De um lado, micro e pequenos empresários agonizam em silêncio, dentro de estabelecimentos vazios e que, em muitos casos, estão de portas fechadas. De outro, bancos restringem a liberação de crédito, aumentam exigências de garantia dos empréstimos e tentam se proteger de uma provável quebradeira generalizada em poucos meses. Tanto é que dos R$ 40 bilhões de crédito que o governo federal disponibilizou para as empresas pagarem os salários dos funcionários, segundo a equipe econômica, só pouco mais de R$ 2 bilhões foram contratados. De acordo com dados do Sebrae, a cifra baixa não se dá por falta de demanda, mas por não passarem no crivo rígido das instituições financeiras. Essa conta que não fecha recebeu, na última semana, o Tesouro Nacional como uma espécie de mediador e, principalmente, de fiador principal do sistema financeiro.

A Medida Provisória (MP) 975 prevê, agora, destravar linhas emperradas por rigorosas exigências dos bancos. Orquestrado pelo Ministério da Economia, o Programa Emergencial de Acesso ao Crédito prevê que o Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), operado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seja usado para cobrir 80% de uma eventual inadimplência de cada operação, estimulando os bancos participantes a abrir o cofre. O novo programa do governo é destinado a empresas com sede no País e que tenham contabilizado receita bruta superior a R$ 360 mil e inferior ou igual a R$ 300 milhões. O objetivo principal é reduzir ao máximo o risco de calote e garantir mais tranquilidade aos bancos na análise de crédito. A expectativa do Ministério da Economia é que, para cada R$ 1 de garantia, outros R$ 5 sejam emprestados.

CRÉDITO EM BOA HORA A expectativa do Ministério da Economia é que, para cada R$ 1 de garantia, outros R$ 5 sejam emprestados para micro e pequenos empresários. (Crédito: Paulo Marques)

A decisão é vista como medida fundamental para amortecer o impacto da recessão e, sem deixar as empresas irem à bancarrota, antecipar o ciclo de recuperação. De cada 100 micro e pequenas empresas que buscaram crédito no Brasil desde o começo da pandemia, 86 não conseguiram ou ainda aguardam resposta, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Para o presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), José César da Costa, é importante que o governo dê celeridade à regulamentação dessa nova MP, uma vez que os empresários estão com grandes dificuldades em acessar as linhas de crédito anunciadas pelo governo. “A reclamação por parte do empresariado tem sido constante, as linhas de crédito não estão chegando à ponta”, afirma o executivo. Segundo ele, apenas 38% dos pequenos negócios tentaram obter crédito nesse período. “O Pronampe [Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte], que foi anunciado como solução a esses problemas, ainda está em fase de regulamentação, e essa demora traz grandes dificuldades às empresas, principalmente no que diz respeito à manutenção dos postos de trabalho”, diz.

AJUDA AOS GRANDES De acordo com dados do Banco Central sobre toda a carteira de crédito do País, os bancos concederam R$ 442 bilhões em novos créditos nos últimos dois meses, mas 60% foram para grandes companhias. O fenômeno do setor privado se repete na esfera pública. Enquanto as MPEs aguardam o prometido crédito que não vem, o BNDES continua negociando potenciais linhas de financiamento para as empresas aéreas listadas em bolsa Azul e Gol, para a fabricante de aviões Embraer e até para as subsidiárias locais de multinacionais como Volkswagen e General Motors. Em nota, o Ministério da Economia informou que está trabalhando para lançar programas alternativos de crédito e que já está subsidiando a linha voltada para a folha de pagamento.

Para especialistas, a decisão pode ter chegado tarde demais. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), por exemplo, estima que um em cinco negócios já fechou as portas desde o início da crise por falta de demanda e de acesso a crédito em meio à pandemia da Covid-19. A conta se confirma no estado de São Paulo, onde cerca de 20% do setor, algo em torno de 50 mil estabelecimentos, já faliu. A entidade diz que se não houver nenhuma medida de amparo aos negócios desse segmento durante o mês de junho a quantidade de bares e restaurantes fechados chegará aos milhares. O socorro a pequenas e médias empresas do País se assemelha ao colapso do atendimento na saúde para quem precisa de UTI ou respirador por causa da Covid-19: cada dia é decisivo entre a vida e a morte.