O aniversário de dona Gilda Regis na sexta-feira, 23 de abril, foi comemorado de forma diferente, mas nem por isso menos emocionante. Sentada em uma cadeira de rodas na sala de entrada do Residencial Santa Cruz, uma instituição de longa permanência em Vila São Pedro, ela assistia através da parede de vidro os dois filhos, três netos, nora e a bisneta que nunca abraçou celebrarem do outro lado a sua chegada aos 94 anos.

Apenas na rede pública estadual, o governo estima que 19,2 mil idosos moram em lares de longa permanência. Desde fevereiro, eles completaram a imunização contra o coronavírus, quando formaram o primeiro grupo prioritário para a vacinação no Brasil. Ainda assim, o regime de isolamento social severo continua, como forma de garantir a própria segurança desse público enquanto a pandemia avança pelo resto do País. Afastados do mundo lá fora, a rotina é de saudades e, garantem, de esperança.

“Foi o maior presente pra ela ter vindo aqui. E eu senti alívio, porque sei que ela está protegida”, conta Claudia Avancine, a filha mais velha de dona Gilda, que diz visitar a mãe regularmente aos domingos desde que ela foi morar na instituição três anos atrás. Desde fevereiro do ano passado, entretanto, os contatos passaram a ser através do vidro e, no lugar do carinho de um beijo ou abraço, ela fala com a mãe por um interfone instalado na parede.

Dona Gilda ainda não conheceu sua primeira bisneta, a pequena Cecília de um ano e quatro meses, que tenta tocar a bisavó pelo vidro enquanto a voz de Xuxa canta Parabéns pelo alto-falante do celular do pai. “Vai demorar muito até sermos vacinados, o risco não vale a pena”, explica Aloysio Regis, de 53 anos, irmão caçula de Claudia. Ela conta não ter certeza se a mãe entende o que está acontecendo por causa do Alzheimer avançado.

Por alguns momentos, parece que dona Gilda tenta levantar as mãos cobertas por luvas para acompanhar os aplausos, e os cuidadores comentam que ela também costuma se agitar quando transmitem algum show do Roberto Carlos no cinema.

A saudade dos netos também é a maior falta que Ana Maria Benavente, de 83 anos, sente da vida pré-pandemia. Isso e os passeios com o filho aos fins de semana, quando ainda podia sair do Cora Senior, no bairro do Ipiranga, e ir ao cinema. “Tem que ter paciência e esperar isso tudo passar. Mas a tristeza de não poder ver o filho e abraçar os netos dói muito”, conta, dizendo que se acostumou. “Acho que esse ano todo vai ser difícil.”

“Essa situação que a gente está vivendo tem um viés emocional muito grande. Antes, você podia visitar os residentes em qualquer horário. Com a pandemia, passamos a restringir essas visitas”, explica Jarbas Salto, diretor médico e de operações da Cora Residencial Senior.

Para contornar a solidão do isolamento, a rede tem oferecido rodas de conversa, transmitido sessões de teatro e auxiliado os moradores a fazerem videochamadas com os familiares, que já ultrapassaram a marca de oito mil desde o início da pandemia. “Eu tinha esperanças de que isso não fosse durar tanto tempo. Não poder acompanhar meu bisnetinho crescendo e se desenvolvendo… Eu sinto muita falta, mesmo. Esse afastamento é cruel”, conta Luci Elsa Santos, de 77 anos.

No próximo mês, ela vai completar quatro anos morando no Cora Ipiranga e diz que se acostumou a “conversar por vidro”, mas no início se sentia muito nervosa de não poder abraçar a família. Lucy se considera privilegiada por estar em um lugar bom e já vacinada. “Nunca senti uma picadinha tão gostosa!”

Ela conta que já tem planos para quando a vida voltar ao normal: “Quero fazer um churrasco mesmo”, se empolga. “Com direito a cerveja e sem hora para acabar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.