Criamos a ‘Juntos Somos Mais’, um projeto dentro do campo do digital, que antes era a VC Online. Para nos fortalecer no varejo, nos juntamos a Gerdau e Tigre. Temos 45% do capital e eles têm 27,5% cada. Já foi aprovado pelo Cade e, atualmente, temos 24 empresas, líderes de mercado, dentro de uma constelação sob o conceito ‘one stop shop’. Lá, há gente de material de construção, gente do sistema financeiro, gente de telefonia… Já movimentamos mais de R$ 6 bilhões pela plataforma.

A previsão é de que o mercado vai superar de vez a crise?
Não acho que o mercado volta a um cenário de céu de brigadeiro como estávamos até 2014. Naquele ano, o consumo de cimento foi de 71 milhões de toneladas. Hoje, a capacidade instalada da nossa indústria é de pouco mais de 100 milhões de toneladas. Segundo os dados do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento, estamos hoje com 47% de ociosidade na indústria. Ou seja, temos muita capacidade, e o Brasil precisa melhorar muito a sua demanda para retomarmos alguns fornos que estão parados.

Quando vai voltar?
Difícil dizer. Talvez em oito ou dez anos, se tudo der certo. Mas o que posso afirmar é que a volta será gradual. A recuperação do Brasil vai ser em ‘L’. Muitos esperavam a recuperação em ‘U’ ou em ‘V’’, mas não será assim. A economia do Brasil caiu de elevador e vai subir de escada rolante, em uma velocidade baixa e constante.