O corte extraordinário nos juros dos Estados Unidos realizado hoje pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), em meio aos temores com o coronavírus, mudou completamente e de forma imediata as apostas do mercado financeiro para a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) deste mês, que passaram a indicar queda da Selic.

Menos de um mês após o BC afirmar que “vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”, o mercado passou a enxergar como mais provável um novo corte de 0,25 ponto porcentual na taxa Selic em março, de acordo com a maiorias das estimativas do levantamento relâmpago do Projeções Broadcast. E ainda casas que preveem corte mais robusto, de 0,50 ponto – mesma magnitude do corte do Fed.

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Das 27 instituições consultadas, apenas nove projetam manutenção da taxa básica de juros na atual mínima histórica, de 4,25%. Entre as que esperam novos estímulos monetários, 15 acreditam em cortes de 0,25 ponto porcentual e outras três, de 0,50 ponto. Após o Copom de fevereiro, 39 das 41 casas ouvidas previam permanência da Selic.

A expectativa de novos cortes de juros por parte do Fed e de outros bancos centrais, inclusive, sustenta a perspectiva de que o ciclo de afrouxamento monetário do Brasil deve ultrapassar a reunião do Copom de março e levar a taxa Selic abaixo do nível de 4,0% no final de 2020.

A Capital Economics, o ING e o Asa Bank avaliaram que o banco central americano deve realizar mais um corte de 0,25 ponto porcentual na sua reunião do dia 18 de março, o que poderia abrir espaço para novas rodadas de cortes no Brasil.

Para o fechamento de 2020, nove instituições estimam manutenção da Selic no nível atual, enquanto sete projetam taxa de 4,0% e outras onze veem os juros abaixo deste nível. Para o ano que vem, o intervalo das estimativas vai de 4,25% a 6,5%.

“O que o Fed fez hoje foi dar uma opção de graça: ele abriu espaço para o BC do Brasil dar um corte de pelo menos 0,25 ponto e ainda parecer conservador”, avalia Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, uma da casas que cortou as projeções para a Selic em março de 4,25% para 4,0%.

Ele afirma que os efeitos do surto de coronavírus sobre a economia brasileira devem se manifestar mais como um choque de oferta, mas que uma redução nos juros poderia beneficiar o capital de giro das empresas que forem prejudicadas por uma redução de demanda no curto prazo.

De acordo com Leal, a tendência é o BC brasileiro seguir as expectativas do mercado na reunião de março, a menos que a autoridade monetária afirme explicitamente que não pretende realizar outro corte. “Tem uma semana, até o início do silêncio do Copom. Olhando o histórico do BC, se ele não falar nada, é porque vai com o mercado”, afirma.

O economista diz, no entanto, que não enxerga continuidade do ciclo de cortes depois de março, mesmo que o Fed e suas contrapartes do restante do mundo anunciem mais estímulos monetários à economia. “Pode ser que o BC aqui seja mais conservador. Com o dólar nesse nível de R$ 4,50, mesmo se a economia crescer perto de 1,5% neste ano, não há muito espaço na inflação, olhando para 2021”, afirma.

Apesar de reconhecer que o corte extraordinário dos juros pelo Fed aumenta as chances do BC reduzir a Selic, o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, afirma que este ainda não é seu cenário-base. “O real está se desvalorizando de maneira forte, com descolamento do movimento internacional, justamente por causa das apostas de cortes por aqui”, diz.

Um corte de juros neste momento, avalia Rostagno, pode até ser contraproducente para a atividade econômica, já que uma moeda volátil e fraca prejudica o crescimento, porque traz incerteza para as empresas e afugenta investimentos.

Por causa disso, e sem sinais mais claros do efeito do coronavírus sobre a economia brasileira, Rostagno acredita que o BC pode esperar um pouco mais para tomar uma decisão com o cenário mais claro. Por ora, ele mantém a expectativa de manutenção da Selic em 4,25% até o fim do ano, mas com viés de baixa.

Já o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, sustenta que, mesmo que o dólar continue no nível de R$ 4,50, a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar em 2,75% este ano e em 3,30% no ano que vem. Para Weeks, a Selic deve terminar 2020 em 3,50%.