Um provérbio de origem árabe, muito usado pelos portugueses, afirma que não importa quanto ladrem os cachorros, pois a caravana sempre irá passar. Na prática, significa que o andamento das coisas segue seu rumo, por mais que a ferocidade de quem não entende nada do que está se passando tente atrapalhar. O Brasil de 2021 é a definição desse aforismo. À revelia de um presidente ruidoso, bravateiro e que mais incendeia que apaga o fogo, a economia começou a dar sinais de reação. Eles são ao menos cinco: os resultados da indústria e do varejo; o aumento da poupança dos brasileiros mesmo diante das dificuldades financeiras; a maior disponibilidade de crédito dado pelos bancos; a recomposição do comércio global; e, não menos importante, a atividade em alta da economia paulista. Juntos, formam um ambiente favorável e que pode resultar em crescimento de 4% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) neste ano. O que une esses pontos é serem frutos de criatividade, esforço e soluções trazidas pelos empresários e brasileiros. Nenhum deles tem impacto direto de políticas públicas do Ministério da Economia ou do presidente Bolsonaro que, sem a menor capacidade de conduzir a caravana, prefere ladrar.

Para o economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa os sinais de retomada sustentam um olhar mais otimista para o futuro. Ele defende que a tríade formada pela taxa de poupança acumulada no ano passado, reposição de estoques na indústria e retomada da economia global tem sido decisiva para criar um bom momento. Na mesma linha segue o economista do Banco Santander Lucas Maynard, que vê o horizonte com um “viés mais positivo”. A seguir, os motivos para acreditar na caravana.

1 COMÉRCIO E INDÚSTRIA

Pode parecer difícil ver crescimento no Brasil atual. Mas o comércio e a indústria avançaram, respectivamente, 2,5% e 10,5%, em março, sobre 2020. Segundo o IBGE, no caso do comércio, ante fevereiro, houve recuo de 0,6%, e você pode até pensar que isso é ruim, mas não é. No período, era esperada uma queda brusca em função do endurecimento das medidas de isolamento, alta da inflação e perda da renda. Então, a queda de 0,6% foi considerada branda. “Antes da divulgação dos números da indústria, o cenário era de alta de 3,3%. Foi alterado para 3,4%. Agora, fica mais próximo de 4% do que 3%”, disse Luana Miranda, economista da Gap Asset, sobre o PIB. A respeito do papel do governo, em especial de Bolsonaro, na retomada incipiente das atividades, José Bertolatto Jr, professor de macroeconomia da USP entende que, ao dizer que faria um decreto para garantir o direito de ir e vir e questionar governadores, o presidente mais prejudicou que ajudou os empresários, pois gerou instabilidade. Essa opinião também é partilhada por Carlos Nicolas Belucci, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “O governo devia ter dado condições aos empresários de fechar as portas por três meses, no início da crise, e não levar o País a uma quarentena mal feita que dura mais de um ano.”

2 CENÁRIO EXTERNO

Com afrouxamento das medidas de restrição, aumento da mobilidade e avanço da imunização, a normalidade começa a dar as caras mundo afora. Na esteira do crescimento mundial, o Brasil pega carona, principalmente com a China e os Estados Unidos. No caso da China, a expectativa é que o PIB do país asiático cresça 8,5%, com alta demanda de grãos e carnes (que o Brasil tem de sobra para vender). No caso dos EUA, o FMI projeta alta de 6,4% no PIB, com destaque para obras de infraestrutura, o que demanda importação de aço – e olha o Brasil de novo com oferta de sobra. Frederico Camargo, que foi subsecretário de produtividade e estatísticas do extinto Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços é um dos entusiastas de aproveitarmos o cenário externo. “O Brasil ainda não surfou na onda da valorização das moedas dos países emergentes. Há perspectivas para apreciação cambial por parte do real.” Sobre os feitos do governo nesse cenário, ele disse que, além das alfinetadas sobre o vírus “chinês”, o apoio incondicional ao ex-presidente Trump só isolou mais o Brasil. “Prova disso é nosso completo desamparo na questão das vacinas”.

3 BOA ATIVIDADE EM SÃO PAULO

A expectativa de um crescimento na casa dos 9% no PIB do Estado de São Paulo no primeiro trimestre de 2021, enquanto espera-se a confirmação de avanço de, na melhor das hipóteses, 2% na média nacional, é um indicador de que a locomotiva paulista segue valente mesmo na pandemia. Os motivos para isso envolvem fatores distintos. Muitos deles acompanham a história do País, como a relevância de São Paulo para a economia, a infraestrutura da saúde, a capacidade de investimento e agilidade para reorganizar demandas. Mesmo com todos esses fatores, algumas decisões locais deram mais celeridade na capacidade de reação, ainda que São Paulo, por ter a maior população do Brasil, tenha também o maior número de mortes pela doença. Evandro Martins, doutor em economia e professor da London School of Economics explica alguns fatores decisivos. “Quando o governo estadual criou um comitê de crise, assim que foi confirmada a primeira morte no Brasil, ele foi assertivo no ponto de vista econômico e sanitário”, disse. O governo federal, com um ano e meio de atraso, lançou só na quarta-feira (12) uma secretaria específica para tratar da pandemia. O órgão é encabeçado pela médica infectologista Luana Araújo.

4 OFERTA DE CRÉDITO

Se engana quem olha apenas a queda de 1% nas concessões de crédito do primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2020, segundo balanço do Banco Central. Há um cenário diferente para o futuro, e quem estima esse movimento são os próprios bancos. Segundo o Bradesco, haverá um aumento de 9,5% nos empréstimo em 2021. “Os patamares atuais continuam compatíveis com uma expansão robusta da carteira de empréstimos”, afirmaram os economistas do Bradesco. Segundo a Serasa Experian, a oferta de crédito em alta para as empresas, a reorganização das contas e a busca de formas para obter o recurso tem ajudado a garantir a permanência da operação. Mas a maior parte do crédito deve vir da habitação, que poderá ter expansão de 8%, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Mesmo assim, faltará crédito para os pequenos empresários. “Esse é um gargalo que o governo precisaria sanar”, disse José Bertolatto Jr, professor de macroeconomia da Universidade de São Paulo (USP). Em abril e maio deste ano, 79% dos bares e restaurantes estavam endividados. Em sua grande maioria, de pequeno porte.

5 POUPANÇA

Guardar dinheiro na pandemia, com alta do desemprego, parece incoerente, mas não é. Depois de atravessar uma crise atrás da outra, desde 2014 o brasileiro tem aprendido que poupar precisa ser um estilo de vida. E que ganha cada vez mais adeptos. O Centro de Estudos de Mercados de Capitais (Cemec-Fipe) estima que, entre as famílias, a poupança pode ter chegado a R$ 334 bilhões em 2020, o equivalente a 7% do consumo total do ano passado. “As famílias reduziram sua propensão a consumir”, afirmou Carlos Antônio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe. Esse comportamento se deu pelo isolamento social e o temor da perda de emprego e renda. Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito a poupança ainda é o destino favorito para os poupadores. Ainda que só 34% dos ouvidos tenham dito que guardam dinheiro, o número é maior que os 21% que responderam a mesma questão em 2015, auge da última crise que atravessamos.

ORÇAMENTO SOB SUSPEITA

Enquanto a economia quer crescer, ainda que aos trancos e barrancos, no Planalto Central os Poderes Executivo e Legislativo levantam dúvidas sobre um “excesso de dinheiro” e para onde ele tem ido. Ele estaria no Orçamento Secreto, termo usado para definir uma montanha de rercusos delimitada nas despesas do governo federal que seria usada em troca de apoio no Congresso. Para avaliar se há realmente esse viés com recursos públicos o Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal receberam pedidos de investigação da suposta prática, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Deputados de oposição e o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediram na segunda-feira (11) a investigação das suspeitas de um suposto orçamento paralelo de R$ 3 bilhões que o governo estaria usando para atender a aliados em troca de apoio no Congresso. A suspeita envolve um conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado pelo ex-deputado Rogério Marinho.

O que chamou a atenção da relação entre os Poderes foi a forma como esse “orçamento paralelo” foi feito: por meio de emendas de relator. Diferentemente das emendas individuais, que seguem critérios específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator beneficiam somente alguns parlamentares, de acordo com acertos feitos entre eles, o relator e o governo federal. Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, a questão precisa ser apurada e explicada para que haja transparência e ciência do contribuinte. “Isso é para que a gente saiba como é que o recurso público, nesse caso um valor alto e relevante, está sendo gasto”, disse o diretor do IFI, órgão ligado ao Senado. O economista Gil Castelo Branco, da organização não governamental Contas Abertas, vai além. “A partir do momento que não há isonomia na distribuição, não há clareza sobre a como foi feita a divisão, há margem para ser imoral”, disse.

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que o Congresso tem a prerrogativa de indicar recursos via emenda de relator e se coloca à disposição para ajudar com investigação de qualquer espécie. Em um orçamento que já nasceu torto, era óbvio que a emenda sairia pior que o soneto.