Todo mês de dezembro traz uma avalanche de listas do “melhor de”: filmes, livros, discos, séries de televisão … mas com a mudança da década, a grande tentação é definir os marcos dos últimos dez anos.

A tarefa, no entanto, pode ser intimidadora, se não impossível.

A seguir, uma tentativa da AFP de resumir as principais tendências do cinema, música e televisão durante esse período, desde a revolução do streaming e a era de ouro das séries de TV até uma nova geração de cantoras que transcenderam o palco para se tornarem magnatas empoderadas.

– Geração streaming –

A explosão dos serviços de streaming transformou esta forma de consumir conteúdo on-line na nova norma. Com este sistema de distribuição, tudo está disponível o tempo todo.

Se comprar um CD é algo dos anos 1990, fazer o download de arquivos de música é algo da década passada.

Para os integrantes da Geração Z, o grupo demográfico que sucede os Millennials, o YouTube é a plataforma para descobrir as novidades.

No início dos anos 2010, o Spotify, aplicativo de streaming de música, tinha menos de um milhão de assinantes, a Netflix um pouco mais de 12 milhões. Os serviços de streaming não passavam de uma curiosidade.

Quase 10 anos depois, o Spotify tem 248 milhões de usuários; Netflix registra mais de 158 milhões.

O terremoto do streaming também sacudiu as bases da indústria de jogos eletrônicos: plataformas como Twitch ou Mixer permitem a jogadores amadores ou profissionais transmitir suas partidas ao vivo, acompanhadas em tempo real por fãs que comentam as ações nos chats.

As transmissões podem atingir dezenas de milhões de pessoas, sobretudo quando acontecem grandes competições de jogos como Fortnite, o que contribui para a grande popularidade dos chamados e-sports.

Tanto as telas de televisão como os computadores nos exritórios foram superados pelos smartphones e tablets como os principais dispositivos para consumo de entretenimento ou notícias, tendência que deve aumentar ainda mais com o avanço das redes 5G nos Estados Unidos e outros mercados.

– “Binge-watching” –

Houve uma época em que assistir a TV era um compromisso, um evento com dia e hora marcados: quem queria acompanhar “Seinfeld” deveria ficar diante do aparelho de televisão durante a exibição, sob pena de ficar de fora das conversas no ambiente de trabalho no dia seguinte.

Os espectadores fora dos Estados Unidos sofriam com um inevitável período de espera até a estreia da nova temporada em seu país.

Com o crescimento dos serviços de streaming e o paulatino afastamento do público das redes de televisão tradicionais e suas grades de programação, a televisão finalmente se tornou um fenômeno global.

A ansiedade pelo próximo episódio, que durava uma semana, deu espaço a um novo fenômeno: o ‘binge-watching’ (maratona), que consiste em assistir de uma só vez uma série completa, algo impossível no passado, mas que plataformas como Netflix e Amazon estimulam com o lançamento de temporadas inteiras no mesmo dia.

A concorrência acirrada entre redes de televisão, canais a cabo e gigantes on-line resultou na produção de centenas de novos programas, que a cada ano multiplicam a oferta.

Orçamentos antes inimagináveis na TV, liberdade para desenvolver tramas e personagens em amplos arcos narrativos e nomes de peso, na frente e por trás das câmeras, produziaram uma década de êxitos.

“Game of Thrones”, a adaptação dos livros do autor George R. R. Martin, que estreou em 2011 e terminou, após oito temporadas, em 2019, foi talvez o fenômeno cultural da década.

A saga fantástico-medieval, repleta de sangue e erotismo, cativou a audiência, recebeu muitos prêmios e criou uma indústria de produtos associados, convenções de fãs e visitas turísticas aos locais das filmagens.

Os que não foram seduzidos pela disputa do Trono de Ferro não podem reclamar, pois o cardápio foi amplo, com títulos que geraram legiões de fãs como “Breaking Bad” ou o terror distópico de “The Handmaid’s Tale”, adaptação do livro de mesmo nome de Margaret Atwood.

A comédia “Modern Family”, o drama político “House of Cards” e a mais recente “The Marvelous Mrs. Maisel” também estão entre as preferidas do público.

– O império Disney –

Quase um em cada três dólares gastos nos cinemas dos Estados Unidos este ano entrou nos cofres da empresa do Mickey, que em 2019 superou a impactante quantia de 10 bilhões de dólares de arrecadação global anual.

O recorde, que o estúdio alcançou antes da estreia de “Star Wars: A Ascensão Skywalker” – que neste fim de ano marcará o fim de uma saga de nove filmes -, superou a marca anterior de 7,6 bilhões de dólares, de 2016, que também pertencia a Disney.

Parte da explicação do fenômeno está no frenesi de aquisições, ao custo de bilhões de dólares, que começou em 2009 com a compra da Marvel.

O investimento deu frutos: os super-heróis da Marvel – que incluem Homem de Ferro, Capitão América e Hulk – dominaram as bilheterias durante os últimos 10 anos.

Em 2012 a Disney adquiriu os direitos sobre o universo Star Wars, a saga criada por George Lucas em 1977, quando comprou os estúdios Lucasfilm tras desembolsar mais de 4 bilhões de dólares.

Este ano, com a aquisição da Fox, incorporou a seu catálogo séries como “Os Simpsons”, sagas como “X-Men” e as sequências previstas de “Avatar”, do diretor James Cameron. Tudo indica que o domínio global de Disney não vai parar por aí.

Como se não bastasse, a empresa recorreu a seu antigo catálogo, com novas versões live-action de “Mogli – O Menino Lobo” e “Aladdin”, que geraram muito lucro.

Tudo isto sem contar o fenômeno “Frozen”, a história do reino congelado de Arendelle, que este ano voltou a arrastar fãs aos cinemas com a sequência “Frozen II”.

– Rumo à diversidade –

Alguns sucessos sugerem que certas fronteiras – não apenas geográficas – foram quebradas e que a diversidade cultural conseguiu se estabelecer no centro do palco.

A música conheceu fenômenos globais inéditos como o sucesso chamado K-Pop (de “Korean Pop”, pop coreano), com a banda BTS liderando o caminho.

Também da Coreia do Sul veio em 2012 o super hit “Gangnam Style”, de PSY, que alimentou naquele ano uma febre pela coreografia da música, a qual imitava o movimento de uma cavalgada.

Nos anos 2010, a América Latina exportou o reggaeton para o mundo, também um novo gênero conhecido como trap.

Até hoje, “Despacito” (2017), de Luis Fonsi, é o vídeo mais visto no YouTube, com mais de 6,5 bilhões de visualizações.

Nos Estados Unidos, a década se encerra com um hit que seria impensável tempos atrás, um exemplo do fenômeno da diversidade: “Old Town Road”, de Lil Nas X, uma fusão de country e rap de um adolescente negro e gay de Atlanta.

A canção predominou no mundo tradicionalmente dominados por brancos da música country e sintetiza os esforços da indústria para apostar em uma maior diversidade.

“Transparent”, uma produção da Amazon, recebeu elogios pela maneira como expôs as pessoas trans na tela pequena; no cinema, “Pantera Negra”, da Marvel, alcançou grande desempenho nas bilheterias, mas também reinventou os filmes de super-heróis com um elenco composto quase inteiramente por atores negros.

Para entender a década, também é necessário reparar movimentos como #MeToo e Time’s Up, que denunciaram abusos sexuais e disparidades na indústria.

Tanto as academias de cinema quanto a produção musical dos Estados Unidos afirmaram receber essas e outras reivindicações por maior diversidade – de gênero e de raça – em suas indicações e órgãos de votação, que são os que acabam decidindo sobre prêmios como o Oscar ou o Grammy.

– Estrelas, empresárias e mulheres –

Na música pop, uma lição que o período deixa é que não basta mais ter uma boa voz, boa aparência e músicas cativantes.

As estrelas da década também estampam seus nomes em coleções de moda, vendem seus próprios cosméticos ou dirigem filmes.

Beyoncé claramente se destaca como a diva da década: arrasou no Coachella, um dos principais festivais americanos, teve um papel protagonista em “O Rei Leão” e cativou o público e os críticos com seu álbum-filme “Lemonade”.

Além disso, também está à frente de uma marca de roupas esportivas, Ivy Park, a qual iniciou uma nova etapa em colaboração com a Adidas. Beyoncé também dirigiu um documentário sobre sua memorável atuação no Coachella.

Ela representa o novo modelo para toda uma geração de superestrelas da música.

Rihanna, a cantora de 31 anos nascida em Barbados, é um claro exemplo disso. Não só conquistou várias paradas de sucesso, como também ganhou fortunas com uma linha de cosméticos e outra de lingerie.

Em 2019, lançou sua própria marca de roupas com a gigante de luxo francesa LVMH.

A cantora e compositora Taylor Swift, ganhadora de dez prêmios Grammy na última década, é outra. Apresentou vários perfumes, possui um portfólio de contratos de promoção de produtos e travou uma batalha legal contra sua gravadora anterior para obter o controle das gravações originais de seus primeiros álbuns.

Lady Gaga confirma a tendência: além de cantar sucessos do jazz com o lendário Tony Bennett e fazer uma aparição estrelar na série “American Horror Story”, lançou também sua própria linha de cosméticos veganos e surpreendeu o público com sua atuação em “Nasce uma Estrela”, filme pelo qual ganhou o Oscar de melhor canção original.

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